segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Carta aberta ao presidente Lula




Uma carta para LULA de um juiz brasileiro.
Neste fim de ano, que antecede um tempo especialmente dramático para o Brasil, faz sentido enviar  uma mensagem tácita de solidariedade para com o Presidente Lula, transcrevendo da página virtual da revista brasileira CartaCapital uma carta pessoal do juiz brasileiro Luís Carlos Valois que é juiz de direito no Amazonas, mestre e doutor em direito penal e criminologia pela USP, pós-doutorando em criminologia em Hamburgo – Alemanha, membro da Associação de Juízes para Democracia e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. 
Sem deixar de ser um texto político, tem uma tonalidade pessoal que lhe transmite uma particular  humanidade , sublinhando especialmente quão bárbaro  é o que a direita brasileira, através das instituições que domina, está a fazer a LULA. Eis a carta:

Lula, meu caro, faz tempo que estou querendo te escrever. Esse pessoal do meio carcerário tem uma espécie de tara por proibir as coisas, então não sabia se minha carta ia chegar a ti, já que muita gente importante sequer conseguiu entrar para trocar umas palavras contigo, razão pela qual resolvi escrever por intermédio da internet mesmo, um dia tu vais ler.
Cara, eu sei que tu não és santo, nem eu sou, nem ninguém é, então todos nós temos um monte de culpa por aí, mas o crime que tu cometeste realmente ninguém sabe até agora qual foi. Bem, você sabe disso, você já disse que aceitaria a pena tranquilamente se te mostrassem provas de um crime, só estou repetindo porque a carta será publicada e porque quero ressaltar uma coisa.
Hoje em dia com tanta culpa por aí, já nem precisa de crime para se condenar uma pessoa, basta querer condenar alguém que todo mundo já acha esse alguém culpado. É como um juiz me falou certa vez, que ele não sabia porque estava condenando o cidadão, mas o cidadão sabia porque estava sendo condenado. É mais ou menos assim que estamos vivendo, e é cada um por si.
No teu caso, um recibo de pedágio, a tua visita a um apartamento, mais dois ou três presos dedos-duros loucos para ganhar a liberdade, e pronto, está formada a prova necessária para a tua condenação, mesmo que ninguém diga onde está o teu dinheiro, onde está o benefício que tu tiveste nisso tudo, ninguém diz. E ninguém quer saber.
Pode ser que digam que há mais coisas no teu processo, pode ser que haja, mas tenho certeza que se houvesse algo tão sério já teria sido divulgado aos quatro ventos, porque uma das coisas que mais se discute aqui fora é justamente a tua culpa, ou não culpa, e até agora só essa tua visita no apartamento que, obviamente, não é teu.
Xará (acabei de me tocar para o fato que temos o mesmo nome…rs…), a coisa tá difícil. Não quero entrar aqui na questão política, se fizeram tudo para te tirar da eleição, se têm ódio de ti porque és nordestino, um nordestino que teria chegado onde incomoda muita gente, e feito outros tantos nordestinos incomodarem mais gente por chegarem onde chegaram, não quero falar dessas questões políticas, quero conversar contigo sobre a tua situação atual.
Tenho trabalhado com presos a vida inteira e sei o quanto é difícil, principalmente em situação de isolamento, o encarceramento. Eu queria inclusive, com esta carta, te mandar uns livros, mas também não sei se chegariam até ti, são meios subversivos, acho que tu tens que ler algumas coisas subversivas, sabe? Tu tens que conhecer o sistema a fundo para entender a tua própria situação de encarcerado.
Um dia Nilo Batista disse que todo preso é um preso político. Pena que a maioria dos presos não sabe disso. O sistema, nele incluído o sistema penal, tem uma função primordial em fazer todos acreditarem, inclusive os próprios presos, que tudo funciona na mais perfeita ordem e, se tu estás preso, é porque devias estar preso.
Aliás, falando em Nilo Batista, e desviando do assunto novamente para a política, esse sim era um nome que tu devias ter nomeado para o Supremo. Poxa, tu não nomeaste nenhum penalista, e agora o que acontece, acontece que a maior parte dos integrantes do Supremo não sabe o que é uma prisão, dá para manter todo mundo preso sem um pingo de peso na consciência, convalidam mandado de busca e apreensão como se fosse um mandado de penhora, permitem condução coercitiva como se fosse uma intimação para depor em juizado, autorizam execução antecipada da pena como se ninguém corresse um grande risco de morrer, assassinado ou por doenças, atrás das grades.
Eu sei, eu sei, tu vais dizer que já percebeste isso, afinal estás preso e muitos dos que te mantiveram preso foram nomeados por ti. Eu também sofri na pele uma medida policial, uma busca e apreensão na minha casa autorizada à Polícia Federal por um magistrado nomeado por ti, mas até agora, pelo menos após a violência da busca, não tenho nada para dizer do juiz, apenas que ele não é da área penal, e ser da área penal é muito importante, porque o direito penal é como uma metralhadora, só serve para provocar dor e mortes. Não basta boa vontade para manusear uma metralhadora.
Qual a justificativa dessa medida contra mim? Alguns presos me elogiavam em interceptações telefônicas. O juiz não pode ser respeitado por preso, juiz deve ser odiado, essa é a imagem com a qual o poder judiciário tem buscado legitimidade frente a uma população sofrida por causa da criminalidade crescente, demonstrando-se rigoroso, mais um temido órgão de repressão. Mas depois eu volto a falar dos presos, dos outros presos.
Olha, esse fato acima parece irrelevante, mas é a prova de que eu podia muito bem achar bem feito o que aconteceu contigo, querer te ver preso, mas não, não quero. Seja pela tua idade, seja pelo que você representou para o Brasil, seja porque prisão não resolve nada, seja porque ainda não vi efetivamente o que tu usufruíste do crime, que também não sei qual é, que te imputam.
O mais interessante é que, e isso deve te deixar louco, tem um monte de gente pega com malas de dinheiro, helicóptero com cocaína, motorista milionário, ou seja, gente com dinheiro de verdade na conta, coisa mais fácil de provar, dinheiro na conta, mas estão todos soltos.
E, pior, nessas horas eles alegam o princípio da presunção de inocência, o devido processo legal, a ampla defesa, essas garantias jurídicas facilmente manuseáveis, principalmente em uma sociedade de memória fraca.
Sabe o que é, Lula, o sistema capitalista é feito de dinheiro, status, aparência e malícia, muita malícia, mas acima de tudo o sistema é feito de instituições, todas funcionando sob a mesma base, a que privilegia o acúmulo de capital, a que privilegia o mercado financeiro, em detrimento dos pobres.
Lá estou eu falando de política novamente. Nesse assunto, do mercado financeiro, nem quero tocar mesmo, porque seria a única coisa que estragaria esta carta, pois poderia falar coisas mais pesadas, a ponto de te deixar chateado comigo. Fostes muito bom para os bancos, para o mercado financeiro. Bem, deixa pra lá, pode ser que tu não tenhas tido outra saída, pois, afinal, ninguém ajudou mais os pobres do que você.
O fato é que tu és, além de tudo, um cara simpático. Não sei se vou te conhecer pessoalmente um dia, mas se isso acontecer, tenho muito mais coisa para te falar do que permite uma carta, “privada” (na condição em que tu estás nada é privado, e esse é um agravamento da pena, os presos perdem além da liberdade, a privacidade) ou principalmente pública, como essa que escrevo gora.
O que é importante é ter força, cara, as coisas mudam muito rapidamente nesse mundo. Nunca abaixe a cabeça, porque a esperança combina com cabeças erguidas, e há milhares de pessoas que ainda acreditam em ti, estão te esperando aqui fora, e isso deve ser capaz de te dar uma força tremenda.
Já recebi, na vida, milhares de cartas de presos, e em resposta a quase todas eu vou até o presídio e falo pessoalmente com o preso, mas essa é a primeira vez que escrevo a um preso. E não podia encerrar sem te dizer isso, Lula, mesmo que você tivesse cometido o crime mais bárbaro do mundo, todos os presos são seres humanos, todos os presos têm, acima de tudo, direito, se não porque são seres humanos, porque esse direito está na lei e na Constituição, de serem tratados com dignidade.
Espero que saias daí logo, possas voltar a conviver com os teus familiares, teus netos, mas não esqueças nunca essa situação de encarceramento, percebas o que muitas pessoas passam e passam em condições muito mais severas, em celas imundas, lotadas, com ratos e baratas, do que essas que tu estás vivendo.
Falo isso porque tu és, ainda és, um porta-voz do povo, de boa parte do povo, brasileiro, e grande parte desse povo está atrás das grades.
No mais, quero te desejar sorte, muita sorte. Que as pessoas que te odeiam, que também não são poucas, percebam a covardia que é espezinhar de uma pessoa presa, porque, acredite, Lula, não há limites para o ódio à pessoa encarcerada. Sorte, meu caro, não só tu como todos os brasileiros vão precisar neste novo ano de sorte. Não sou um cara religioso, posso até me considerar um ateu, embora essa conceituação não seja lá de muita importância para mim, mas te desejo muita sorte e, ainda com pouca fé, que tu fiques com Deus.
Grande abraço,
Luís Carlos Valois 


