terça-feira, 19 de julho de 2011

UM DELES MENTE !

1. Em pouco tempo, com uma nitidez cujo grau me surpreende, o modo como no espaço mediático tem sido tratado o actual governo, em comparação com o modo como o anterior o foi, encerra um conjunto de lições que não devem passar despercebidas. Essa discrepância atingiu uma intensidade tal que a sua ocultação ou o seu disfarce tornaram-se impossíveis. Alguns dos episódios em que ela se materializa invadem o território do humor. Mas um deles, ainda em curso, reveste-se de características escandalosas.


2. Todos se recordarão, certamente, de como diversos actores políticos, alguns expoentes mediáticos e um punhado de barões do empresariado, regougaram compulsivamente no espaço público reiteradas insinuações, afirmações ou acusações, que convergiam na sugestão de que o primeiro-ministro do governo anterior, faltando à verdade repetidamente, era um verdadeiro mentiroso.


De facto, tranformaram possíveis erros de apreciação ou avaliação, bem como pontos de vista diferentes dos acusadores em mentiras, converteram a discordância ideológica numa alegação de falsidade.E todos estão, decerto, recordados do alarido ensurdecedor da direita, a propósito de um alegada diferença entre uma frase dita pelo primeiro-ministro e algo que ele tinha dita a um amigo ao telefone numa conversa particular, uns tempos antes. Com o escandaloso picante de essa conversa ter sido obtida numa escuta de duvidosa legalidade, causada pelo envolvimento do interlocutor de J. Sócrates na causa da escuta. Essa nunca demonstrada discrepância deu declarações dramáticas , atravessou inquéritos parlamentares, encheu os écrãs televisivos de angélicos rostos compungidos de figuras amantes da verdade, que esconjuravam essa hipotética, nunca demonstrada e pecaminosa mentira.


3. Os meses passaram, as eleições precipitaram-se, a direita chegou finalmente ao que ela encara como se fosse o pote. O primeiro-ministro e os seus acólitos instalados nas várias cadeiras do poder pertencem agora à virtuosa família dos verdadeiros. Eis se não quando, no modesto episódio da preparação do governo, um jornal, alegadamente de referência, do qual é proprietário um dos fundadores do PSD, insuspeito de qualquer sombra de esquerdismo, revela que no célebre drama cómico do secretário de estado que nunca chegou a sê-lo, Passos Coelho pediu aos serviços secretos para investigarem o tal proto-secretário de estado. Passos Coelho veemente desmente. Ricardo Costa, director do jornal, responde confirmando a veracidade da notícia. Passos Coelho insiste em negar.


4. Entretanto, os esforçados priores e as inefáveis sacerdotisas da verdade que meses antes se desfizeram em trovões contra José Sócrates, a propósito daquela brisa nunca provada de um descoincidência de versões, dormem agora no remanso de ligeiros murmúrios dificilmente audíveis perante o ruído insuportável do seu silêncio. Um doutíssimo e popular comentador políticos que já foi líder do PSD, refugiou-se na subtileza de dizer que comentava mais tarde, como se estivéssemos perante a hipótese de uma simples gota, insignificante, no mar das coisas importantes. Ou seja, pelo sim pelo não, calou-se, não fosse o diabo tecê-las.


Mas não estamos perante um detalhe , perante uma gota minúscula, uma sombra sem espessura. Estamos perante a hipótese de um gravíssimo escândalo político. Uma hipótese suficientemente consistente para ter que ser esclarecida. Esclarecida, e não embrulhada em declarações de fé , ou em juízos de probabilidade, recolhidos por pacíficos jornalistas na curva de um corredor ou entre duas trincadelas numa sanduiche. Esclarecida, para que seja absolutamente certo : 1º) que o Primeiro-Ministro não abusou da sua posição para fazer um pedido ilegal aos serviços secretos; 2º) que o Primeiro-ministro não mentiu ostensivamente sobre um assunto de Estado sobre o qual foi perguntado, directa e expressamente. O inquérito é urgente, a resposta tem que ser inequívoca e as consequências têm que ser exemplares. O Presidente da República não pode fingir que esta a fruir uma merecida sesta e a Assembleia da República não pode espreguiçar-se de hesitação.


Seja qual for o resultado, já fica irremediavelmente registado o escândalo da bonomia da nossa comunicação social, perante um tema desta gravidade. E todos nós percebemos também que um resultado absolutório de Passos Coelho não terá qualquer credibilidade se, juntamente com ele, não for anunciada a demissão do responsável do jornal que insistiu na veracidade da notícia.


Nós, socialistas, mas certamente o resto da esquerda também, temos que aprender, reforçando-nos com persistência e inteligência, para a prazo conseguirmos recuperar o actual espaço mediático, transformado hoje num terreno de caça e de recreio da direita. Recuperá-lo de modo a que possa vir a ser um espaço de liberdade de informação com credibilidade, insusceptível de ser instrumentalizado por quem, dispondo de dinheiro e poder, vem transformando a verdade num bem escasso e a mentira num hábito impune.

1 comentário:

Mário disse...

Mas não se fica por aí. Em menos de um mês mentiu, que eu me lembre, em:
Prazo de privatização da RTP;
Imposto sobre os rendimentos do trabalho;
Orçamento suplementar;
Emagrecimento do Estado - criou uma comissão de acompanhamento da execução do programa da troika com 30 elementos;
Que não utilizava o Passado como desculpa e vem dizer que há um desvio colossal das contas públicas