domingo, 31 de outubro de 2010

CONTRACAPA DA VÉRTICE - 48


Vértice - nº 315 - 316 - Abril -Maio de 1970


" O produto do trabalho é hoje distribuído na razão inversa do trabalho: a maior parte cabe àqueles que nunca trabalham."


JOHN STUART MILL

sábado, 30 de outubro de 2010

EMBUSTE DE CANDIDATO ?


Ontem assistimos a uma dramática tentativa presidencial de disfarçar um enorme flop político com um embuste, nem sabemos se ingénuo, se desesperado.

De facto, o Presidente da República, sentindo pulsar em si ímpetos de candidato, resolveu fazer um número com o Conselho de Estado, desde logo inquinado por ter suscitado uma estranha ambiguidade: estávamos perante uma sede de aconselhamento por parte de Cavaco que seria satisfeita por tão circunspecto órgão ou perante uma grosseira tentativa de pressão política, mesmo que de generosos objectivos?

Se estávamos perante um pedido de conselho, qual era ele? Se estávamos perante uma tentativa de pressão, em que preceito constitucional se outorga ao Conselho de Estado uma tal competência, uma tal legitimidade?

Mas tudo isto se esvaziou como um balão furado, quando, ainda em plena reunião do Conselho de Estado, foi difundido por uma estação televisiva que o Governo e o PSD tinham chegado a acordo para a viabilização do orçamento. E em vez de engolir civilizadamente o flop, congratulando-se com o êxito das conversações, o Presidente, certamente impelido pela sua costela de candidato já declarado, fingiu que ainda não havia qualquer acordo quanto ao orçamento e apelou num palavreado entaramelado para que governo e PSD chegassem a um acordo até quarta-feira, quando não podia ignorar que esse acordo já fora alcançado.

Enfim, uma reunião de legitimidade duvidosa transformada num flop político, que se tentou disfarçar através de um embuste, desesperadamente destinado a transformar numa grande vitória aquilo que afinal não passou de uma enorme escorregadela.

BRASIL - últimas sondagens


Será talvez a última ronda de sondagens quanto às intenções de voto nas eleições presidenciais brasileiras que vão de correr amanhã. As infografias que acima se reproduzem , foram retiradas do site do jornal "O Estado de S.Paulo".

Mostram uma evolução favorável a Dilma . A miserável campanha feita contra ela, pela grande imprensa e pelos grandes grupos de comunicação social, em conluio com a direita, com os sectores obscurantistas das igrejas e com o bloco partidário que apoia Serra, parece não ter dado os resultados almejados.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

AVISO SUBLINHADO


Foi difundida, hoje, uma nova sondagem da responsabilidade do CESOP da Universidade Católica.
Os resultados são muito próximos dos divulgados pela Marktest, que já hoje comentei neste blog, no texto anterior. Tal como fiz com os da Marktest, integrei os do CESOP num pequeno quadro comparativo, com resultados de sondagens anteriores, levadas a cabo pela mesma entidade.
Todavia, apesar de próximos, os referidos resultados não são iguais aos da Marktest. O PSD tem aqui menos 2 % e a CDU menos 0,3%; o PS tem mais 1%, o BE mais 2% e o CDS também mais 1% também. No seu todo, a direita ( PSD+ CDS) atinge os 47%; e as esquerdas (PS + BE + CDU) chegan aos 46%. Provavelmente, a direita chegaria à maioria parlamentar e poderia formar governo.
No quadro acima apresentado, vê-se que o PS tem vindo a seguir uma trajectória negativa, o mesmo com ocorrendo com o CDS , conquanto em grau menor. Pelo contrário, o PSD tem percorrido uma trajectória ascendente, o mesmo se passando com o BE. Embora oscilando, a CDU tem conhecido uma certa estabilidade.
Comparando as actuais intenções de voto com as apuradas em Junho passado, constata-se que a direita no seu todo passou dos 43% para os 47%, enquanto as esquerdas, no seu todo, desceram dos 50% para os 46%. Ou seja, embora com valores diferentes , estamos perante uma evolução do mesmo tipo da que foi indicada pelos resultados da Marktest. Também neste caso, o PS perde votos, na mesma percentagem para a oposição de direita ( 4%) e para a oposição de esquerda (4%). Simplesmente, neste caso, à esquerda, só o BE beneficia dessa perda, bem como, aliás, de mais 2% perdidos pela CDU.
A paisagem política é, portanto, semelhante à mostrada pela outra sondagem: a direita fica perto do regresso a uma maioria e as oposições de esquerda, embora alcancem os 20% em conjunto, continuam longe de poderem, por si sós, serem suficientemente fortes para servirem de base a um governo só delas.
A semelhança dos resultados das duas sondagens, bem como o padrão de evolução destacado nos quadros comparativos elaborados, torna mais provável que estejamos perante uma relação de forças com alguma estabilidade. Por isso, a urgência de um sobressalto estratégico, no seio do povo de esquerda e dos partidos que se consideram a si príprios de esquerda, aumenta.
Sublinhe-se que não está em causa a perda de identidade, seja de quem for, nem a cedência perante pressões alheias, mas apenas a procura de novas dinâmicas congregadoras e inovadoras, capazes de, com naturalidade, fundirem, num grande movimento social com pontencial institucional, todas as aspirações históricas do povo de esquerda. Deixar tudo entregue a previsíveis rotinas, numa deriva modorrenta, é uma temeridade , uma imprudência, cada vez maior.