sábado, 29 de dezembro de 2018

A RTP e uma pixordice bolsonariana


1. Todos os cidadãos portugueses estão obrigados a obedecer ao que está disposto na Constituição em vigor. Por maioria de razão, as entidades públicas portuguesas não podem deixar de se comportar de harmonia com a Constituição, estando-lhes evidentemente vedado tomar posições públicas que ostensivamente a contrariem. Este imperativo de obediência à Constituição é especialmente relevante no caso dos meios de comunicação social públicos.

O art.º 46 no nº 4 da Constituição diz expressamente que “não são consentidas organizações (…) que perfilhem a ideologia fascista”. Não há pois qualquer dúvida quanto à ilegitimidade de ser feita propaganda ideologicamente fascista nos meios de comunicação social públicos em Portugal.

2.Ontem, 28 de dezembro, no telejornal da RTP 1 foi anunciado com especial destaque que a respetiva redação tinha escolhido como personalidade internacional do ano de 2018 Jair Bolsonaro. Para sublinhar bem o significado da escolha foram amplamente mencionadas algumas das suas posições indubitavelmente próprias de uma ideologia fascista.

3. Ficámos assim a saber que, completamente ao invés do povo português, a ideologia fascista é maioritariamente bem aceite no seio da redação da RTP 1.

Por um lado, isso ajuda a compreender o modo como as questões políticas aí, muitas vezes, são tratadas.

Por outro lado, é escandaloso que uma emissora de televisão pública publicite ostensivamente uma preferência da sua redação por uma figura internacional claramente identificada com posições ideológicas fascistas; o que traduz uma transgressão grosseira da Constituição em vigor.

Que os redatores da RTP sejam pessoalmente admiradores de Bolsonaro é algo que é da esfera da sua consciência, não deixando de nos mostrar que espécie de gente nos entra todos os dias pela casa dentro, paga pelo erário público.

