sábado, 29 de janeiro de 2011

SUGESTÕES PEDAGÒGICAS


Os donos de alguns colégios, com acólitos de circunstância, têm promovido algum ruído público, talvez porque alguém lhes ameaça a "árvore das patacas".

De momento, limito-me, modestamente, a duas sugestões:

1ª Descubram quais os grupos económicos que são titulares de mais do que um colégio.

2ª Promovam uma investigação detalhada sobre a fundação de um colégio na margem esquerda do Mondego, Concelho de Coimbra, no final dos anos 90.

sábado, 22 de janeiro de 2011

AS ELEIÇÕES E O REFORÇO DO COMBATE À CORRUPÇÃO


Amanhã é um dia importante. Pode fixar-se o quadro no âmbito do qual vai ser travada a luta política durante os próximos anos. As sondagens apontam para uma decisão à primeira volta da eleição presidencial , mas, se ocorrer um desfasamento idêntico ao que se verificou há dez anos em circunstâncias idênticas, entre as sondagens e os resultados, teremos uma segunda volta. Numa segunda volta, tudo pode acontecer.

As carpideiras encartadas pela campanha eleitoral, que também as há, decretaram a nulidade de tudo o que no decurso dela foi dito. Percorreram, implacáveis, todos os recantos dos discursos e, com um feroz esgar de reprovação, distribuíram zeros sem piedade. Bebericando o seu uísque na aconchegante poltrona de uma sólida auto-imagem, fulminaram os mortais com o raio certeiro da sua hiper-crítica. É pena que os mortais cada vez os olhem mais como trapos rabujentos de uma frustração qualquer, ou como efeitos colaterais de uma pose vazia, por detrás da qual quase nada existe.
Com isto, não estamos a absolver por completo os protagonistas políticos mais marcantes, quer pelo excesso de banalidades tão exaustivamente repetidas, quer pela excessiva carência de uma lógica argumentativa que cultive as respectivas identidades, em vez de as ocultar, quer pelo excesso de ostentação de multidões de adeptos em detrimento de uma autêntica sementeira de ideias. Mas daí a reduzir a zero tudo o que muitos pensaram e disseram, esquecer o calor dos entusiasmos próximos da esperança, vai a incomensurável distância entre o oito e o oitenta.


No entanto, quer o resultado eleitoral venha a abrir um novo tempo desafiante, com um Presidente que esteja dentro da poesia, capaz de convocar a nossa cultura e de compreender a aventura de ser português, para nos fazer aproximar de um futuro cosmopolita e justo; quer nos condene a mais alguns anos de arrastamento através da insalubridade de um cavaquismo decadente, já ficou desta campanha, como efeito colateral virtuoso, o imperativo de se deslindar politicamente o embroglio cavaquista que toldou a cena política como uma das causas mais marcantes da asfixiante sombra de promiscuidade entre política e negócios.

De facto, o vasto painel de favores e cumplicidades que paulatinamente se foi alargando, desde os velhos tempos do cavaquismo, vai mostrando possíveis conexões antes ocultas. Tudo começou pelos perdões fiscais em pleno cavaquismo governamental, evoluindo para uma imaginosa SLN que gerou um trivial BPN. As coisas começaram a azedar quando o inocente banco se transformou num caso de polícia, que envolveu alguns protagonistas dos velhos perdões, lugares tenentes de Cavaco. Um deles foi o seu generoso favorecedor no célebre caso das acções da SLN. Há ainda o labirinto de incongruências, distracções e acasos no recente caso da vivenda, também ela envolvida no incómodo perfume da SLN. Estamos perante um verdadeiro case study de promiscuidade entre política e negócios que não deve ser esquecido.
Não deve ser esquecido, como ponto de partida para a abertura de uma nova vertente no combate à corrupção; não como sôfrega procura de possíveis culpados no plano do direito, ou sequer como meio de suscitar censuras no plano da ética. Quanto aos aspectos que envolvam ilicitudes ou ilegalidades, hão-de funcionar os tribunais; quanto aos aspectos em que tenha fraquejado a dignidade que funcionem as consciências. Eu estou a falar apenas no plano político para se compreender a extensão de uma a promiscuidade entre política e negócios que esse caso tão sugestivamente documenta.

