domingo, 24 de julho de 2011

O TERRORISTA INCONVENIENTE

A chuva das declarações formais de solidariedade para com os noruegueses, a intensificação do discurso oficial contra o terrorismo, não conseguem esconder por completo uma subtil contenção, a sombra de uma levíssima complacência para com um criminoso branco, nórdico, louro, conservador e cristão, com fortes pinceladas de extrema-direita. Ou seja, um terrorista com características inconvenientes. Tão inconvenientes que o jargão mediático disponível para estas situações ficou um pouco estremunhado e tarda a encontrar o registo adequado.


Ontem, por exemplo, um esforçado especialista em assuntos nórdicos,daqueles que pululam na nossa velha Lisboa, forte de um primo que lhe vive na Suécia, espremia-se desesperadamente perante uma jornalista curiosa, para tentar compreender o porquê da acção terrorista. Dada a infeliz coincidência do jovem terrorista, já confesso, nem sequer ser muçulmano, ou simpatizante do IRA ou da ETa, ou solidário com os anarquistas com os altermundialistas ou com qualquer sensibilidade verde mais radical, não podia ser nele nem no seu posicionamento político que se devia procurar qualquer explicação. Muito menos nas organizações que o protagonizam esse posicionamento político. E, no entanto, num único golpe o terrorista loiro causou mais baixas do que a ETA causou em dezenas de anos da sua actividade, finalmente terminada.


Por isso, talvez a raiz do mal estivesse neste caso na vítima, na própria Noruega, nos abastados (conquanto viciosamente democráticos) noruegueses. E o homem o especialista na televisão, continuava a espremer-se. Espremia-se quase pedindo desculpa por não encontrar uma explicação que nos ajudasse a compreender por que estranha razão um pobre militante da extrema-direita fora impulsionado a assassinar quase um centena de noruegueses, a maior parte dos quais ainda por cima pertencentes à juventude do Partido Trabalhista Norueguês.


Hoje, na página do DN, levantava-se uma ponta do véu.:”A polícia deteve um norueguês de 32 anos, identificado como Anders Behring Breivik, que já confessou a autoria dos ataques, considerando que foram "cruéis", mas necessários”.


Por mim, fiquei sem dúvidas: ou muito trivialmente vemos no miserável crime um acto de brutalidade terrorista de um militante de extrema-direita, agindo sozinho ou como braço armado de uma organização dessa área; ou, se queremos ir para uma explicação mais funda, encaremos então o atentado como uma metáfora viva que simboliza o essencial da lógica dominante, na fase histórica que atravessamos. Na verdade, todos os dias os divulgadores de más notícias, há uns tempos a esta parte denodadamente sorridentes, nos comunicam que foram ou vão ser tomadas medidas cruéis mas necessárias.

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