Que usem o potencial de propaganda do meio de comunicação social onde trabalham para prestigiarem uma ideologia que a nossa Constituição deslegitima é absolutamente intolerável.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Homenagem a Romero Magalhães




Homenagem a Romero Magalhães

Nunca se está preparado para que os amigos nos deixem. Mas há casos em que o inesperado da partida se sublinha a si próprio, quando chega bruscamente. Foi o que aconteceu com Romero Magalhães. Estando eu longe de Coimbra, foi-me impossível participar na cerimónia de despedida. Mas longe não deixei de  percorrer a sua memória. Não me limitei a percorrer o vazio de não voltarmos a falar. Acompanhei-o com saudade, recordando o seu percurso cívico, universitário, cultural e político. Um percurso que fez integrado na aventura coletiva que em Portugal vivemos nas últimas décadas.

Agia e trabalhava sem se deixar aprisionar pelo fugaz brilho das ribaltas efémeras. Movia-o apenas a sua subjetividade mais profunda, as suas convicções firmes e perenes, a sua curiosidade intelectual e a sua ética republicana. Não dava lições a ninguém, talvez sabendo que a única verdadeira lição que pode ser dada é a que possa ser lida no modo como cada um viver. A dar essa lição não se furtou.

Foi estudante de Coimbra nos mágicos anos sessenta do século passado, onde começou a viver cultura, aprendendo com Paulo Quintela no TEUC, do qual viria ser Presidente. Foi o primeiro Presidente da Direção-Geral da AAC, eleito após a crise de 1962. Após a Revolução de Abril, viria a ser deputado à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista e Secretário de Estado da Orientação Pedagógica dos governos presididos por Mário Soares (1976-1978). Foi Presidente da Assembleia Municipal de Coimbra durante vários mandatos.

Licenciou-se em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo ingressado como docente na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde se doutorou, obteve a agregação e foi Professor Catedrático até se jubilar. Aí desempenhou reiteradamente funções dirigentes. Foi Comissário-Geral da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1999-2002) e Membro da Comissão Consultiva das Comemorações do Centenário da República (2009-2011).

A sua obra como historiador é vasta, importante e reconhecida, o que foi justamente sublinhado, já no decurso do corrente mês de Dezembro, pela Universidade do Algarve ao atribuir-lhe um doutoramento honoris causa.

É tempo de saudade, mas é também tempo de memória. Uma memória limpa , sem floreados para ser digna da sua lembrança, mas fazendo-nos recordar sempre como de Romero Magalhães não seria nunca de esperar  a hipocrisia da amabilidade fácil, nem a deslealdade mesmo subtil.


segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Sempre atento!

Num Hospital de Lisboa, quando deviam estar de serviço dois médicos anestesistas, apenas um pode funcionar durante dois dias. Mostrando a sua vocação vigilante o Presidente da República, a propósito da tão relevante falta de um médico durante dois dias, declarou pública e solenemente que estava atento.
Fiquei deslumbrado pela minúcia com que o Alto Magistrado vigia a coisa pública.

No Olimpo, os deuses trovejaram a sua aprovação por este dileto filho que não cessa de os surpreender. Zeus confessou  mesmo  que também ele  queria tirar uma selfie com Marcelo, quando voltasse a encontra-lo.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

No PORTO - suplício e paixão.


No PORTO, apresentação de um livro no dia 4 de dezembro (3ª feira) às 18 horas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Meio Século - O cortejo da Tomada da Bastilha de 1968



 O cortejo desfila na Rua Ferreira Borges. Neste momento, bandeira desfraldada, vai  a passar a  República dos Inkas.