A revelação da necessidade de abrir uma vertente nova no combate à corrupção, não dispensa que se continuem a reforçar e a aperfeiçoar os meios clássicos dessa luta, mas mostra com claeza que eles incidem na parte visível de um grande iceberg, tendo chegado um tempo em que se tornou imperativo cuidar também da sua parte submersa. As origens da presente crise financeira internacional apontam no mesmo sentido. As ilegalidades que configuram a corrupção têm que ser combatidas com eficácia crescente, mas não se pode descurar a necessidade de se enfrentar o que há de estruturalmente injusto e de eticamente ilegítimo no edifício do capitalismo actual, nas suas rotinas predatórias incontroladas, na sua tendência inata para fabricar privilégios e desigualdades, na sua vocação profunda para concentrar em poucos a riqueza à custa da miséria de muitos.

O comprovado extravio político do cavaquismo tardio nas areias movediças da SLN/BPN veio tornar evidente que há um novo território a percorrer no combate à corrupção. Um território essencialmente político cujo atravessamento nos conduza a um patamar mais ambicioso da consistência da subordinação do poder económico ao poder político e a novos instrumentos de regulação da actividade financeira, bem como aos impedimetos e às restrições que se revelem adequadas a um efectivo reforço da garantia de que a promiscuidade entre negócios e política tem os dias contados.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

À PROCURA DA MANHA PERDIDA !


A manha do candidato Cavaco está a deteriorar-se. Estará assustado? Estará a perder qualidades? Estará a perder o norte?

De facto, ao executar uma manobra eleiçoeira algo trivial, numa postura de papão, tão ao gosto da direita conservadora, dizendo que, se houver segunda volta nas eleições presidenciais do próxima domingo, os especuladores internacionais, que têm vindo a cercar e a sugar Portugal, se acirrarão ainda mais contra nós, ele estava subliminarmente a proclamar-se como o homem de confiança no nosso país da quadrilha financeira internacional.

Não nos deu nenhuma novidade, mas confessou o que tão cuidadosamente vinha disfarçando: Cavaco sente-se como alguém em quem os especuladores internacionais têm confiança, como alguém que tentará garantir uma caçada tranquila a esses predadores encartados, no país de que quer ser Presidente.

Assim, muito provavelmente, se os portugueses o deixassem, tal como o então primeiro-ministro Durão Barroso foi aos Açores servir umas bicas a Bush e a Blair, quando estes deram o empurrão final à eclosão do desastre iraquiano, Cavaco viria a servir com gosto alguns cafés aos funcionários que o FMI enviaria para Portugal, se os mais profundos desejos da direita portuguesa se viessem a realizar.
[ A caricatura, acima reproduzida, foi retirada do blog Guilherme Pereira.]

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O MENSAGEIRO TROCADO

Queremos a liberdade de expressão e a autonomia de consciência, dentro do Partido Socialista. Por isso, não podemos recusá-la a quem assuma posições que nos desagradem, especialmente, quando somos nós a estar em consonância com a direcção do partido e não eles, como é costume. Mas uma coisa é reconhecer-lhes o direito a tomarem as posições individuais que entenderem, outra coisa é deixar de os criticar.

Isto vem a propósito de declarações do Correia de Campos, em desfavor de Alegre que, como por milagre, ecoaram na comunicação social, com ecos relevantes na blogosfera. Que fosse quem fosse preferisse outro candidato seria verdadeiramente trivial. Mas é muito diferente que entre os candidatos realmente existentes um ex-ministro, actual deputado europeu pelo PS e membro da sua Comissão Política Nacional acorde da sua tranquila sesta europeia, para vir dar umas bicadas no candidato apoiado pelo PS e para dizer umas vagas untuosidades favoráveis a Cavaco. Tudo isso, está muito longe da decência política.

De facto, nos últimos dias, tem vindo a ficar claro que Cavaco combate Alegre, não só porque ele é o candidato que realmente protagoniza uma alternativa estratégica à sua continuidade, mas também por Cavaco estar desde já determinado a varrer o PS do Governo, para lá instalar o PSD, se possível, ou uma nova AD, se necessário. Cavaco está pois a assumir-se como o verdadeiro chefe de uma ambicionada desforra da direita, que ainda não perdoou o 25 de Abril. Esta eleição é, por isso, uma batalha decisiva que poderá abrir a porta a uma guerra mais funda e mais implacável. Uma batalha em que Alegre é o primeiro protagonista, mas em que o PS não deixaria de ser também atingido e muito prejudicado, se o candidato que apoia fosse derrotado.

Quem não perceber isto, anda a dormir. E se já é triste ver outros candidatos, alegadamente de esquerda, passarem ao lado do essencial e atacarem em conjunto Cavaco e Alegre, fingindo que os consideram idênticos, é deplorável ver alguém como Correia de Campos a procurar contribuir para o enfraquecimento de Alegre e a favorecer, descarada conquanto melifluamente, Cavaco.

