domingo, 28 de junho de 2015

O Episódio Grego não é um Episódio

O que está em marcha na UE é uma desconsideração estrutural  da política em benefício de um unilateralismo economicista que serve automaticamente os interesses do capital financeiro. Essa desconsideração traduz-se na secundarização da democracia. E assim fica a descoberto um divórcio até agora inconfessado.No mundo de hoje,o capitalismo respira tanto mais facilmente quanto mais despreze a democracia - é isso que nos diz o comportamento da burocracia económico-financeira que atrofia a Europa. De momento, a vítima é o povo grego. Mas os capatazes políticos do capital financeiro que dominam os lugares de decisão das instâncias relevantes, embora ágeis enquanto aspirantes a agiotas, são anões políticos. Anões incapazes de terem respostas politicas consistentes para os problemas que tem levantado a sua lamentável inconsistência estratégica, mesmo que ancoradas na sua mundividência. No grande jogo xadrez da geopolítica mundial comportam-se como jogadores de damas, simples consumidores lineares do seus próprios ócios. Perdidos nos automatismos cegos que não sabem controlar deixam  que toda esta deriva antidemocrática vá assumindo paulatinamente o rosto da Alemanha, o que faz correr o risco de ressurreição de velhos medos e velhos fantasmas. Tudo isto se faz sob a batuta dos partidos liberais-conservadores da Europa, abusivamente sugeridos como democratas-cristãos, à sombra do rótulo hipócrita de Partido Popular Europeu. Tudo isto é dramaticamente agravado pelo facto de os partidos membros do Partido Socialista Europeu se terem deixado aprisionar no predomínio ideológico dos conservadores, deixando-se reduzir ao papel triste de agentes moderados das malfeitorias dominantes. Em poucos casos, as outras esquerdas compensam essa anemia com uma nova pujança. Mas a extrema-direita vai crescendo, de momento parecendo desafiar o "status quo neoliberal", amanhã assumindo o rosto musculado do fim da democracia,  que o capital financeiro prepara como plano B, no caso de as atuais instituições colapsarem por completo. Por isso, os socialistas europeus não estão apenas perante um encruzilhada política, como tantas outras que a História põe no caminho dos seus protagonistas. Estão perante um encontro histórico com a sua identidade e o seu destino --- perdem-se no triste papel de acólitos das direitas europeias ou assumem uma refundação estratégica que os reconduza  à sua razão de ser, ao seu lugar no coração do futuro. E o modo como os partidos membros do Partido Socialista Europeu lidarem com o caso grego pode muito bem ser  o sintoma incontornável do caminho que vão percorrer. E não vale a pena ter ilusões. Desta vez o discurso suave e redondo, que sugere tudo sem dizer nada, não é uma opção, mesmo que seja má. É uma rendição; com tudo o que isso tem de cobardia política e irremediável desencontro com o povo de esquerda.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

AMANHÃ EM COIMBRA

Relembrando a apresentação de um livro de poemas.


terça-feira, 2 de junho de 2015

UM LIVRO, UM POEMA - 13



Hoje, vamos lembrar António Nobre, poeta português do fim do século XIX, nascido no Porto em 1867, cidade onde viria a morrer em 1900. Evocá-lo a seguir a Cesário Verde permite-nos sentir as diferenças e a proximidade que os unem. Ambos  se abriram a uma modernidade que cada um a seu modo prenunciou. António Nobre explorou a fundo a melancolia do sofrimento, como se a tristeza fosse a sua respiração, sem deixar de acolher os reflexos da natureza que o rodeava, quase como um sonho que sentia ser breve.

"Só", a sua principal obra, foi editada em Paris em 1892. António Nobre havia-se matriculado em Direito, na Universidade de Coimbra. Tendo reprovado por duas vezes, optou por ir para Paris, frequentar a “École Libre des Sciences Politiques”, onde se licenciou em Ciências Políticas em 1895.