Meio Século – uma leve respiração do tempo.
      -o cortejo da Tomada da Bastilha de 1968
Ouvi há poucos dias , num programa televisivo de referência que relembrava 1968, exaltar-se como transcendente uma discussão  estudantil  vivida em Lisboa  entre paredes e cobrir-se de silêncio o que então se passou nas ruas de Coimbra. Também por isso, vale a pena trazer à superfície um ligeiro perfume de verdade histórica. Confesso que fui também para tal acicatado por uma troca de mensagens entre o Zé Dias, o Matos Pereira e o Rui Pato acerca do cortejo da Tomada da Bastilha de 1968. Um episódio que viria a contribuir para o que aconteceu em Coimbra alguns meses depois.
Vou para isso, recorrer ao meu livro “Abril antes de Abril ─ A crise universitária de Coimbra de 1969” ─  limitando-me a citá-lo.
Na sua página 55, pode ler-se:
“No novo ano letivo (1968/69), prosseguindo a dinâmica potenciada em setembro, a CPE[ Comissão Pró-Eleições] manteve a atividade para que tinha sido escolhida. Nos momentos chave de todo esse processo o Secretariado do Conselho das Repúblicas (SCR), foi uma estrutura coadjuvante de grande importância. A CPE e o SCR sempre agiram concertadamente.
Em Outubro de 1968, foi-se tornando claro que o movimento pró-eleições na AAC ganhava força crescente, pelo que se sentia que as eleições académicas não tardariam. Quando isso foi patente, entendeu-se que era acertado (até como meio suplementar de pressão) dar as eleições como facto adquirido e desde logo lançar uma lista candidata à AAC. E optou-se por fazê-la sair das mesmas estruturas que haviam criado a CPE, concebendo o processo do seu lançamento de modo a
aproveitar o prestígio desta Comissão, sem deixar de tornar evidente a novidade da lista.       
Na sequência da entrega do abaixo-assinado dos estudantes de Coimbra a exigirem eleições na AAC ao Ministro da Educação (Hermano Saraiva) numa visita que ele fez a Coimbra, a CPE foi oficialmente recebida por ele no Ministério da Educação, em Lisboa.
Em 25/11/68, dia da Tomada da Bastilha, a CPE anunciou que o Reitor da Universidade lhe havia comunicado a próxima realização de eleições, embora em termos não totalmente coincidentes com os reivindicados por ela. Em 27/11/68, a CA anunciou que as eleições se realizariam em princípios de Fevereiro. Entretanto, a lista do CR fora publicamente divulgada em 23/11/68.”
Mais adiante pode ler-se na página 77:
“O cortejo tradicional da Tomada da Bastilha foi uma impressionante marcha de protesto contra a CA na AAC, tal como nós tínhamos progra­mado, e não a manifestação política que os dirigentes de Lisboa tinham sonhado vir fazer a Coimbra. Isso mesmo foi assegurado pelo próprio Conselho das Repúblicas que organizou o desfile”. E em nota de rodapé acrescenta-se :Vale a pena recordar um episódio relevante no processo de preparação do Cortejo. Para isso, veja-se o Anexo nº 14  (pag.  175 )”.
Na primeira parte anexo 14, explicava-se o que é a Tomada da bastilha na Academia de Coimbra : O ponto alto das comemorações era o cortejo das repúblicas a que se associava toda a Academia e que descia atá à Baixa por onde passava, para voltar para Praça da República. Foi o que aconteceu também em 1968”. 
Na segunda parte, narrava-se o episódio em causa: “Ciente, a partir dessa manhã, dos problemas criados em torno do Cortejo da Tomada da Bastilha, pelos colegas de Lisboa, e aproveitando o facto de estarem presentes todas as repúblicas, no Sarau Cultural integrado nas comemorações, realizado essa tarde no Teatro Avenida, o Secretariado do Conselho das Repúblicas convocou de urgência uma reunião do Conselho.
A reunião decorreu nos bastidores do Teatro Avenida com todos os seus participantes de pé. E aí foi decidido que, sendo o cortejo das Repúblicas, elas se iriam responsabilizar por fazer com que ele decorresse de acordo com a orientação preconizada pelos dirigentes do movimento estudantil de Coimbra. E assim, o cortejo seria dividido em 22 segmentos claramente demarcados (um por república), cada um dos quais seria colocado sob a responsabilidade exclusiva de uma das repúblicas, a qual seria, portanto, responsável por tudo o que decorresse dentro dele.
Todos os estudantes que quisessem participar no cortejo iriam distribuídos por esses 22 segmentos, não havendo portanto cortejo fora deles. O cortejo seria silencioso até que em locais predeterminados se gritassem apenas duas palavras de ordem: “ Fora a CA!” (leia-se Comissão Administrativa da AAC) e “ Eleições Já!” (eleições na AAC, claro).
 O cortejo seguiu o percurso tradicional, tendo atravessado a baixa da cidade mais de três mil estudantes, que nos momentos adequados gritaram as palavras de ordem combinadas. O efeito foi enorme, transmitindo uma imagem de coesão e força de grande impacto.
A propalada tentativa de fazerem do cortejo uma manifestação ostensivamente política, mesmo ao arrepio da vontade dos organizadores do cortejo, que se dizia estar na mente dos colegas de Lisboa, foi assim reduzida a nada. Soube-se que foram esboçadas algumas tentativas, nesse sentido, pronta e implacavelmente anuladas pelos “repúblicos” responsáveis pelo espaço em que surgiram. O cortejo foi assim uma manifestação imponente de apoio aos objetivos imediatos da luta dos estudantes em Coimbra e como se sabe as eleições realizaram-se pouco depois com os resultados conhecidos”.
Evoco o que aconteceu homenageando fraternalmente todos aqueles que atravessaram o tempo naquela noite fria de novembro há cinquenta anos.


domingo, 25 de novembro de 2018

Não deixemos que a memória se apague!


Vamos contribuir para que a memória não se apague, recebendo condignamente em Coimbra Helena Pato, no próximo dia 28 de novembro, 4ª feira, às 18 horas. Vai ser-nos apresentado um livro seu, através do qual nos vai ser dado testemunho de como as vidas verticais não deixaram fechar as portas da esperança, quando a noite cercava o nosso povo.

                                             Clique sobre a gravura para a ampliar.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Apresentação de um livro em COIMBRA


Relembrando um próximo evento.


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Suplício e Paixão do Socialismo

Vou publicar um livro sobre o socialismo. Vai ser apresentado em COIMBRA no próximo dia 22 de Novembro , ( quinta-feira), na Casa da Cultura, às 18 horas.Estão convidados . Serão bem-vindos.



                                                       Clicar sobre a imagem para aumentar.

sábado, 10 de novembro de 2018

PENSAR A ECONOMIA SOCIAL

Chamo a atenção a quem se interesse pela economia social ou por qualquer das suas vertentes (cooperativa, mutualistas,solidária, comunitária ou autogestionária), para esta iniciativa do Partido Socialista que vai decorrer em Coimbra no próximo dia 17 de Novembro.


 

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

domingo, 30 de setembro de 2018

TANCOS ─ PERGUNTAS AUSENTES.