É que ele não está apenas, num acto de mesquinhez política, a procurar desforrar-se das críticas que Alegre lhe fez quando ele foi Ministro, está a combater num momento difícil o seu próprio Partido. E deve dizer-se, aliás, como agravante, que não teve sequer a grandeza de o fazer com frontalidade, sem ambiguidade, sem meias palavras, assumindo sem tergiversar uma posição clara. Nada disso. As suas bicadas em Alegre pretenderam-se subtis, o seu apoio a Cavaco foi cuidadosamente embrulhado numa untuosa hipocrisia, bem expressa pelo modo como esse apoio foi negado. Isto é, o modo como foi feita a negação desse apoio foi afinal, em si própria, uma dissimulada manifestação de apoio. Enfim, procurou prejudicar Alegre e beneficiar Cavaco tanto quanto lhe fosse possível, à luz do imperativo de ser discreto, para não tornar demasiado escandalosa a sua quebra de solidariedade para com o seu Partido numa conjuntura tão difícil.

Mas se é certo que alguns membros do Partido Socialista, que andam tontamente a apanhar canas de alguns inacreditáveis foguetes políticos, podem ser olhados com a bonomia com que se costumam encarar os ingénuos e os despassarados, Correia de Campos não pode ser olhado com essa complacência.Ele sabe muito bem o que faz.

Por isso, sendo difícil saber-se se prejudicou muito, pouco ou nada, a candidatura presidencial de Alegre, é certo que fez minguar muito a sua própria estatura como político, demasiado ronronante numa situação em que a direita ruge com tanta energia e despudor contra os valores centrais da democracia e do socialismo.

domingo, 16 de janeiro de 2011

CAVACO - o chefe com pés de barro


1. Nos últimos dias, Cavaco despiu a pele de bonzinho e decidiu abrir a porta aos seus impulsos mais fundos, instituindo-se como chefe efectivo da direita portuguesa. Talvez o turbilhão emocional da campanha o tenha empurrado para essa sofreguidão, talvez seja afinal um sintoma de um seu desígnio ainda mais ambicioso e menos confessável: o de vir a ser o condottiero de uma próxima operação populista da direita portuguesa (se necessário autoritária), que a si própria se venha a instalar no papel de salvadora. Estranha salvadora é certo, pois viria salvar-nos da deriva económico-social a que nos conduziu o funcionamento do tipo de sociedade com que ela se identifica e que tem por função histórica exprimir e defender a qualquer preço, ou seja, do capitalismo.

Podemos compreender que esse político dissimulado e melífluo, que cultiva a arte de negar as evidências que não lhe convêm e desde logo a de renegar sempre a sua qualidade de político, tenha percebido que deixar-se ir a reboque dos dois partidos da direita portuguesa, na circunstância em que ambos caíram sob a alçada de lideranças traquinas, corre o risco de suscitar incómodas derrapagens. Risco tanto maior, quanto a conjuntura político-económica, nacional e europeia, desaconselha fortemente a que se entregue o leme a políticos de calções ou a adolescentes eternos que vêem na política pouco mais do que um palco para brincarem aos crescidos.

Podemos compreender, mas é prudente que receemos e é imperativo que evitemos, esse caminho tosco de regressão e de desqualificação da nossa democracia. E só há um meio seguro para se contrariar esse risco: vencer Cavaco, o putativo chefe dessa ambição reaccionária, na contenda eleitoral que se avizinha.

2. Animado, talvez, por esse sonho de poder, o experimentado político prometeu-se mais feroz, em face de qualquer governo que não seja seu súbdito, sugerindo-se disposto, no segundo mandato, a assumir de vez o seu inato providencialismo.

E como um verdadeiro homem providencial pretende-se bem acima dos mortais, ao mesmo tempo que se finge entre eles. Por isso, Cavaco achou indispensável embrulhar as trapalhadas do BPN, da SLN, das acções milagreiras, das vivendas caídas do céu, dos vizinhos amigos tornados esquecidos, num manto de silêncio e de esquecimento. E para dar consistência e eficácia a esse manto de esquecimento resolveu construir a si próprio uma estátua de hiper-seriedade que lhe protegesse a imagem e acalentasse o ego.

Mas as estátuas imaginárias são miragens efémeras, as coisas são o que são e os factos são teimosos. Cavaco pode escapulir-se, na voragem da última semana de campanha, com a complacência dos seus apoiantes que dominam jornais e estações televisivas. Pode escapulir-se, de modo a não ser verdadeiramente escrutinado, nesses aspectos, antes da primeira volta das eleições presidenciais. Mais difícil será manter os silêncios se o levarmos á segunda volta e seria irrealista julgar que escaparia do imperativo de esclarecer tudo, se fosse eleito Presidente da República.