AVISO DE TEMPESTADE


Pode ver-se acima um quadro comparativo das sondagens da Marktest difundidas nos últimos meses. Ele pode contribuir para que se fique com uma ideia mais clara do significado político da sondagem hoje divulgada, cujos trabalhos de campo foram feitos entre 19 e 24 de outubro.
Ela mostra um PSD com 42%, ou seja, com 17 % de vantagem sobre o PS no que diz respeito a inteções de voto. Um PSD que juntamente com o CDS poderia constituir uma folgada maioria parlamentar de direita, se as eleições tivessem sido no passado dia 24. O PS está abaixo do desastroso nível atingido nas eleições europeias de 2009, ao ficar-se pelos 25 % das inteções de voto. O BE é terceira força com 10%; a CDU e o CDS estão praticamente empatados com 8,3% e 8%, respectivamente.
Se forem comparados os resultados desta sondagem com os de uma anterior da mesma agência ( trabalhos de campo de 14 a 17 de Setembro ), verifica-se que o PS desceu quase 11%, tendo os partidos de direita subido em conjunto 5,3 % ( 4% vindos do PSD; 1,3% do CDS) e os outros partidos de esquerda também 5,3 % ( 3,5% vindos do BE e 1,8 % da CDU ).
A comparação destas quatro sondagens durante um período fértil em acontecimentos, com aguda conflitualidade política, crescente mal-estar social e dramática instabilidade económica mostra alguma flutuação no nível de desgaste eleitoral do PS, sendo certo que ela existe e apenas incerto o seu grau. Na sondagem mais antiga e na mais recente, a direita teria maioria parlamentar, chegando o PSD, por si só, à maioria absoluta na primeira e aproximando-se dela na mais recente. O conjunto da oposição de esquerda atinge nesta sondagem os 18,3 % ( 10 % do BE e 8,3% da CDU).
Ou seja, o PS perde eleitorado para a direita e para a esquerda, mas o que perde para a direita é suficiente para esta chegar à maioria; o que perde para a oposição de esquerda não é suficiente para que esta se aproxime sequer da possibilidade de se constituir, por si só, como alternativa de Governo.
Será prudente não esquecer as flutuações de resultados ao longo destes últimos meses nos sondagens da Marktest e lembrar que as outras empresas de sondagens costumam apresentar resultados menos desfavoráveis ao PS do que os dela. No entanto, seria pura cegueira política desconsiderar a sondagem ontem saída. Ela sublinha o risco de uma futura hecatombe eleitoral para o PS, de uma cisão entre o PS e uma parte do seu eleitorado que pode ser duradoura.
O contexto sócio-económico nacional e internacional, a anemia política dos partidos europeus da Internacional Socialista, a sofreguidão com que os poderes fácticos dominantes e a direita política europeia sugam a riqueza produzida pelos povos que dominam, tornam a luta política cada vez mais árdua. E fazem-no em tal grau que vai ficando claro que, sem mudanças estratégicas radicais , sem um sobressalto de unidade e de inteligência colectiva do povo de esquerda e dos partidos que nele têm raízes, corremos o risco de uma prolongada agonia política sob a égide institucional dos autómatos neoliberais que os poderes financeiros internacionais irão teleguiar com bonomia e cinismo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

BRASIL - intenções de voto


As duas infogravuras, acima reproduzidas a partir da imprensa brasileira, mostram a evolução, desde a primeira volta, das intenções de voto nas eleições presidenciais, que vão decorrer no próximo dia 31 de Outubro no Brasil. Elas reflectem os números difundidos pelas principais empresas de sondagens brasileiras ( Datafolha, Ibope, Sensus e Vox Populi ). As intenções de voto em Dilma Roussef correspondem ao que está a vermelho; as intenções de voto em José Serra correspondem ao que está a azul. No quadro de cima, integram-se os resultados de todas as sondagens publicadas, por esses quatro institutos; no quadro de baixo, pode ver-se a evolução das médias sucessivas das diversas sondagens.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

UM CANDIDATO TRISTE


1. O Presidente Cavaco vai recandidatar-se à Presidência da República. O mais conhecido oráculo da direita portuguesa tinha já anunciado o dia e a hora da revelação, quando ambos ainda eram secretos. Mas nem mesmo ele se lembrou de inventar, como novidade, aquilo que toda a gente sabia: Cavaco queria suceder a Cavaco.

Foi em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. Bem vestida, num reluzir de jóias e gravatas, uma plateia solene e sonolenta, ouviu um rosário de palavras previsíveis, com a distância aquiescente de quem está seguro da sua importância. Entusiasmo, era uma discreta ausência. Os aplausos quase melancólicos. Ali, reinou apenas a naftalina da esperança.

2.
O novo candidato, no entanto, assegurou ser honesto e trabalhador. Registamos, embora algo espantados por ele ter sentido necessidade de o dizer.

O novo candidato vai poupar nos gastos de campanha, não ultrapassando metade do montante que a lei autoriza. Numa voz de quase soluço, alega o respeito pelas dificuldades que vivemos como a sua motivação. Aplaudiríamos com todas as mãos, se esse candidato não ocupasse o lugar que ocupa, beneficiando assim de uma exposição mediática que torna insignificante o papel de uns tantos cartazes espalhados pelo país. Um perfume de cinismo ou de hipocrisia pareceu pairar.
O novo candidato tem um único partido: Portugal. E quem não é do mesmo partido que ele, apoiando, por exemplo, um outro candidato, poderá ainda ser considerado como português? Pergunta-se --- com o incómodo de quem surpreende, de novo, a pairar sobre nós, os milhafres do nacionalismo mais reaccionário e a nuvem negra do patrioteirismo mais hipócrita.

O novo candidato fala verdade, não mente. E não mente porquê? Porque, diz ele que foge como o diabo da cruz de ilusões e utopias. Utopias, sim. Foi isso que ele disse. E, talvez sem querer, ele mostrou desse modo o cerne da sua identidade mais funda:
ele é o candidato anti-utópico.

3. Enfim, lá se foi ouvindo uma mistura triste de todos os artefactos ideológicos da direita portuguesa, consubstanciados na aspiração a repetir um mandato, que revelou que o único desígnio prático relevante do candidato, era o de evitar que esteja à frente do Estado português um Presidente da República oriundo da esquerda. Se a relação de forças política lho permitir sem risco, certamente que fará mais, que fará o que puder para conforto da direita. Se assim não for, pelo menos, continuará a fazer o que já fez. E se achar ter chegado um novo momento de conspiração contra o PS, semelhante à intentona das escutas a Belém, terá talvez mais cuidado ou mais engenho; ou talvez apenas mais cuidado na escolha dos artistas que mande para o terreno.

A direita portuguesa e os poderes de facto já salivam abundantemente, atrás de uma aliciante cenoura com que o destino lhes parece acenar: uma maioria, um Governo e um Presidente. Eis o que é um sonho para alguns, mas um pesadelo para o país.
Por isso, o melhor é jogar pelo seguro, evitando desde já que Cavaco seja reeleito, o que só se evita, vencendo-o.

domingo, 24 de outubro de 2010

CONTRACAPA DA VÉRTICE - 47


Vértice nº333- Outubro de 1971

"Há na humanidade forças que a impelem numa direcção determinada, forças que às vezes parece que adormecem, que recuam, que sossobram, mas que como esses rios que se escondem por algum tempo debaixo da terra, para rebentarem de novo mais opulentos d'águas, mais soberbos e mais velozes, assim reaparecem quando se supunham mortos, quebrando todas as resistências, destruindo até se fazer pó, tudo que se lhes opõe."
JOSÉ FREDERICO LARANJO

ERRAR



Não deixes que os teus dedos
se percam
nas harpas da tristeza
como folhas de outono


Dá-lhes o calor dos teus erros
a pele azul do sonho
o sabor tão relativo
das tuas verdades


Engana-te generosamente
a favor de um mundo melhor
tropeça na realidade sem inibições
colhe o impossível sem pudor


Nas arcas do sofrimento
não cultives as lágrimas
no exílio da alegria
não cedas ao desespero


Se a revolta subir
ao longo dos teus braços
dá-lhe todas as asas
vai com ela


Que nas cidades justas
do futuro
entre os que enfim
se olharem inteiros e libertos
alguém possa dizer sobre ti:


enganou-se
mas era nosso irmão



[RUI NAMORADO]

FAVORES



Na colecção que fez época, "Antologia do Conto Moderno", publicada pela editora de Coimbra, Atlântida, saiu em 1947, em tradução de José Borrego e Victor Palla, uma colectânea de contos do escritor norte-americano de origem arménia William Saroyan (1908-1981). Lembre-se, aliás, que este conjunto de textos incluiu uma pequena preciosidade que atingiu uma enorme notoriedade: " O rapaz do trapézio voador". Mas hoje não é dele que se trata. Vamos antes transcrever um brevíssimo texto incluído na referida colectânea, pleno de humor e de autenticidade. Actual.