Todos nos recordamos da eclosão do estranho caso das armas desaparecidas em Tancos. Passado algum tempo, miraculosamente , as armas reapareceram. Todos os perguntadores mediáticos exerceram exuberantemente o seu ofício. Há poucos dias explodiu no espaço público um início de solução do mistério que banalizou  as mais ousadas imaginações quanto ao evento. Uma das polícias envolvidas ( a não militar) prendeu gente de outras duas (militares) , dentro de um pacote em que um civil aparecia como exceção. Um civil que afinal era, ao que parece, o alegado ladrão.
O espaço mediático foi sulcado por  uma profusão de especialistas de segurança, de generais na reserva, de discretos polícias, de argutos juristas , de irrequietos jornalistas e dos habituais bonzos de ideias gerais, que emaranharam diligentemente os fios da meada, de modo a tornarem o caso completamente indecifrável. Provavelmente, a realidade , teimosa como é, seguirá o seu caminho e acabará por se vir a mostrar aos nosso olhos, quando a confusão instalada se cansar como nuvem que  passe.
Num programa de promoção de um semanário de referência, ouvi um general na reserva, que desempenhou, quando ativo, cargos importantes na hierarquia militar, dizer que este estranho caso começou meses antes do roubo com um aviso anónimo feito ao Ministério Público de que estava a ser preparado um roubo de armas em larga escala. Indicou mesmo que esse aviso dera origem a um processo.
Gostaria de saber, ou como costumam dizer os mediáticos mais habilidosos: os portuguese gostariam de saber, se o MP informou o Ministro da Defesa, ou o Estado-Maior das Forças Armadas, ou o Exército, ou a Polícia Judiciária, ou a Ministra da Justiça, ou o Presidente da República. Alguém.
Se sim; o que fizeram os informados com a informação? Se não, porque razão o não fez? E já agora porque razão os perguntadores de serviço não fazem, não insistem nestas perguntas?
É que mais importante do que avaliar a segurança dos arames de proteção e a regularidade das vigilâncias  será certamente saber-se qual a razão pela qual, tendo havido alerta de roubo,  não foi feito nada para o evitar.

sábado, 29 de setembro de 2018

CAPRICHO ITALIANO?


1. Em meados do corrente mês de setembro, foi divulgada em Itália uma sondagem das intenções de voto dos italianos. Os dois partidos (Movimento Cinco Estrelas e Liga) que estão na base do governo atual, e que em março passado tinham obtido 50,1% dos votos, obtiveram 59,6% das intenções de voto. A Liga (extrema-direita) que tivera 17,4% dos votos tinha agora 30,2% das intenções de voto, enquanto o Mov.5 Estrelas (centro populista) passou de 30,2% dos votos para 29,4% das intenções de voto. Ou seja, a extrema-direita, hoje minoritária no Governo, passaria a força dominante, se estas intenções de voto se confirmassem, escassos meses depois de ser governo.


A Liga concorreu às eleições de março, integrada numa coligação de direita que abrangeu também a Força Itália (de Berlusconi) [14% dos votos] e os Irmãos de Itália (extrema-direita clássica) [4,4%]. Nesta sondagem, a primeira tem 8,7% das intenções de voto e os segundos, 2,7%. Ou seja, a Coligação de direita, que teve em março 35,8% dos votos, passaria a ter 41,6% das intenções de voto. Mas a Liga, em vez de ser um partido ligeiramente mais forte do que o segundo (antes dominante), passaria a ser a força largamente dominante. E embora a Coligação de direita se tenha dividido quanto a este governo, estando uma parte dentro e outra parte fora dele, já foi anunciado que se manteria em próximas eleições.
 
Nas eleições de março passado, o Partido Democrático (PD) [que faz parte do  Partido Socialista Europeu], força dominante do governo anterior, foi o grande derrotado, tendo-se ficado pelos 18,7%. Na sondagem mais recente, que tem vindo a ser comentada , a sua posição quanto a intenções de voto é ainda mais modesta : 17,3%. Dois outros partidos de esquerda, em parte resultantes de cisões do PD, LeU ( Liberi e Uguali) e PP ( Potere al Popolo), tiveram nas eleições de março, respetivamente :3,4% e 1,1%. Na sondagem recente, em intenções de voto, o primeiro teve 2,9% e o segundo 2,2%. Ou seja, a Esquerda que, no seu todo, somou em março uns desastrosos 23,2 %, conseguiu nessa sondagem a proeza de descer ainda mais, chegando aos 22,4%. Mas encarado isoladamente o PD, em vez de recuperar, desceu 1,4%. Mostrou assim a sua impotência para consubstanciar um sobressalto democrática contra  o controverso governo italiano atual  de Conte/ Di Maio/ Salvini.


Panorama insalubre, bem ilustrado pelo protagonismo de Salvini na cena política europeia,como uma das mais ostensivas alavancas do reerguer da extrema-direita. Panorama enegrecido pela divulgação, em conjunto com a sondagem referida, de um gráfico comparativo da avaliação do desempenho do atual governo e dos governos anteriores, liderados pelo PD e encabeçados primeiro  por Renzi e depois por Gentiloni.

Do primeiro são considerados os meses de abril a novembro de 2016, no âmbito dos quais atingiu, quanto a uma valorização positiva, um máximo de 44% em outubro e um mínimo de 39% em abril. Do segundo, é considerado todo o tempo de duração do seu governo, tendo tido a avaliação mínima no seu início em dezembro de 2016, com 38%; e a máxima no seu último mês em fevereiro de 2018, com 45%.O atual governo tem duas avaliações com duas valorizações positivas; uma  de 57% em junho e outra de 62%  em setembro. Fica assim claro o êxito do atual governo italiano em termos de popularidade, a inocuidade cúmplice da direita clássica e a desorientação gritante da esquerda, especialmente grave quanto ao PD. 
 
2. As próximas eleições para o Parlamento Europeu, que vão decorrer em meados de 2019,  perfilam-se no horizonte como auspiciosas para a extrema-direita e como sombrias para a esquerda. E tudo indica que sê-lo-ão tanto mais, para uns e outros, quanto menos a esquerda for capaz de mostrar um caminho novo para os europeus. Um caminho  que possa esvaziar a atmosfera de descontentamento e frustração sociais de que a extrema-direita se tem alimentado. Um caminho que se aproxime realmente dos povos e resista ao garrote do capital financeiro.
 