3. Só para dar um exemplo, podemos circunscrever-nos às célebres acções da Sociedade Lusa de Negócios, dona do BPN. Foi difundido pela comunicação social (e não desmentido pelo próprio Cavaco) que a compra dessas acções, pelo preço que por elas pagou, representou uma situação de favor, dado que só puderam comprar acções a esse preço Oliveira e Costa e mais três sociedades pertencentes ao grupo societário em causa. O facto de Cavaco Silva ter sido contemplado no aumento de capital, pode levar-nos a pensar que não foi cumprida a vontade da Assembleia Geral de Accionistas que não o tinha incluído no elenco de beneficiários desse preço especial. Se foi Oliveira e Costa que, valendo-se do direito especial que lhe foi outorgado, fez um favor a Cavaco, há que demonstrar, no quadro do benefício que lhe foi outorgado, ele o poderia fazer.

Mas mesmo que Oliveira e Costa, nos termos da deliberação da Assembleia de Accionistas, pudesse conceder esse benefício a Cavacos, isso não apagaria só por si, a ilegalidade estrutural de todo esse negócio. Na verdade, à luz do Código das Sociedades Comerciais, nunca poderia ter sido outorgado a Oliveira e Costa (ou a qualquer outro sócio) um qualquer direito especial. De facto, se nas sociedades por quotas, em certos casos, podem ser outorgados direitos especiais aos respectivos sócios, nas sociedades anónimas isso nunca pode acontecer. Pelo contrário, só podem ser atribuídos direitos especiais a categorias de acções, identificadas por características próprias diferenciadoras que, logicamente, nunca se poderão radicar na circunstância de pertencerem ao sócio A ou B, sob pena de assim se frustrar a diferença que neste aspecto a lei fixou entre os dois tipos de sociedades.

Isto é, mesmo que no pacto social estivesse prevista a possibilidade de se favorecer um qualquer sócio, essa disposição seria nula, por contrariar um preceito do Código das Sociedades Comerciais que o impede. Se o pacto social não contivesse uma claúsula dessas, à nulidade acima referida acresceria uma outra resultante de estarmos perante uma tentativa de atribuir, conquanto ilegalmente um direito especial, que não estava previsto no contrato de sociedade, como a lei impõe quanto a qualquer direito especial.

E essas nulidades, sendo insanáveis pelo decurso de tempo, dada a sua causa, fazem com que a venda das acções, pelo preço em que o foram, seja nula, podendo ter que reverter para a SLN todos os ganhos que tenham resultado de negócios subsequentes, cuja validade tenha ficado inquinada pela nulidade do negócio inicial.

Este raciocínio jurídico não é, evidentemente, uma sentença, mas só pode ser infirmado pelo esclarecimento completo de todos os aspectos da transacção, de modo poder demonstrar-se eventualmente que aquilo que parece resultar dos factos conhecidos é afinal contrariado por algo que agora não seja público, embora não se veja que facto possa tornar legais caminhos tão grosseiramente contrários à lei, como os que foram percorridos.

4.
É pois claro que é uma obrigação de um candidato presidencial que, ainda por cima, acaba de cumprir um mandato como Presidente da República, esclarecer tudo isto. De facto, os dados publicamente revelados, e não desmentidos, apontam para um favorecimento praticado por um actual réu e resultante de uma ilegalidade grosseira.
Ora, foi uma teia de favorecimentos que conduziu o BPN ao buraco financeiro de onde o Estado português se viu forçado a tentar retirá-lo, com risco de graves prejuízos para o erário público, para evitar um risco de acrescida e grave fragilização da economia portuguesa. O beneficiário desse favorecimento foi chefe de um governo do qual fez parte o favorecedor, é Presidente da República e candidata-se a um novo mandato. Independentemente da dimensão desse favorecimento, não pode por isso deixar de explicar muito bem tudo o que se passou.

Já agora, como têm pedido alguns comentadores, seria bom que se revelasse se o pagamento das acções por Cavaco Silva foi feito por cheque ou por transferência bancária, para se poder afastar desde já a hipótese de que não se tratou de uma compra e venda, mas sim de uma oferta. Se esse esclarecimento for dado, continuarão a ser necessários todos os outros inerentes ao que acima se disse, mas ficaria desde já afastada a hipótese de uma vertente talvez ainda mais grave do favorecimento.