"Primeira história arménia"


"O padre voltou-se para o homem que o apunhalara nas costas, examinou-lhe cuidadosamente a cara, e, morrendo, disse:

- Porque me matas? Nunca te fiz nenhum favor."

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O AVESSO DAS ESQUERDAS


As direitas, às vezes quando lhes é útil e sempre quando lhes é indispensável, lá se vão entendendo.


As esquerdas, sempre de olho vivo, vigiando-se umas às outras com extrema eficácia, raramente se entendem, a não ser sobre bagatelas. Por uma lado, a que se reconhece na Internacional Socialista, pelo outro, as que se reconhecem nas sombras do sovietismo desaparecido e no pós-esquerdismo, vão-se combatendo animadas por excelentes razões e por motivos que todos compreendem. Se forem perguntadas não se confessam inimigas, mas não resistem a apontar as enormes mazelas da outra parte.


Pode não parecer, mas se olharmos com atenção, todas elas ainda estão afinal possuídas pelo espírito da velha máxima estalinista, nos primórdios da ascensão de Hitler: " Enterrar o nazismo sobre o cadáver da social-democracia". Como sabemos, a história não foi meiga: enterrou socialistas e comunistas no mesmo buraco, e foram precisos milhões de mortos para a Europa voltar a ser normal.


Hoje, parece que as várias esquerdas estão ainda hipnotizadas pela velha máxima estalinista . Cada uma quer vencer a outra, ao mesmo tempo que derrota a direita. Mas a realidade é teimosa, a relação de forças não se altera por magia de um dia para o outro.


Enquanto as coisas continuarem assim, as direitas podem dormir tranquilas no governo ou na oposição. As esquerdas velarão ciosamente as suas verdades parcelares, evitando metodicamente ganharem a força que naturalmente teriam, se não estivessem ocupadas em continuar a guerra civil histórica de que não conseguem fugir.


E infelizmente, falando de Portugal, não estou só a falar de Portugal.

Bolinha na careca!


Ontem, com grande destaque, as estações televisivas portuguesas fizeram eco de uma agressão ao candidato presidencial às eleições brasileiras José Serra, por apoiantes da candidata Dilma Rooussef. Afinal, como se pode verificar pelo texto elaborado pela Redacção da revista brasileira CartaCapital, que abaixo se transcreve, do que se tratou foi de um miserável embuste. Aliás, um video do YouTube, a que se pode aceder através do site da Revista, mostra tudo o que se diz no texto. Vi-o, pelo que posso testemunhar. Se também quiserem ver, cliquem, por favor, em [ http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/serra-foi-atingido-por-bolinha-de-papel-mostra-o-sbt ] . Depois, no fim da notícia que vou transcrever, cliquem de novo sobre a imagem e vejam.


Eis o texto:


Serra foi atingido por bolinha de papel, mostra o SBT


Redação Carta Capital, 21 de outubro de 2010 às 9:20h

Telejornal exibe toda a sequência dos fatos e mostra que Serra só acusou o golpe 20 minutos depois


"O baixo nível da campanha presidencial, antes restrito aos boatos e mentiras divulgados pela internet, às pregações de certas igrejas e ao noticiário de parte da grande mídia – além dos programas eleitorais, é claro – chegou finalmente às ruas. Consequência inevitável.
O tumulto que aconteceu ontem no bairro do Campo Grande, no Rio de Janeiro, entre simpatizantes das candidaturas de Serra e Dilma tem que ser condenado e preocupar as coordenações das duas campanhas, pois pode se repetir e causar maiores danos para ambos. E para o País.
Entretanto, é preciso relatar os fatos como eles aconteceram, e entre os telejornais exibidos na noite desta quarta-feira 20, parece que apenas o SBT Brasil conseguiu mostrar toda sequência dos acontecimentos.
Na matéria fica claro que o objeto que atingiu a cabeça do candidato foi uma simples bolinha de papel. Não foi uma pedra, nem um rolo de papel, nem um rolo de adesivos – versão final comprada pelos jornais do dia – como publicaram ontem os principais portais de notícias.
Pior: segundo a matéria exibida pelo SBT, Serra percebeu que recebera o golpe do objeto e olhou para o chão para identificá-lo. Depois, prosseguiu a atividade em meio ao tumulto sem nenhum dano físico aparentar, com interrupções para entradas e saídas de uma loja e do veículo que o havia conduzido ao local. Passados 20 minutos, segundo o SBT, ele recebeu um telefonema – veja na tela – e imediatamente pôs as mãos à cabeça. Só então decidiu interromper a caminhada.
Em seguida, contou o telejornal, Serra foi levado a um hospital e submetido a uma tomografia. Na tevê, surge o médico que o atendeu, a dizer que não houve ferimento, mas que havia recomendado ao candidato repouso por 24 horas. Ato contínuo, Serra suspendeu o restante da sua agenda do dia
."

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

PS -COIMBRA : uma luta, todos vencidos.


Nas eleições para a Federação de Coimbra do PS gerou-se uma situação de incerteza quanto ao vencedor das eleições para a Presidência da Federação, uma vez que um candidato foi apontado como tendo mais dois votos do que o outro, num universo de cerca de 4500 votantes, mas o segundo impugnou as eleições invocando irregularidades.

As instâncias de jurisdição interna do PS não tomaram ainda uma decisão final, mas o caso já transbordou para a opinião pública com contornos políticos desprestigiantes para o PS. Não sei se a candidatura que obteve os tais dois votos de vantagem também tem vantagem quanto ao número de delegados eleitos para o Congresso. Mas, seja qual for a candidatura, que tenha vantagem nesse aspecto, não a terá por uma grande margem. E não está excluído que o candidato que venha a ser declarado vencedor possa vir a estar em minoria na Comissão de Federação.

Mas do que ninguém pode duvidar é que, seja qual for o resultado das contendas que estalaram na praça pública, há um equilíbrio quase total na relação de forças entre as duas facções que se têm enfrentado. O simples bom senso político aconselharia a que tivesse sido este o ponto de partida óbvio. E se assim fosse, a primeira preocupação de cada um dos lados deveria ter sido a de negociar com o outro lado. Falo de uma negociação política e não de uma partilha de lugares, presentes ou futuros. Uma negociação que desdramatizasse o facto de haver um lado que tem mais dois votos e outro que tem mais dez delegados. Mas que poderia também permitir que fosse pacífica a repetição de eleições nas secções em que isso se justificasse se fosse esse o caso.


