sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

De cadilhíssimo a cadilhínfimo


Na confortável prateleira dourada, onde aguardam, pela sua possível vez, alguns hipotéticos futuros homens providenciais da direita portuguesa, estava olimpicamente instalado o Dr. Miguel Cadilhe.

De quando em vez, se a poeira dos meses parecia querer envolvê-lo num discreto manto de esquecimento, o Dr. Cadilhe dava sinal de vida. As suas palavras, sempre contidamente distantes do emaranhado quotidiano, eram quase sempre ouvidas como sábias e profundas. Esculpia paulatinamente a sua imagem do virtuoso da banca que ganha a "patine" solene do homem de Estado.

Quando falava de Economia, era incisivo, profundo, definitivo. Dir-se-ia um mago da numeracia, guiando-nos entre a escassez e a abundância, através do labirinto das previsões e dos interesses.

O tempo, entretanto, foi correndo suave. O Dr. Menezes, ainda confortado pelo oxigénio da sua vitória interna, continuava a esvair-se numa atmosfera densa de inconveniências e lugares comuns.

Mas a novela do BCP acelerou-se. De drama familiar com laivos de comédia, deu sinais de que podia, na pior das hipóteses, ser promovida a caso de polícia. Já com os euros a arder, os accionistas resolveram arrumar a casa. Incautos, em vez de escolherem um previsível malabarista do privado, aventuraram-se a recorrer a um pesado cultor do interesse público.
Chocado e desregulado, o PSD entrou em convulsão, como se tivessem invadido uma quinta sua e lhe subtraíssem um peru do Natal. O seu chefe perdeu a pose de Estado e desatou aos tiros para todos os lados, misturando a imprecação contra sinuosas conspirações do governo com sôfregos pedidos de lugares. Excitado pela algazarra geral da direita mais irrequieta o Dr. Cadilhe passou-se. Imaginou-se banqueiro dos banqueiros e achou-se subitamente preterido.

Num misto de D.Quixote e de velha raposa, desembainhou a sua candidatura à liderança do BCP, numa súbita cruzada contra o Banco de Portugal, contra o Governo, contra as sombras públicas na "claridade" privada. No seu PSD, a convulsão revolteava, os fazedores de opinião excediam-se em diatribes que se queriam certeiras. A matilha dos comentadores económicos entrava em ebulição. Uma onda parecia levar o Dr. Cadilhe aos votos dos accionistas como um vírus imparável.

Prudentes, alguns accionistas deitavam cubos de gelo no entusiasmo cadilhista. O aviso parecia sério, mas o visado continuava a afixar uma confiança tão olímpica que fazia despontar a dúvida : Ele quer mesmo ganhar? Ou quer apenas ficar desde já investido como o salvador que a direita irá buscar na próxima crise ?

Chegou o grande dia. A prosaica Assembleia de um Banco, habitualmente envolvida no discreto veludo do silêncio, foi rasgada pelos holofotes mediáticos. Modestos accionistas eram agora “eusébios” da banca, luzidos advogados de negócios saíam por um instante da sua rentável obscuridade. O Dr. Cadilhe falava mesmo em valores, ética, dever cumprido, numa girândola de sinais de firmeza e de arreganho no combate.

Atingido o ápice, os votos foram contados. Afinal, em vez de conquistar os louros de uma suculenta vitória, ou de mostar, ao menos, uma invejável força política, o ex-futuro homem providencial da direita passara penosamente a barreira dos 2%. Estava para os accionistas do BCP, como está o MRPP para o eleitorado português.
É esse o seu novo estatuto simbólico. De agora em diante, quando estiverem em causa eleições os seus “companheiros" do PSD vão fugir dele como o diabo da cruz. Enfim, de Cadilhíssimo que ele quereria ter sido, ficou um modesto Cadilhínfimo que ele nunca teria esperado vir a ser.

3 comentários:

Anónimo disse...

O Cadilhe nunca mostrou coisa nenhuma. SEmpre se refugiou no silêncio, ou no monosílabo para dar cumprimrnto ao velho adágio de que o calado é o melhor. Nâo há, e nunca haverá, um cadilhismo porque essas múmias não fazem escola, não constroem teorias, não têm mais que a vulgaridade de agarrar um qualquer poder. E essa é a grande maleita da maioria, da quase totalidade dos donos da política neste país rafeiro onde tenho dificuldade em encontrar sítio para estar.
Os teus textos são mansinhos, de cetim barato só para bater na direita tradicional. Mas a esquerda de conveniência está igualmente apodrecida. e é isso que me dá uma grande tristeza.
Sopapos

Anónimo disse...

RN disse:

1. De cetim certamente. Barato é que não.

2. Nada mais inofensivo do que os textos "bravos".

3. A política é um combate. Estou do lado esquerdo, sem ter a ilusão de que estou do lado perfeito contra o lado imperfeito. Distribuir censuras para ambos os lados é absolver a direita. Se a esquerda não for eficaz , é o futuro que se afasta de nós. Se a direita não for eficaz é o futuro que fica mais próximo.

4. A triteza é um sentimento de quem se deixa paralisar. Não me relaciono com a política através desse sentimento.

aminhapele disse...

Continuo a gostar da tua luta,RN.
Demonstras que nada tens a ver com os "figurões".
Princípios,ética,mesmo política,são coisitas que nada lhes dizem.
Têm sempre a mesma questão:
-Quanto vale "isso" em euros?
Como dizes,não é tempo de "disparar" a torto e a direito.
Mas é tempo de limpar a loja!
O que se passa em Coimbra é um bom exemplo.