Só as explicações de Cavaco Silva poderão permitir que se determine a gravidade ética e política do possível favorecimento pela celebração dos negócios em causa, ou mesmo a eventual existência de consequências jurídicas de natureza civil. E chegadas as coisas onde chegaram, mais cedo ou mais tarde, vai ter que as dar.

A bem da transparência da vida democrática e da dignificação das instituições, em harmonia com a ética republicana de que se afirma seguidor, Cavaco tem que dar as explicações devidas antes da primeira volta. Se o não fizer estar-se-á a diminuir a si próprio e a tornar legítimo que se possa pensar que, se não esclarece tudo já, é porque receia que a verdade completa o possa de algum modo prejudicar.
[ Com a devida vénia, pedi a imagem emprestada a Luís Silva, seu autor.]
[ Este texto, sofreu alterações de estilo e de redacção, num pequeno número de períodos, às 17 h e 40 m de hoje, dia 16 de Janeiro de 2011. ]

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A SOMBRA DAS PALAVRAS


O BP, conhecido oráculo económico com sede em Lisboa, leu a bola de cristal, que tão recatadamente utiliza, e decretou que em 2011 vai haver uma quebra no PIB português de 1,3% e em 2012 um crescimento de 0,6%. São palpites, seguramente doutos, mas que, muito provavelmente, serão, uma e outra vez, revistos em alta ou revistos em baixa. Sim, porque os oráculos económicos nunca reconhecem os erros de previsão em que incorrem, mesmo que repetidos. Na sua qualidade de infalíveis, não erram. Eles limitam-se a rever, em alta ou em baixa, as rigorosas estimativas( afinal, erradas) por eles feitas anteriormente.


Mas nem era disso que eu vinha falar. Vinha, sim, partilhar convosco um elucidativo exemplo de como se pode ser tendencioso sem formalmente se faltar à verdade. Eis o que aconteceu.


Chegaram as notícias numa estação televisiva. Um jornalista fluente debitou num discurso ágil as últimas notícias do carnaval económico em curso. E foi aí que se revelou, falando-nos da significativa quebra de 1,3% anunciada para 2011 pelo BP e da ligeira subida de 0,6, anunciada para 2012. Ou seja, para essa voz imparcial, na presente conjuntura, toda a quebra na economia portuguesa é necessariamente significativa e toda a subida é obrigatoriamente ligeira.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O FMI E OS MIGUELVASCONCELISTAS


Nem o complexo mediático-financeiro que domina a agenda económica mundial, ao dar conta de pressões da Alemanha e da França sobre Portugal, para que recorramos ao FMI, nem ele, citou factos novos que, mesmo à luz da maneira unilateral como encara o mundo, dessem alguma base racional objectiva a essas pressões.

Não esconderam, assim, que essas notícias tinham mais a ver com alegados receios indefinidos e com interesses especulativos exteriores a Portugal, do que com qualquer procedimento errado que atribuíssem ao governo português. A Alemanha e a União Europeia já desmentiram, aliás, formalmente, a existência dessas pressões.

Mas, apesar de essas inqualificáveis notícias sobre pressões externas não terem, assumidamnente, nada que ver com qualquer eventual actuação menos feliz atribuída ao Governo português, quer Passos Coelho, quer Paulo Portas, se apressaram a responder-lhes da pior maneira. De facto, não só guardaram um vergonhoso e ronronante silêncio, próprio de mansos bichanos, em face das pressões noticiadas, mas também atacaram sôfrega e ferozmente o actual Governo, afirmando que, se viesse o FMI, ele não podia continuar.

Isto é, Portugal e o seu actual governo são vítimas de pressões e ameaças ilegítimas, lesivas do interesse e da soberania nacional, perpetradas por centros de poder estrangeiros. As oposições de direita apoiantes da Cavaco, em vez de levantarem a sua voz contra os poderes fácticos estrangeiros que nos agrediram, tiveram o despudor de se associarem a essa agressão. E associaram-se a ela na medida em que encararam o actual Governo, não como uma das vítimas, mas como o causador da alegada vinda do FMI que assim indirectamente branqueiam e legitimam. E, nessa medida, alegam que um Governo do PS não teria condições para continuar no Governo se essa ameaça se viesse a consumar.

É estranho que os mesmo agentes políticos que enchem a boca com a palavra Pátria e a cada momento ostentam uma enorme portugalidade, se comportem na prática, em momentos cruciais, de modo idêntico ao assumido por qualquer miguel de vasconcelos que existisse nos nossos dias.