De facto, se é objectivo que ninguém ficou esmagado nesta eleição, também não o ficaria se uma eventual repetição de algumas eleições invertesses posições;e, mesmo que essa inversão ocorresse, o novo perdedor continuaria a ter como apoiantes quase metade dos votantes.

Este mútuo reconhecimento teria tornado, objectivamente, muito improvável um tipo de transvase para a praça pública como aquele que ocorreu e teria certamente evitado que se atingissem os níveis de crispação e acrimónia entre militantes do PS que foram atingidos.

Não foi isso que aconteceu. As dúvidas que emergiram do acto eleitoral, em vez de serem analisadas com serenidade, para serem confirmadas ou desfeitas, foram ampliadas politicamente. E chegado o clima de confronto interno aos níveis a que chegou, é muito provável que a querela aberta não se encerre com as decisões dos órgãos de jurisdição interna do PS, transbordando para os tribunais.

E mesmo que as coisas não vão tão longe, o ponto a que chegaram já foi suficiente para lesar gravemente a imagem do partido. E, como já antes disse, se é legítimo esperar-se que não sejam trazidas para a praça pública as questões internas do partido em termos desbragados, não é menos de esperar que não se pratiquem falcatruas nas eleições internas do partido.

Faço votos para que se vá retomando o sangue frio com a celeridade possível, mas não me passa pela cabeça que não se altere por completo o modo como decorrem as eleições internas no PS, no sentido de completa transparência, total igualdade de oportunidades e plena democraticidade. Se isso for conseguido, não teremos tido este grave prejuízo político, em vão. Se assim não for, receio bem que se tenha apossado de nós uma pulsão suicidária.

AMANUENSES DE ABISMOS



Se o que está a ser noticiado sobre a decisão do PSD quanto ao orçamento for verdade, fica a ver-se que as dificuldades causadas à Europa pela via que ele próprio defende e pelas sequelas de um sistema económico, o capitalismo, no qual se revê, por completo, não o comovem.

Não é um partido de direita capaz de se responsabilizar por um co-envolvimento na solução de uma crise, que tem como elemento gerador de uma urgência financeira, a voracidade dos especuladores e as taras de um mercado de capitais predatório e instável. É apenas uma empresa de gestão de carreiras, preocupada em conter os danos colaterais que poderiam ser produzidos na imagem da sua equipa dirigente, pela discrepância entre as farroncas de ontem e os apelos da realidade a que sabe não dever resisitir. Os interesses e as dificuldades do país são uma música distante percebida vagamente para lá do mar de ruídos com que quotidianamente nos brinda.

Os responsáveis do PSD que estão hoje alinhados numa prateleira de esquecimento, cultivam atónitos o espanto de estarem atrelados a uma equipa de notabilidades politicamente tontas que ao invés de filtrarem o possível excesso de fogosidade de um líder inexperiente, a tornam um mal muito menor do que a sua própria obnubilação tosca.

Como crianças irresponsáveis a quem deram um brinquedo que não sabem gerir, os actuais responsáveis do PSD levam o país a passear à beira de um abismo com a tranquilidade de quem assiste a uma missa dominical.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

PS - COIMBRA : luta de ideias


O debate que tem vindo a ser travado, no seio do PS de Coimbra, com transvase para a opinião pública, tem sido muito útil. De facto, ambos os lados da contenda têm expressado com clareza o que pensam sobre a actual conjuntura política, o que os aproxima e o que os separa na avaliação do modo como o Partido tem sido conduzido nos últimos anos.
Particularmente elucidativa, tem sido a diferença que se tem verificado existir pelas ideias que cada um dos lados tem manifestado, quer a propósito da actual fase da vida da União Europeia, quer a propósito do que parece ser uma crise da Internacional Socialista na Europa.
Especialmente interessante foi também a troca de ideias entre as duas partes a propósito da crescem afirmação da economia social no nosso país. E foi quase comovente o apoio caloroso que ambas as partes deram ao projecto de revisão constitucional do PS, que criteriosamente elogiaram.


Por isso, os militantes estão satisfeitos, os eleitores socialistas estão satisfeitos, o povo de esquerda em geral, está confortado com o modo como o PS de Coimbra tem, nestes últimos dias, evidenciado na praça pública a sua grande vitalidade político-ideológica.

De facto, tem-se assistido a um vivo debate de ideias em que cada uma das partes , não escondendo diferenças, soube sempre ouvir com atenção o outro lado, sem que isso significasse renúncia a ser ela própria.

Se conseguirmos manter o nível de debate político dos últimos dias, tendo especialmente em conta o interesse dos temas discutidos, podemos confiar num apoio crescente do povo do distrito de Coimbra às nossas ideias e às nossas propostas.

Não duvidemos : seja qual for o resultado nacional das próximas eleições legislativas, sejam elas quando forem, por este andar, no círculo eleitoral de Coimbra, se não elegermos os deputados todos, seguramente que andaremos lá perto.

sábado, 16 de outubro de 2010

SOMBRAS NO BRASIL


As notícias sobra a segunda volta das próximas eleições presidenciais brasileiras vão chegando até nós filtradas pela malha sombria do sistema mediático mundial. Uma sofreguidão de hostilidade, embora ainda contida, ousa já sair da sombra contra Lula. Muitos dos que pareciam incensá-lo, tiram agora a máscara e num ímpeto de desforço, procuram vingar-se dos seus êxitos, fazendo com que seja derrotada Dilma Roussef , a candidata que ele apoia, a candidata da esquerda brasileira.
Do site da CartaCapital, extraí um texto datado de 15 de Outubor de 2010, da autoria de Juarez Guimarães e intitulado, "O caluniador, figura da barbárie", que nos pode ajudar a compreender o que se está a passar e o que está em jogo no combate político que hoje se trava no Brasil. Eis o referido texto:


" De todas as eleições presidenciais realizadas após a redemocratização, esta é certamente aquela que a calúnia cumpre um papel mais central na definição do voto. Ela foi utilizada em um momento decisivo por Collor contra Lula, compareceu sempre todas as vezes nas quais Lula foi candidato mas agora ela mudou de intensidade e abrangência, tornou-se multiforme e onipresente.
A calúnia foi ao centro da nossa vida democrática. A senhora ao lado no ônibus me diz que recebeu a informação que Dilma desafiou Jesus Cristo em um comício realizado na Praça da Estação, em Belo Horizonte. O motorista de táxi conta que um médico lhe assegurou que um outro médico, seu amigo, diagnosticou gonorréia em Dilma.
Um e-mail recebido traz documento do TSE impugnando a candidatura de Dilma por ter “ficha suja”. Um aluno me diz ter recebido carta em casa da Regional 1 da CNBB, contendo mensagem para não votar em Dilma por ser contra a vida. Um comerciante na papelaria me diz que “não vota em bandida”. Após divulgar o resultado da primeira pesquisa Sensus/CNT para o segundo turno, o sociólogo Ricardo Guedes, afirmou que “nessa eleição, principalmente no final do primeiro turno, temos um fenômeno sociológico de natureza cultural de desconstrução de imagem. O processo de difamação, até certo ponto, pegou.” Quem conhece alguém que não recebeu uma calúnia contra Dilma ?
Houve uma mudança nos meios: a internet permite o anonimato e a profusão da calúnia. A Igreja brasileira, sob a pressão de mais de duas décadas de Ratzinger, tornou-se mais conservadora na sua cúpula e mobiliza hoje uma mensagem de ultra-direita, como não se via desde 1964. A mídia empresarial brasileira, já se sabia, vinha trilhando o seu caminho de partidarização e difamação pública, no qual até o direito de resposta tornou-se um crime contra a liberdade de expressão. Mas tudo isso não havia encontrado ainda o seu ponto de fusão: agora, sim.
O que está ocorrendo aos nossos olhos não pode ser banalizado. O caluniador é uma figura da barbárie, o sinistro que mobiliza o submundo dos preconceitos, dos ódios e dos fanatismos. A calúnia traz a violência para o centro da cena pública, pronunciando a morte pública de uma pessoa, sem direito à defesa. Perante a calúnia não há diálogo, direitos ou tribunais isentos. Na dúvida, contra o “réu”: a suspeição atirada sobre ele, visa torná-lo impotente pois já, de partida, a humanidade lhe foi negada.
Mas quem é o caluniador, essa figura de mil caras e rosto nenhum? É preciso dizer alto e bom som, em público, o seu nome, antes que seja tarde: o nome do caluniador é hoje a candidatura José Serra! Friso a candidatura porque não quero exatamente negar a humanidade de quem calunia. É o que fez, com a coragem que lhe é própria, a companheira Dilma Roussef no primeiro debate do segundo turno, apontando o nome de uma caluniadora – a mulher de Serra – e chamando o próprio de o “homem das mil caras”.
Dia a dia, de forma crescente e orquestrada, a calúnia foi indo ao centro de sua campanha, de sua mensagem, de sua fala, de sua identidade proclamada, de seus aliados midiáticos, de parceiros fanáticos (TFP) ou escabrosos (nazistas de Brasília), de sua estratégia eleitoral e de seu cálculo. “Homem do bem” contra a “candidata do mal”? Homem de uma “palavra só” contra a “mulher de duas caras”? Político “ficha limpa” contra a “candidata ficha suja”? Protetor dos fetos e dos ofendidos (como mostra a imagem na TV) contra aquela que “assassina criancinhas”, como disse publicamente sua mulher? Homem público contra a “mulher das sombras”?
O que está se passando mesmo aqui e agora na jovem democracia brasileira? Que arco é este que vai da TFP a Caetano Veloso, quem , quase em uníssomo ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chamou o presidente Lula de analfabeto e ignorante já no início deste ano? Afinal, que cruzada é esta e qual a sua força ?
O que está ocorrendo aqui e agora é uma aliança dirigida por um liberal conservador com o fanático religioso e com o proto-fascista. Cada uma dessas figuras – que sustentam o lugar comum da calúnia – precisa ser entendida em sua própria identidade e voz. A democracia brasileira ainda é o lugar da razão, do sentimento e da dignidade do público: por isso, defender a candidatura Dilma Roussef é hoje assumir a causa que não pode ser perdida.
Liberalismo conservador: o criador e sua criatura – Nunca como agora em que esconde ou quase não mostra a imagem de Fernando Henrique Cardoso, Serra foi tão criatura de seu mestre intelectual. É dele que vem o discurso e a narrativa que, ao mesmo tempo, dá a senha e liga toda a cruzada da direita brasileira.
A noção de que o PT e seu governo ameaçam a liberdade dos brasileiros pois instrumentalizam o Estado, fazem reviver a “República sindical”, formam gangues de corrupção e ameaçam a liberdade de expressão não deixa de ser uma evocação da vertente lacerdista da velha UDN. Mas certamente não é uma doutrina local.
A cartilha do liberal-conservador Fernando Henrique Cardoso é um autor chamado Isaiah Berlin, autor de um famoso ensaio “Dois conceitos de liberdade” e do livro “A traição da liberdade. Seis inimigos da liberdade humana”. Neste ensaio e neste livro, define-se a liberdade como “liberdade negativa”, isto é aquele espaço que não é regulado pelas leis ou pelo Estado contraposto à noção de “liberdade positiva”. Quanto menos Estado, mais liberdade; quanto mais Estado, menos liberdade. Ao confundir liberdade com autonomia, ao vincular liberdade aos ideais de justiça ou de interesse comum, republicanos, sociais-democratas, liberais cívicos e, é claro, socialistas, trairiam a própria idéia de liberdade.
É por este conceito e seus desdobramentos que Fernando Henrique mobiliza o clamor midiático contra o PT e o governo Lula. É este conceito que estrutura também o discurso de Serra, que acusa o governo Lula de ser proto-totalitário. É evidente que o conceito não é passado de forma iluminista: a mídia brasileira tornou-se uma verdadeira artista na criação das mediações de opinião, imagem e notícia que se centralizam, em última instância, neste conceito. Daí ele dialoga com o senso comum.
Seja dito em favor de Fernando Henrique Cardoso: é o lado mais sombrio de seu liberalismo que vem à tona agora, na cena agônica, quando o candidato que representa a sua herança ameaça perder pela última vez. Pois este liberalismo sempre foi de viés cosmopolita, atento em seu diálogo com os democratas norte-americanos e aos “filósofos da Terceira Via”, a certos direitos inscritos na pauta, como aqueles da liberdade sexual, do direito ao aborto legal, dos gays, dos negros, da vida cultural. Mas agora para fazer a ponte com o fanatismo religioso, ele resolveu descer aos infernos: nada sobrou de progressista na candidatura Serra, das ameaças à Bolívia à moral sexual de Ratzinger?
O liberal conservador não é o fanático religioso nem o proto-fascista, aquele que julga que a melhor maneira de dissuadir o adversário é simplesmente eliminá-lo. Mas dialoga com eles na causa comum de derrotar os “proto-totalitários” de esquerda”. Como disse bem, Jean Fabien Spitz, autor de “ O conceito de liberdade”, os ensaios de Berlin trazem o sentido e a tonalidade da época da “guerra fria”.
O fanático religioso: os frutos de Ratzinger – Se a social-democracia, o republicanismo e o socialismo são os inimigos de Berlin, a Modernidade em um sentido amplo é o inimigo central do ex-cardeal Ratzinger. O programa político- teológico que veio construindo a ferro e fogo nestas últimas três décadas é centrado na idéia que é preciso restaurar a dogmática da fé contra os efeitos dissolutivos da moral emancipadora, da racionalização científica e da secularização. Este discurso político, que se fecha no fundamentalismo religioso, como bem denunciou Leonardo Boff, é, na verdade, um discurso de poder, de recentramento do poder do Vaticano.
Neste programa, não é apenas a esquerda enquanto topografia política que é o inimigo mas principalmente o processo de emancipação das mulheres. Entre a “Eva pecadora” e a “Maria mãe de Deus” não há outra identidade possível às mulheres.
A dimensão fundamentalista desde discurso não reconhece o direito do pluralismo na política, nem mesmo na linha do “consenso sobreposto” proposto por John Rawls ( a possibilidade de convergências sobre direitos, partido de um pluralismo de fundamentos). Ou se concorda ou se é proscrito, ex-comungado ou desqualificado.
É essa idéia força, que veio ganhando terreno na hierarquia do clero brasileiro a partir das perseguições à Teologia da Libertação, que agora irrompe na política brasileira, difamando Dilma Roussef. A calúnia é conveniente ao fundamentalista religioso: nesta visão de mundo, não há luz e sombra, não há e não pode haver semi-tons: quando Serra proclamou que o “direito ao aborto no Brasil seria uma carnificina”, ele estava dando a senha para a campanha difamatória da direita católica e evangélica.
O proto-fascista e seus privilégios – Todo processo político e social de democratização e de inclusão tão amplo como o que está se vivendo no Brasil provoca reações de resistência e regressão política à sua volta. Mas este também não é um fenômeno apenas brasileiro: observa-se à volta de nós fenômenos e operações muito típicas daquelas que estão sendo promovidas pela direita republicana norte-americana contra Obama ou que percorrem quase todo o continente europeu em torno ao tema dos imigrantes.
O proto-fascista brasileira não veste camisa preta nem usa suástica no braço ( embora, é claro, ninguém duvide, redes simbolicamente ostensivas estão em ação), nem precisa ser sociologicamente configurado como “lumpen proletariado” ou “pequeno burguesia vacilante”, para lembrar as figuras de uma linguagem simplificadora. O proto-fascista brasileiro é aquele que não quer receber em sua casa comum – a democracia brasileira – estes que não que reconhecem mais o seu antigo lugar, os pobres e os negros.
Há uma violência inaudita no ato do jornal liberal “O Estado de São Paulo” em punir com a demissão Maria Rita Kehl, por escrever um artigo em prol da dignidade dos pobres. Esta violência, que está muito distante do proclamado pluralismo mesmo restrito de alguns liberais, cheira a proto-fascismo, este ato que pretende abolir as razões públicas dos pobres simplesmente negando dignidade a eles.
A força da liberdade que hoje mora no coração dos brasileiros, os braços abertos do Cristo Redentor e o que há de imaginação e magnífica pulsão de vida na cultura popular dos brasileiros são os verdadeiros antídotos contra as figuras do ódio do caluniador.Por detrás da sua máscara, o povo brasileiro há de reconhecer os centenários adversários de seus direitos.
Diante do caluniador, somos todos hoje Dilma Roussef!"