Na verdade, quer a extrema-direita, quer a direita clássica mais autoritária, vão continuar a explorar a imigração como nuvem de medos irracionais e vão apostar num soberanismo nacional que se apresente como resistência a uma burocracia europeia sem alma que suga os povos. E pouco importa que essa imagem seja de um simplismo primário que a afasta da verdade, se os poderes dominantes na União Europeia continuarem mergulhados na deriva neoliberal, insistindo no veneno de uma decadência injusta  como se estivessem a conduzir a Europa para um doce paraíso. Incapazes de enfrentarem realmente os problemas da União Europeia abrem a porta a todos os desesperos e encorajam todos os atalhos, mesmo aquilo que prometem sejam apenas noites mais negras.
 
Sem prejuízo de todas as esquerdas deverem ser tidas em conta, é na resposta que for dada pelos partidos que integram o Partido Socialistas Europeu que se joga o essencial destas eleições. Eles têm que tornar evidente que vão assumir a representação dos europeus a quem a atual desigualdade social mais penaliza, que estão decididos a percorrer esse caminho duravelmente. Sem ambiguidades ou tergiversações; sem sofreguidões precipitadas mas com urgência. Ou seja, a qualidade da sua resposta  depende da medida em que se libertarem  do colete de forças ideológico- político que os tem constrangido.
 
Esta nova atitude tem que ser evidente. Não pelo facto de ser proclamada, mas como ressonância óbvia das opções programáticas , das medidas propostas e da posição assumida no xadrez político pelos socialistas. Só assim uma ampla parcela do povo de esquerda sentirá como seus os partidos integrados no PSE, apoiando-os.

Do mesmo modo, só assim se criarão condições para um acolhimento digno dos refugiados extra-europeus . Um acolhimento que desse modo será um aspeto de uma politica de promoção da igualdade e da dignidade de todos os cidadãos , sejam eles europeus sejam eles refugiados.
 
Na verdade, ter a ilusão que é possível, sem abrir espaço para a extrema-direita e para a direita xenófoba, receber condignamente os refugiados extra-europeus numa Europa que continua a escavar as suas desigualdades internas e a desrespeitar uma parte significativa dos seus povos é isso mesmo : uma ilusão. Não é esse o único pressuposto relevante para uma política europeia de imigração justa e humanamente saudável, mas é uma condição sine qua non.
 
Na verdade, o atual panorama político italiano pode ensinar-nos muito se o lermos com cuidado e sem preconceitos. Discursos redondos, circunlóquios ideológicos presos na rotina, subordinação à lógica do capital financeiro, longos textos de um europês burocrático, são elementos que podem gerar uma tempestade perfeita.

Hoje, mais do que nunca, a propósito do que está em jogo nas próximas eleições europeias, tem plena atualidade a conhecida frase de Bossuet: " Não há pior desregramento do espírito do que tomar como realidade aquilo que gostaríamos que ela fosse".


sexta-feira, 21 de setembro de 2018

TROVOADA SECA !


 
A escolha de uma nova protagonista, para desempenhar nos próximos seis anos a função de Procuradora Geral  da República, para além do que valha em si própria, como opção, (o que a qualidade do seu desempenho vai determinar) teve um significado político muito saudável.
Na verdade, a nuvem justicialista não conseguiu inquinar o processo de escolha da PGR. O desesperado ruído público da matilha mediática, que atingiu níveis de paroxismo quase ridículos, revelou, ao não produzir efeitos, que o seu peso real na relação de forças político-institucionais é equiparável a um modesto tigre de papel.
A aliança fandanga, entre os mais sôfregos politiqueiros da direita, os mais reacionários jornalistas e os mais pernósticos comentadores, pouco mais consegue do que fazer barulho. Aqueles dentes cortantes que nos mostram exuberantemente são afinal simples adereços de uma ferocidade furiosa, mas objetivamente mansa. A canzoada fandanga pode ladrar, mas não consegue morder.
Pergunta final : O que dirá sobre isto,nos seus diálogos de domingo, o percuciente Mendes?

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

No Brasil, a democracia desobedece aos golpistas



O texto que a seguir transcrevo da página virtual do jornal brasileiro de S. Paulo, conhecido por ESTADÃO, sublinha os sinais recentes de mutação na corrida eleitoral brasileira para a Presidência da República :
“A quarta pesquisa Ibope/Estado/TV Globo desde o início oficial da campanha eleitoral nas eleições 2018 revela que o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, subiu 11 pontos porcentuais em uma semana e se isolou na segunda colocação, com 19%, atrás de Jair Bolsonaro (PSL), que oscilou dois pontos porcentuais para cima e chegou a 28%.
A seguir aparece Ciro Gomes (PDT), que se manteve com os mesmos 11% da semana anterior. Geraldo Alckmin (PSDB) oscilou dois pontos para baixo, de 9% para 7%. E Marina Silva (Rede) caiu três pontos, de 9% para 6%. “
Os golpistas que tomaram o poder ao arrepio da vontade popular, abusando da lei, parecem encurralados. De facto, tornou-se provável que sejam obrigados a optar entre um candidato de extrema-direita, que causaram mas que receiam, e o candidato de esquerda que representa o poder democrático que derrubaram.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

EM COIMBRA -6ª feira, 21 de setembro


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sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Uma tragédia francesa - verniz de mudança numa cosmética conservadora



Uma tragédia francesa
- verniz de mudança numa cosmética conservadora

1. No gráfico acima reproduzido, podem ver-se os resultados de uma sondagem, recentemente realizada em França, que mostra a distribuição das intenções de voto quanto às próximas eleições europeias de 2019. A ausência de qualquer pressão indutora do chamado voto útil faz com que estas eleições sejam as que espelham mais fielmente a atual relação de forças no xadrez político francês.
O ribombar dos grandes títulos reduziu o complexo panorama, acima evidenciado, à notícia simplória de que os “macronianos” tinham meio ponto percentual de vantagem sobre os “lepenianos”, que os “republicanos em marcha” marchavam ligeiramente à frente da ex-Frente Nacional, agora envolta na nomenclatura mais adocicada de “Rassemblement National”.
 