É estranho e não deixa de ser vergonhoso.

sábado, 8 de janeiro de 2011

CAVACO - a sombra dos negócios


1. A campanha eleitoral para a Presidência da República foi incendiada pela questão do BPN, ou melhor pela reacção desastrada de Cavaco Silva a uma interpelação que lhe foi dirigida num debate televisivo. De facto, imprudentemente, achou que lhe cabia desferir um contra-ataque, descarregando as culpas, quanto aos prejuízos sofridos pelo erário público, sobre os gestores que foram encarregados de colmatar o buraco financeiro aberto pelos anteriores responsáveis pelo banco e omitindo qualquer reparo às vigarices que abriram esse buraco.

Foi um comportamento esquisito que fez naturalmente lembrar que Cavaco obtivera relevantes mais valias num negócio de acções de uma sociedade titular desse Banco.
Levantada a lebre, seria irrealista alguém imaginar que ela pudesse não ser corrida por completo.

2. Assim está a acontecer. Por detrás da primeira vaga de alaridos e de contra-alaridos, após alguns esclarecimentos tardios, arrancados a ferros, continuam por clarificar algumas questões decisivas.

Alguém aconselhou Cavaco a vender as acções num determinado momento? Se sim, porquê? Se não, por que razão resolveu vendê-las ? Vendeu apenas estas acções ou vendeu também outras que tinha noutros bancos ? Se sim, porquê?

Uma vez que o preço das acções foi determinado administrativamente, dado que as acções não estavam cotadas na Bolsa, não lhe passou pela cabeça que mais-valias assim, tão vultuosas em tão pouco tempo, podiam representar uma lesão dos interesses gerais da sociedade, se estivessem ao alcance de quaisquer accionistas ou um favorecimento pessoal, se elas fossem particularmente vultuosas apenas no seu caso ? Tendo sido noticiado que houve outras vendas de acções em que foram praticados preços semelhantes, àqueles de que beneficiou, continua sem se saber se na compra de acções Cavaco também pagou um preço semelhante ao que foi pago por outros accionistas na mesma época.

Mas, neste caso, é decisivo saber-se se os preços praticados foram espelho do valor económico real das acções ou um episódio que se traduziu num dano para a sociedade, provocado por um benefício injustificado assim outorgado a alguns accionistas. De facto, se o favorecimento pessoal é ética e politicamente reprovável, neste caso, ter-se-á que apurar também se, para além dele, o colectivo dos accionistas, ou uma parte dele, não infringiu a deontologia empresarial ou a lei, lesando os interesses da sociedade, em si própria.

É que está em causa, como facto já comprovado, um buraco de milhões e milhões de euros provocado pela gestão dos mesmos responsáveis que fixaram os preços das acções , o que acabou por se traduzir numa grave lesão do erário público.

O natural teria sido pois que Cavaco, no seu próprio interesse, tivesse respondido prontamente e com naturalidade a todas as questões levantadas. De facto, se tudo correu normalmente com ponderação equilibrada dos interesses da sociedade e de todo os accionistas, teria sido muito mais uma conveniência de Cavaco, do que uma exigência fosse de quem fosse, esclarecer tudo por completo logo que a questão foi levantada.

Poderá alguém alegar que Cavaco, imbuído de uma pureza quase angélica, estava tão longe de se imaginar sequer a cometer qualquer acção menos clara, que nem sequer admitia responder a quaisquer questões, mesmo para desfazer eventuais suspeitas, já que estas , por si sós, o indignavam. Ora, mesmo que em tese se pudesse aceitar que uma virtude tão funda se manifestasse legitimamente desse modo, o que não seria pacífico, neste caso, dadas as circunstâncias que o envolvem, nunca se poderia aceitar um tal silêncio por mais angélico e sincero que fosse.

Na verdade, tudo leva a crer que no caso do BPN estejamos, não só perante uma cadeia de actos fraudulentos, mas também perante um projecto construído de raiz com o objectivo central de agir sem respeito pela legalidade, em benefício de um grupo. Nesse projecto, tiveram funções liderantes figuras destacadas do que foi o cavaquismo, algumas das quais mantiveram depois relações políticas públicas com Cavaco. Todo esse processo, actualmente sob a alçada dos tribunais, se traduziu num enorme prejuízo para o erário público português, na sequência de comportamentos dos seus responsáveis que, tudo o indica, foram eticamente reprováveis e estão em vias de sofrer uma reprovação também jurídica. Esses comportamentos reprováveis, em larga medida, significaram vantagens especiais para alguns e prejuízos, pelo menos, para o erário público.