[Juarez Guimarães]

Dentro do PS


1. Os acontecimentos que vieram a público, a propósito das eleições na Federação de Coimbra do PS, representam um profundo desprestígio para esse partido e reflectem uma grande insalubridade no seu funcionamento interno.

Certamente, se apurará qual o grau de verdade dos factos alegados e qual o grau de acerto quanto ao modo como foram divulgados. Mas nunca deve esquecer-se que a legitimidade, em se discutir o grau de reserva que deve ser respeitado pelos militantes de um partido quanto à revelação pública dos seus problemas internos, não apaga a essencial questão de se saber se tais factos ocorreram ou não.

Do mesmo modo, só um inconveniente recurso a um artifício de humor negro, pode explicar que alguém tente justificar qualquer lesão às regras estatutárias ou à simples decência política, alegando que as vítimas de hoje foram os algozes de ontem.

Está ainda em curso o processo de validação dos resultados. Espera-se que não se some ao problema já existente um novo problema. Ou seja, espera-se que as instâncias internas de validação e de jurisdição actuem com transparência e com total respeito pela legalidade estatutária e para com os princípios da legalidade democrática.

E, tendo-se chegado aonde se chegou, não pode ficar qualquer dúvida sobre o saneamento de todas as eventuais irregularidades e sua superação prática, tal como sobre a avaliação de eventuais ilícitos de uma maior gravidade, pelas instâncias competentes.

2. Se o Partido, no seu todo, assumir a negatividade do conjunto destes acontecimentos, como algo que não se pode repetir, mudando por completo o paradigma que tem impregnado as eleições internas no PS, o prejuízo político sofrido não terá sido em vão.

Num recente texto publicado neste blog, lembrei, quanto a esta matéria, o conteúdo da moção Mudar para Mudar, apresentada no mais recente Congresso Nacional do PS,em 2009, da qual fui um dos subscritores. Hoje, vou recordar , como contributo para a referida mudança de paradigma, o que dizia quanto a esta questão
a moção apresentada pela candidatura ao Congresso da Federação de Coimbra do PS de 2006, encabeçada por Luís Marinho, da qual fui um dos subscritores.

Num tópico intitulado, “Legalidade, limpidez e equidade nas eleições para os órgãos internos”, dizia-se:

“O PS não pode ser o garante da democracia na sociedade portuguesa, orgulhando-se de assumir por completo o significado mais fundo do 25 de Abril, ao mesmo tempo que transige com a fraude e desigualdade nas eleições disputadas no seu interior. Reconhece-se o esforço que a Direcção Nacional vem fazendo para superar praticas inaceitáveis Mas há ainda um longo caminho a percorrer na reforma de vícios que mancham a democraticidade interna e a convivência.
Deste modo, é indispensável que se interrompa a deriva antidemocrática que tem inquinado com preocupante frequência algumas disputas internas ocorridas nesta federação, embora seja desejável que as regras que preconizamos se apliquem em todo o partido.
Assim, a título de exemplo, no quadro da criação de regras que garantam a plena igualdade de oportunidades a todos os candidatos, defendemos: que todas as sessões de esclarecimento, integradas nas campanhas eleitorais internas, tenham obrigatoriamente a presença de todos os candidatos ou de representantes seus; que todos os envios postais dirigidos aos militantes no âmbito das campanhas internas sejam da responsabilidade directa do partido, não sendo admitidos quaisquer outros e sendo garantido tratamento igual a todos os candidatos.
Não pode continuar a depender da fortuna do candidato, ou da sua arte de angariar fundos, a possibilidade de ser candidato dentro do PS, ou de fazer uma campanha em condições iguais às de outros concorrentes.
Por outro lado, é indispensável que os estatutos do Partido sejam revistos, de modo a tornarem expresso que a prática de fraudes eleitorais nas eleições internas do partido, implica necessariamente a mais grave sanção. É preciso finalmente dar autoridade às instâncias jurisdicionais do partido, entregando-lhes na prática, o controle da legalidade estatutária, não fazendo delas, como hoje, meros órgãos de recurso. A não ser assim, em breve a legalidade estatutária, cairá nas mãos dos tribunais comuns, o que sempre afecta a imagem e credibilidade do partido
. »

Medite-se sobre este texto, reflectindo-se sobre o facto de há muito ter havido quem, dentro do PS e nesta Federação, tenha levantado, sem ter sido ouvido, uma prudente voz de alerta.