2. O que deveria saltar aos olhos é a estrutural ademocraticidade do sistema político francês. Um sistema  que permite a obtenção de uma maioria esmagadora na Assembleia Nacional a um bloco político que se pode ver  redimensionado até valer apenas 21,5 % dos eleitores. É um bloco político em que predomina largamente o partido do Presidente da República [La République en marche- LREM], mas do qual faz também parte o Modem de François Bayrou.
À sua esquerda, a fragmentação dos protagonistas reduz muito a relevância politica de 28,5% do eleitorado. Se olharmos para as diversas parcelas, verificamos que os « insubmissos » de Mélenchon valem 12,5%, sem os comunistas do  PCF que se ficam por 1,5%. A extrema-esquerda do NPA limita-se a 1%. Os socialistas (PSF) continuam em coma, com 4,5 % das intenções de voto, quase tendo sido alcançados pela dissidência liderada por Hamon a qual  chega aos 4%. Os Verdes não vão além de uns modestos 5%.
 Na direita clássica os alegados herdeiros do « gaullismo »[Les Républicains –LR] chegam a 14%, enquanto os seus aliados habituais da UDI se limtam a 3%. Ao todo, magros 17% que a colocam claramente abaixo da nebulosa de extrema-direita, na qual  avultam os «lepenianos».
De facto, « Debout la France », que apoiou a Srª Le Pen na 2ªvolta das eleições anteriores, atinge os 6%. A ex-FN, como se viu, chega a 21 % e um dissidente seu, com os « Les Patriotes », tem 1,5 %. Numa zona próxima, situam-se dois outros pequenos partidos, cada um dos quais com 1 %. Incluí-los ou não no bloco da extrema-direita faz com que ele ultrapasse ou não os 30%.
 
3. Um rápido olhar para este panorama evidencia que o macronismo não se mostra capaz de conter e de fazer encolher a extrema –direita. Mas mostrou-se eficaz no drástico enfraquecimento da esquerda.
Em aberto está o futuro das suas relações com a direita clássica. Agravará a sua anemia política? Absorvê-la-á ? Fará uma parceria explícita com o que resta dela ? Boas perguntas.
O jovem Macron, impulsionado por uma vitória que o sistem francês potenciou, tem procurado  tingir os seus desígnios com a cor da novidade, tentando exportar para a União Europeia uma imagem arejada.
Mas tem-se movido no quadro de uma estreita obediência ao essencial dos cânones instituídos e de uma mansa aceitação da hegemonia do capital financeiro. Por isso,  é de recear que o gráfico acima reproduzido represente o prenúncio  de uma tragédia francesa. Uma tragédia gerada pela óbvia  inocuidade de qualquer verniz de mudança que se aplique no quadro de uma cosmética conservadora.

domingo, 9 de setembro de 2018

O PRESTÍGIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - uma fantasia interessada




O PRESTÍGIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
         - uma fantasia interessada

1. Está em curso uma campanha promovida pela direita justicialista para pressionar o Governo , constrangendo-o a propor a recondução da atual Procuradora- Geral da República (PGR) ao Presidente da República, a quem cabe nomeá-la sob proposta do Governo, para  um eventual segundo mandato.

Nunca, na vigência do atual quadro legal, ocorreu qualquer recondução. Há uns tempos atrás, a própria Procuradora exprimiu publicamente a posição de que entendia que o seu mandato era único. O mesmo aconteceu com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

A mudança de regime jurídico que gerou o atual teve como objetivo central acabar com a admissibilidade da repetição ilimitada do mandato do PGR que,  até então, apenas dependia da vontade política de quem intervinha na sua nomeação. O mandato único prolongado parece ter sido a opção que foi seguida. Mas essa opção não ficou consagrada expressamente.

O argumento principal mais correntemente aduzido para a recondução da atual PGR é o de que o seu mandato foi um êxito que prestigiou o Ministério Público e a ordem jurídica portuguesa. Esta ideia de um mandato excelente proclamada por jornalistas, políticos e comentadores, é ancorada na afirmação recorrente do apreço que por ela têm os portugueses.

Poucas  vozes audíveis ousam erguer-se no espaço público para questionar esse novo dogma. E, no entanto, esse dogma exprime uma falsidade. Uma falsidade desesperadamente ocultada  pela nuvem mediática conservadora, que tanto se tem esforçado por enublar a verdade.

Aliás, bastaria o modesto esforço de ler o Expresso, certamente isento da suspeita de malvadez contra os arcanjos da coisa pública, para verificar que afinal os portugueses não vivem entusiasmados quanto à qualidade  do mandato de Joana Marques Vidal.

De facto, na hierarquia do prestígio e apreço públicos, os magistrados do Ministério Público batem ingloriamente os juízes na conquista do último lugar. É isso que nos mostra um estudo de opinião publicado em julho passado no Expresso. Consideram positiva a atuação do Ministério Público 15,3 % dos inquiridos, enquanto 34,7 % a acham negativa, o que significa um saldo negativo de 19,4%; 30,6% não a acham boa nem má. Nesta sondagem, nenhum outro órgão público tem saldo negativo, tendo alguns um forte saldo positivo. E, se olharmos para estudos idênticos publicados no último ano, podemos ver que os números obtidos não se afastam muito dos acima referidos.

Portanto, os comentadores, os jornalistas e os políticos que formulam opiniões com base na ideia de que o mandato da atual PGR projeta  uma imagem pública positiva,  estão enganados ou querem enganar-nos, confiando na nossa distração.