Ora, é um facto comprovado que Cavaco Silva fez transacções com a sociedade que detinha o poder sobre o BPN das quais retirou benefícios, cuja dimensão, em casos idênticos, não é comum. Basta isso, para ele ser ética e politicamente obrigado a explicar com clareza, descrevendo com detalhe e transparência tudo o que se passou, por que razão é que as vantagens dessas transacções, neste caso, apesar das aparências, não configuram afinal qualquer favoritismo relacionado com os vínculos políticos e pessoais que o uniam aos responsáveis pelo buraco financeiro do BPN, ou qualquer lesão para os interesses da sociedade a que correspondiam as acções. Se o fizer, tudo ficará esclarecido, tudo poderá voltar ao normal. Mas se o não fizer, por completo, deixará que se adense sobre si próprio uma nuvem de suspeição crescente que está longe de contribuir para a salubridade da democracia em que vivemos. Insalubridade esta que, obviamente, resulta da existência de ocorrências nebulosas ou censuráveis, e não do facto de se falar delas.

E não esqueçamos que Cavaco sempre se apresentou como um ascético moralista, distribuindo amiúde fortes lições de uma ética republicana que diz partilhar e sendo pródigo a distribuir pelos portugueses incentivos a favor do esforço, da frugalidade e do espírito de sacrifício, pelo que não pode eximir-se ao imperativo de deixar absolutamente claro e inequívoco que, do ponto de vista pessoal, tem autoridade moral e política para insistir em tão virtuosas exortações.

Crispar-se, trovejar insultos contra quem lhe sugira o óbvio, deixar os seus apaniguados ocupar o espaço mediático com ruídos atabalhoados e com alegações atontadas, só pode adensar o clima de dúvida que tem vindo a crescer.

3. Mas os seus apaniguados, na sofreguidão do imediatismo, não só muitas vezes o desajudam, com algumas vezes o enterram.

Uma ilustração da fragilidade desses apaniguados foi dada através do pseudo-caso levantado a propósito de um texto literário da autoria de Manuel Alegre utilizado num Semanário como elemento de promoção do BPP, cujos contornos já foram completamente esclarecidos. Não está em causa a má-fé de tentar meter num mesmo saco duas situações completamente distintas. Está em causa o tom de reprovação e censura com que pretenderam envolver esse pseudo-caso, encarando-o como se ele fosse uma projecção simétrica do que eles próprios pensam sobre o comportamento de Cavaco.

De facto, se pretendem compensar o envolvimento de Cavaco Silva num certo episódio com a alegação de um outro episódio envolvendo Manuel Alegre, sobre o qual fazem um juízo negativo, ainda que despropositado, isso significa que também avaliam negativamente esse comportamento do primeiro. Na verdade, se estivessem convencidos que aquilo sobre que Cavaco se cala não era susceptível de suscitar qualquer juízo negativo, não invocavam como seu contraponto um facto sobre o qual emitiram um juízo de valor também negativo.

4. Não há pois, neste caso, qualquer campanha negra conta ninguém, mas apenas uma necessidade de serem esclarecidos os contornos de um negócio em que participou um candidato a Presidente da República que, aliás, concorre a um segundo mandato.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA SOCIAL


Venho hoje informar-vos da abertura (até 24 de Janeiro de 2011) de um concurso para frequência de uma Pós-Graduação em “Economia Social – Cooperativismo, Mutualismo e Solidariedade”, promovida pelo Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social da FEUC (CECES/FEUC), do qual sou Coordenador. Conta com o patrocínio exclusivo do Montepio. Para além do texto que se segue, basta clicar no ícone que se encontra do vosso lado direito, para obterem mais informações.


1. Foi criado na Universidade de Coimbra, por intermédio da sua Faculdade de Economia, um curso que confere um Diploma de Pós-Graduação em “Economia Social – Cooperativismo, Mutualismo e Solidariedade”. No ano lectivo passado, teve lugar a sua primeira edição, este ano vai decorrer a segunda. Esta iniciativa é da responsabilidade do Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social da FEUC (CECES/FEUC), contando com o patrocínio exclusivo do Montepio.
O CECES/FEUC existe desde 1981, ocupando-se do cooperativismo desde a sua fundação, tendo mais tarde estendido o âmbito do seu interesse a toda a economia social. Conta com uma equipa multidisciplinar de professores e investigadores, oriundos de áreas diversas, tais como, a Economia, a Gestão, o Direito, a Sociologia e a Psicologia. Organizou já vários Cursos Livres e Colóquios com incidência na temática da referida Pós-Graduação.