Será preciso que, em futuros acontecimentos, se vá ainda mais longe na via do desprestígio do PS para que , de uma vez por todas, se arrepie caminho ou a presente lição terá sido suficiente?

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Manifesto pró Dilma























Mais uma vez, a fonte é a revista brasileira CartaCapital , cuja Redacção nos informa, num texto datado de 13 de Outubro, sobre um documento de apoio a Dilma Roussef, salientando que: "Liderados por Chico Buarque, Leonardo Boff, Emir Sader e Eric Nepomuceno, um grupo de artistas e intelectuais divulga um manifesto em apoio a candidatura de Dilma Rousseff. O documento, que será entregue à candidata em um ato político no dia 18 de Outubro, no Rio de Janeiro, defende a união de forças para garantir os avanços na inclusão social, preservação dos bens e serviços da natureza e a nova posição do Brasil no cenário internacional." É esse documento que abaixo se transcreve:

"Manifesto de artistas e intelectuais pró Dilma"
" Nós, que no primeiro turno votamos em distintos candidatos e em diferentes partidos, nos unimos para apoiar Dilma Rousseff. Fazemos isso por sentir que é nosso dever somar forças para garantir os avanços alcançados. Para prosseguirmos juntos na construção de um país capaz de um crescimento econômico que signifique desenvolvimento para todos, que preserve os bens e serviços da natureza, um país socialmente justo, que continue acelerando a inclusão social, que consolide, soberano, sua nova posição no cenário internacional.
Um país que priorize a educação, a cultura, a sustentabilidade, a erradicação da miséria e da desiguladade social. Um país que preserve sua dignidade reconquistada.
Entendemos que essas são condições essenciais para que seja possível atender às necessidades básicas do povo, fortalecer a cidadania, assegurar a cada brasileiro seus direitos fundamentais.
Entendemos que é essencial seguir reconstruindo o Estado, para garantir o desenvolvimento sustentável, com justiça social e projeção de uma política externa soberana e solidária.Entendemos que, muito mais que uma candidatura, o que está em jogo é o que foi conquistado.
Por tudo isso, declaramos, em conjunto, o apoio a Dilma Rousseff. É hora de unir nossas forças no segundo turno para garantir as conquistas e continuarmos na direção de uma sociedade justa, solidária e soberana."


Leonardo Boff
Chico Buarque
Fernando Morais
Emir Sader
Eric Nepumuceno

O homem que matou Liberty Valance!


Um vento de suspeita sopra nas margens do Mondego. Velhos punhais parecem querer sair de discretas baínhas. Pequenos e grandes deuses impacientam-se em seus efémeros Olimpos. Um entre os menores levantou já a sua pequena voz vinda do Norte, deixando sair dela a ameaça discreta de um conselho. Incrédulos , os choupos do Mondego tremeram melancólicos.
Por tudo isso, uma vez sem exemplo, impelido por tão infaustos acontecimentos , vou repetir uma das frases da contracapa da Vértice da autoria do Cardeal de Retz, que já foi publicada neste mesmo blog, no passado dia 8 de Julho de 2010.

"Quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito."

A segunda volta das eleições no Brasil.


Um texto retirado do site da prestigiada revista brasileira de grande circulação CartaCapital , da responsabilidade da respectiva Redacção e datado de hoje , dá-nos conta de que no Brasil os quatro principais institutos de sondagens já divulgaram pesquisas para a segunda volta das eleições presidenciais que vão decorrer no próximo dia 31 de outubro. Eis o texto:

"As diferenças entre Dilma Rousseff e José Serra oscilam de 4,6% a 9%, favoráveis à petista
O Instituto Sensus, em parceria com a Confederação Nacional dos Transportes, divulgou hoje sua primeira pesquisa para o segundo turno das eleições presidenciais. Segundo ela, Dilma Rousseff teria 52,3% dos votos ante 47,7% de José Serra.
O IBOPE também divulgou nesta quarta-feira sua primeira pesquisa. Em parceria com o Estado de S.Paulo e a Rede Globo, o levantamento apontou Dilma Rousseff com 53% dos votos válidos ante 47% de José Serra.
Se considerados o total de votos, pelo IBOPE, Dilma teria 49% contra 43% de Serra. Ainda estariam indecisos apenas 3% dos eleitores. Outros 5% declararam que votariam em branco ou nulo. A pesquisa ouviu 3.010 eleitores e tem margem de erro de dois pontos porcentuais para mais ou para menos.
As duas pesquisas pouco se diferem das realizadas pelos institutos Datafolha e Vox Populi, divulgadas nos últimos domingo e quarta-feira. Segundo o Datafolha, Dilma teria 54% dos votos válidos ante 46% de Serra. Já pelo Vox Populi, a petista ficaria com 54,5% contra 45,5% do tucano.
Se comparadas as quatro, a maior vantagem para Dilma Rousseff seria a apontada pelo Vox Populi, com 9% e a menor a do Sensus, 4,6%."

Manuel Alegre em Coimbra


Manuel Alegre está em Coimbra hoje e amanhã


1. Quinta-feira - dia 14 de Outubro - às 18 horas

INAUGURAÇÃO da sede de Coimbra
(Av. Calouste Gulbenkian/ Celas, 22-C)


2. Sexta-feira, 15/10/2010, às 11:30h - Auditório

(FEUC - Av. Dias da Silva, 165 )

DEBATE

«Inovação e emprego: desafios para as novas gerações»
Prof. José Reis
Candidato presidencial Manuel Alegre
Representantes dos Núcleos de Estudantes da FEUC
Prof. Elísio Estanque (moderador)

São cromos, mas mordem


No palco político onde decorre a campanha para as eleições presidenciais, estão em liça três candidatos e dois cromos, o cromo Nobre e o cromo Defensor.

Estes dois últimos andam meio assarapantados com a exposição mediática, pelo que vão debitando dislates com uma naturalidade comovente. Mas indiciando o verdadeiro papel que foram chamados a desempenhar nesta contenda, sempre que passa perto deles a canela do Manuel Alegre não hesitam em dar-lhe uma dentada.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Desgraçodontes


Desgraçodonte - animal vocacionado para carpir as suas mágoas como se fossem de todos; por vezes, o pranto é encomendado; muitas vezes incorrem em música de economistas.

De Cardeal a Sacristão



Já foi um delfim de Cunhal. Num apreciável golpe de rins tornou-se no cardeal de Guterres.

Singrou nos negócios como um paquete de luxo.