2. É óbvio que não depende da popularidade do possível  nomeado a legitimidade da escolha de um PGR por quem tenha competência legal para o fazer. Mas muito menos se pode, com decência, procurar condicionar uma escolha com alegações falsas. Menos ainda quando a falsidade dessas alegações é evidente e facilmente verificável.

A mesma nuvem mediática dá uma cor de excelência a tudo o que o MP fez acontecer nos últimos anos e esquece qualquer notícia de algo que tenha corrido mal. Mas basta que nos concentremos nas violações do segredo de justiça para se tornar notória uma deficiência grave no modo como tem funcionado o MP ao longo do mandato da atual PGR.

E não se está a falar de uma falha funcional esporádica e não premeditada. Está-se a falar de comportamentos reiterados que indiciam um padrão de promiscuidade entre uma parte da comunicação social e alguns protagonistas judiciais, entre os quais surgem muitas vezes como mais prováveis alguns magistrados do MP.

Embora pela sua natureza esta promiscuidade só seja mediaticamente apetecível quanto a alvos de elevada notoriedade pública ou de grande peso institucional, está na disponibilidade dos protagonistas do aparelho judicial a decisão de a praticar. Mas quem a praticar infringe a legalidade.

Em regra, as fugas de informação em fases iniciais dos processos são favoráveis aos desígnios de quem pretende acusar e mancham, muitas vezes indelevelmente, e desde logo, a reputação dos potenciais ou reais arguidos. As versões dos acusadores públicos são difundidas pela comunicação social como verdade substancial, instituída e final. E assim,  por vezes  durante anos, vão decorrendo em lume branco verdadeiros linchamentos mediáticos, apesar de se estar longe de qualquer julgamento final definitivo que condene ou absolva. 

Desse modo, está a aplicar-se desde logo uma pena pública de enxovalho ético, sem que o visado se possa defender com armas iguais. Um enxovalho consubstanciado em imputações mediático-políticas, cuja força depende, quase exclusivamente, de serem apresentadas como oriundas do aparelho judicial. Para muitos dos visados é mais penalizadora a exposição prolongada a campanhas de descredibilização ética e de forte reprovação social do que um cumprimento de pena.

Ou seja, em alguns casos um processo de investigação desdobra-se à partida em dois processos distintos: um processo judicial normal em regra prolongado com um respeito aceitável pelo contraditório, e um linchamento mediático, em regra feito a partir de uma enorme desproporção e forças, entre quem é linchado simbolicamente e quem lincha. Esta segunda vertente do processo é ilegal e é vergonhosa.

Embora, em regra, nos casos mais mediáticos, as fugas de informação convenham às acusações, não se tem provado que elas partam em exclusivo ou sequer principalmente do MP. É lógico que o sejam, mas não se têm  provado. Em contrapartida ,não há dúvida que, se os protagonistas do MP envolvidos nesses processo tivessem uma vontade firme de se oporem a essas fugas , seria muito difícil, ou até impossível, elas ocorrerem com a extensão com que se conhece.

Esta promiscuidade dificilmente será imune a estratégias de aproveitamento, nomeadamente de aproveitamento político, para se atingirem por via judicial o que se não consegue atingir pela via política, legítima e democraticamente. Não quer dizer que o seja necessariamente, mas não há nenhum obstáculo estrutural que o impeça.
Daí resultará, naturalmente, que o pluralismo ideológico e político da sociedade portuguesa conduza à aprovação ou ao consentimento de uns e à reprovação de outros.  Mas, uns e outros, no seu íntimo, ficarão mais céticos quanto à imparcialidade da máquina judicial. Pode ser que no momento em que enfrentem uma imparcialidade que lhes agrade se disponham a aplaudir, mas sabem que se mudar o vento ela  pode virar-se contra eles.

Como se vê, a promiscuidade acima mencionada não é uma sequela menor da questão do segredo de justiça, encarando-se esta como um problema técnico-jurídico sem verdadeira relevância. Ao contrário, é uma grave insalubridade estrutural do sistema judiciário que lesa gravemente a qualidade do trabalho judicial e desprotege os cidadãos num ponto nevrálgico da sua vida e dos seus direitos.

Desta maneira, ainda que tudo o resto fosse excelente, não se percebe como, perante esta falha tão grave, alguém possa apelar para que, quem não se mostrou capaz de a colmatar, continue a liderar o MP. Não se trata de alegar uma falha que justificasse uma demissão, trata-se de constatar uma impotência que, a prolongar-se, não será certamente benéfica para o sistema jurídico e para a democracia. Admitir sequer a recondução é por isso discutível, mas invocar o histórico do mandato como impulso para essa renovação é verdadeiramente caricato.

As sondagens que acima mencionei mostram que os  portugueses estão cientes dessas limitações, ao contrário da nuvem mediática insalubre e dos arautos justicialistas da direita mais sôfrega, a qual  tem oscilado neste campo  entre a desfaçatez e a pura desonestidade intelectual e política.

Há uma decisão a tomar, quanto a quem vai desempenhar as funções de PGR nos próximos seis anos, que cabe conjugadamente a dois órgãos de soberania por força da lei, o que torna impossível a qualquer deles nesta matéria ignorar o outro. Desse modo, para nenhum deles seria inteligente tentar forçar uma solução que não fosse justificável e objetivamente defensável. Ao  Presidente da República cabe a palavra final, ao Governo cabe fazer a proposta, devendo cada  um deles, naturalmente, exercer livremente os poderes de que dispõe.

Para concluir, não posso deixar de registar que a direita mais justicialista e a nuvem mediática insalubre se acham no direito de dizer a António Costa o que ele deve fazer, impedindo-se no entanto de ronronar a mais leve sugestão quanto ao que deve fazer neste caso Marcelo Rebelo de Sousa.