2. O objectivo desta Pós-Graduação é o estudo da economia social nas suas várias vertentes, com destaque para as cooperativas, mutualidades e instituições particulares de solidariedade social, no seu todo. Mas a economia social não será apenas estudada, em si própria, mas olhada também no quadro de problemáticas, onde assume uma especial relevância.
Destina-se, fundamentalmente, a titulares de uma licenciatura, mas será possível a admissão de candidatos que, não preenchendo esse requisito, tenham uma experiência profissional muito relevante, em qualquer organização da economia social; para isso 20% das vagas serão prioritariamente destinadas a esse tipo de candidatos. Pela sua conclusão com aprovação, será atribuído um Diploma de Pós-Graduação em “Economia Social – cooperativismo, mutualismo e solidariedade”, pela Universidade de Coimbra.

3. A duração total da Pós-Graduação excede as 80 horas, distribuídas ao longo de um trimestre e correspondendo a 20 ECTS. Terá lugar no decorrer dos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2011, com aulas às sextas-feiras de tarde e aos sábados de manhã.
O curso compreende oito módulos temáticos, para além de seis conferências sobre temas de economia social, proferidas por especialistas, nacionais e estrangeiros e de um conjunto de testemunhos de experiências vividas, prestados por alguns protagonistas de organizações da economia social. São os seguintes os referidos módulos temáticos, pelos quais são responsáveis os professores da FEUC e membros do CECES abaixo indicados:
- Introdução à economia social – cooperativismo, mutualismo e solidariedade, Prof. Doutor Rui Namorado [8 h].
- Empreendedorismo social, políticas e mudança social, Dr.ª Sílvia Ferreira [8h].
- Fundamentos da gestão das organizações da economia social, Profª. Doutora Teresa Carla Oliveira [8 h]
- Empresas e sociedade: da ética à responsabilidade social, Prof. Doutor Filipe Almeida [8 h]
- Sistemas de normalização contabilística para entidades sem fins lucrativos, Profª. Doutora Ana Maria Rodrigues [8 h]
- Direito cooperativo e da economia social, Prof. Doutor Rui Namorado [8 h]
- Gestão da qualidade nas organizações da economia social, Prof.ª Doutora Patrícia Moura e Sá [8h]
- O desenvolvimento local como estratégia, Dr. Bernardo Campos [8 h]


4. Se, por razões de força maior, alguma das iniciativas previstas não se puder realizar, será substituída por outra de importância idêntica, à luz dos objectivos desta Pós-Graduação. Se for necessário proceder a modificações pontuais do calendário lectivo, nenhuma delas poderá implicar o prolongamento da parte de contacto presencial do curso, para além do dia 18 de Junho de 2011.

5.
Agradecemos a divulgação da existência desta Pós-Graduação, junto de possíveis interessados.
Ela tem como “numerus clausus” 25 vagas, as quais podem ser preenchidas até 20% por candidatos indicados por entidades com as quais se tenha estabelecido previamente um convénio nesse sentido.
As candidaturas serão feitas online, entre 6 de Dezembro de 2010 e 24 de Janeiro de 2011, no endereço:
https://inforestudante.uc.pt/nonio/security/candidaturas.do. Poderá encontrar instruções de candidatura na página Web da Pós-Graduação, em https://woc.uc.pt/feuc/course/infocurso.do?idcurso=409&studiesPlanMain=false
As propinas e emolumentos compreendem: 1) uma taxa de candidatura de 50 Euros; 2) propinas no montante de 300 Euros (que poderão ser pagas de uma só vez, até ao final de Março de 2011, ou por duas vezes, até ao final de Março e até ao final de Maio, em prestações de igual valor); 3) taxa de inscrição de 20 Euros (a pagar até ao final de Março). Os candidatos que forem admitidos serão avisados para formalizarem a matrícula até uma data a fixar.

sábado, 1 de janeiro de 2011

FELIZ ANO DE 2011


Especialmente para aqueles que ainda os não receberam, aqui vão os meus votos de um Ano Novo Feliz em 2011, expressos num desenho de Picasso e num poema que escrevi.


Os dias que hão-de vir são folhas brancas
onde podes escrever o teu destino.

E, quando os meses deste novo ano
forem olhados como um só caminho,
saberás se subiste ou semeaste
ou se apenas de ti, triste, fugiste.

As horas descerão desamparadas
pelas frias areias da memória.
Não deixes que se percam outonais,
sem vida, sem rumo, sem futuro.

Os dias que hão-de vir são movimento:
vivê-los, eis a única aventura.