Vamos recordar extratos de um poema incluído no “Só”, para o seu autor “o livro mais triste que há em Portugal”, cujos poemas foram na sua maior parte escritos em Paris. “Carta a Manoel” foi escrito em Coimbra, entre 1888 e 1890. É uma evocação de Coimbra e do modo como o poeta a sentiu, sem transigências, mas com afeto. Coimbra não o esqueceu. A Torre d’Anto, onde o poeta viveu, é dos ex-libris da cidade, uma homenagem permanente.



Carta a Manoel

Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paisagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres notícias? Queres que os meus nervos falem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se calem...
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, enfim, se sofre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Pior que as sabatinas
Dos ursos na aula, pior que beatas correrias
De velhas magras, galopando Ave-Marias,
Pior que um diamante a riscar na vidraça!
Pior eu sei lá, Manoel, pior que uma desgraça!

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Ó Rio Doce! túnel d’água e de arvoredo!
Por onde Anto vogava em o wagon d'um bote...
E, ao sol do meio-dia, os banhos em pelote,
Quando íamos nadar, á Ponte de Tavares!
Tudo se foi! Espuma em flocos pelos ares!
Tudo se foi...

    Hoje, mais nada tenho que esta
Vida claustral, bacharelática, funesta,
N'uma cidade assim, cheirando, essa indecente!
Por toda a parte, desde a Alta á Baixa, a lente!
Bem me dizias tu, como que adivinhando
O que isto para mim seria, Amigo, quando
O ano passado, vim contra tua vontade
Matricular-me, aí, n'essa Universidade:
«Anto não vás...» dizias tu. Eu, fraco, vim.
Mas certamente, é natural, não chego ao fim.
Ah quanto fora bem melhor a formatura,
Na Escola-Livre da Natureza, Mãe pura!
Que ótimas preleções as preleções modernas,
Cheias de observação e verdades eternas,
Que faz diariamente o Prof. Oceano!
Já tinha dado todo o Coração Humano,
Manoel! faltava um ano só para acabar
Meu curso de Psicologia com o Mar.
Porque troquei pela Coimbra inútil, vã,
Essa Escola sem par, cujo reitor é Pan?
Talvez... preguiça, eu sei... A cabra é a cotovia:
As aulas, lá, começam mal aponta o dia!

Que tédio o meu, Manoel! Antes de vir, gostava.
Era a distância, o além, que me impressionava:
Tinha a poesia do sol-pôr, d'uma esperança.
Mas, mal cheguei (que espanto! eu era uma criança...)
Tudo rolou no solo! A Tasca das Camelas
Para mim, era um sonho, o céu cheio de estrelas:
Nossa Senhora a dar de cear aos estudantes
Por 6 e 5! Mas ah! foi-se a Virgem d'antes,
Tia Camela... só ficou a camelice.

Contudo, em meio d'esta fútil coimbrice,
Que lindas coisas a lendária Coimbra encerra!
Que paisagem lunar que é a mais doce da Terra!
Que extraordinárias e medievas raparigas!
E o rio e as fontes? e as fogueiras? e as cantigas?
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Olha... São os Gerais, no intervalo das aulas.
Bateu o quarto. Vê! Vem saindo das jaulas
Os estudantes, sob o olhar pardo dos lentes:
Ao vê-los, quem dirá que são os descendentes
Dos navegantes do seculo XVI?
Curvam a espinha, como os áulicos aos reis!
E magros! tristes! de cabeça derreada!
Ah! Como hão-de, amanhã, pegarem uma espada!
- E os doutores? - Aí, os tens graves, á porta.
Porque te ris? Olha-los tanto... Que te importa?
Há duas exceções: o mais, são todos um,
Quaresma d'alma, sexta-feira de jejum...

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Manoel, vamos por aí fora
Lavar a alma, furtar beijos, colher flores,
Por esses lindos, deliciosos arredores,
Que vistos uma vez, ah! não se esquecem mais:
Torres, Condeixa, Santo António de Olivais,
Lorvão, Cernache, Nazaré, Tentúgal, Celas!
Sítios sem par! Onde há paisagens como aquelas?
Santos Lugares, onde jaz meu coração!
Cada um é para mim uma recordação...
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