Tresandou demasiado a laranja, ao revelar uma forte inclinação pela Dama de Cinza.

Foi agora encarregado de dar uma dentada nas canelas do governo do partido a que parece ainda pertencer.

Quem é o padre de tão manhoso sacristão ?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O regresso dos pexistotémicos



O remastigado e dramático Orçamento para 2011 vai ser entregue na AR, mas ainda não foi. Ou seja, verdadeiramente, ainda nem existe.Talvez , por isso, o pexistotémico Crespo, deslizando reptileanamente com sua voz untuosa e o seu sorriso melífluo, rumo ao pexistotémico Duque, uma das novas sumidades laranja, perguntou defimitivo e solene:O que pensais, do alto de vossa imenssíssima clarividência, ó preclaro oráculo das moedas e dos números sobre o próximo Orçamento?
O sábio pexistotémico Duque teve a leve sombra de uma hesitação, em dar uma opinião sobre algo que não existia. Mas qual novo Albuquerque do século XXI, desembainhou a sua coragem e avançou decidido. Reunindo todas as pulsões de adivinhação que ferozmente já o possuíam, olhou para dentro da sua vasta sabedoria e trovejou profunda e gravemente :" É mau !".


Crespo, aliviado, deixou escorrer pelo rosto um sorriso concupisciente de quem já sabia. Duque instalou-se confortavelmente na sua douta e definitiva opinião.Ronronaram-se mutuamente alguns lugares comuns e fulminaram com o seu juízo sólido e arguto um Orçamento que ainda não existe.


Se um verdadeiro cientista os analisasse, como exemplares raros e ousados de uma zoologia futura, só poderia concluir com objectividade que : os pexistotémicos, mais cedo ou mais tarde, acabam sempre por pexistotemizar.

Longe da política - eleições dentro do PS

A propósito das recentes eleições, realizadas nas Federações do PS, em Coimbra, Lisboa e Porto, foram revelados alguns episódios, que embora longe de serem novidade, são factores de forte desprestígio para o partido. E também foram demasiado ostensivos para passarem despercebidos.

Não conheço as reacções dos candidatos que se sentiram prejudicados nas Federações do Porto e de Lisboa, mas sei, pela comunicação social, que o candidato, relativamente ao qual os números difundidos dão como derrotado em Coimbra, vai contestar os resultados apurados e talvez recorrer aos tribunais.

Aliás,estes últimos episódios mostram como tem actualidade o que a moção Mudar para Mudar, apresentada no Congresso Nacional do PS de 2009, de que fui um dos subscritores, defendeu a propósito das eleições internas no PS.


Começava por sustentar que: “É necessário e urgente aprofundar a democracia interna do PS, abrir o partido à sociedade e modernizar as suas estruturas, práticas e imagem,..”. E mais adiante defendia expressamente a: “Instituição de regras e meios de transparência nas eleições internas, que assegurem condições de de­mocraticidade efectivas, com igualdade para todos os candidatos e pesadas sanções disciplinares para as irregularidades processuais, as pressões e expedien­tes ilegítimos” .

E, detalhando um pouco mais o que defendia, acrescentava: “No segundo plano, situa-se o imperativo de aper­feiçoar a democraticidade e a transparência de todas as eleições internas do PS. Aperfeiçoamento da democratici­dades, cujo sentido pode ser dado, a título de exemplo, e como exigências mínimas, através de duas ou três regras.
A primeira regra a fixar deve ser a do financiamento interno das campanhas ser da responsabilidade do próprio Partido, de modo a que nenhum candidato possa investir na campanha dinheiro seu, ou que lhe tenha sido dado pes­soalmente.
No mesmo sentido, os órgãos executivos do parti­do estarão obrigados a ser neutrais nas disputas internas, cabendo-lhes organizar todas as sessões de esclarecimento dos candidatos, as quais só poderão realizar-se com a pre­sença de representantes de todas as candidaturas concor­rentes.
Por último, deverão ser instituídos mecanismos de controle e aplicar sanções disciplinares a membros do PS responsáveis por qualquer tipo de pressão sobre os militan­tes para lhes condicionar o sentido de voto, bem como por irregularidades processuais ou tentativa de trocar favores por votos.”


Muitos dos que, olimpicamente, ignoraram as posições que então defendemos, tratando-as como coisas menores, sentiram agora na pele as consequências da sua não adopção. Muitos dos que despercebidamente no passado adoptaram procedimentos equivalentes, beberam agora do cálice que antes deram a beber.


Mas, ao contrário do que podem alguns pensar, uma mão, neste caso, não lava a outra. Pode ter ganho A ou B, por um voto, por 46 ou por 150, mas quem perdeu um pouco mais da sua credibilidade foi o PS no seu todo. E não se iludam, o que antes era engolido em silêncio tende a deixar de o ser, o que antes era admitido constrangidamente vai cada vez mais deixar de o ser, o que antes azedava um pouco vai azedar mais.


E nem sequer está apenas em causa a legalidade e a conformidade com os estatutos, embora o seu respeito completo não possa deixar de ser exigido. O que está em causa, primariamente, é a indecência de certos comportamentos, que não apareceram como novidade nestas eleições, mas nem por isso são menos censuráveis.


Uma coisa é certa: todas as pequenas falcatruas, todas as habilidades dirigidas à simples captação de votos, todas as pressões sugerindo troca de votos por favores, todas as pequenas e grandes parcialidades das estruturas formais do partido, são uma negação peremptória da ética republicana. E a retórica empolada que proclame, grandiloquente, uma teoria que desconsidera, radicalmente, na prática, seria apenas ridícula, se não pudesse vir a ser trágica.

domingo, 10 de outubro de 2010

O Visconde Cortado ao Meio


Em Coimbra, os socialistas foram a votos. Misturando a evidência fria dos números, com o teor da sua relativização, por alegações que a perturbam, e pensando no Congresso federativo, a vitória que se desenha, sendo provável, ainda sofre de um ligeiro perfume de incerteza.

Vitória que , para conforto do seu principal rosto, espera o seu próprio robustecimento político, para o que precisa de ser reconhecida como legítima, por quem terá sido vencido. O tempo dirá se vai ser fácil.

No imediato , simbolicamente, a Federação de Coimbra do PS faz-me lembrar o célebre romance de Italo Calvino: " O Visconde Cortado ao Meio ".

sábado, 9 de outubro de 2010

Brasil - a esperança à procura de uma cor


Contra o que eram as expectativas dominantes e o que indicavam as sondagens, Marina Silva atingiu quase 20% dos votos na primeira volta das eleições presidenciais brasileiras. Terceira classificada, oriunda do PT, que ajudou a fundar, e onde militou durante décadas, sai desta primeira volta como a arma mais poderosa da direita brasileira para levar Serra à vitória e como a ameaça mais séria a uma possível vitória de Dilma, a candidata da continuidade de Lula, a candidata da esquerda.

Marina saiu do Governo de Lula insatisfeita com o que considerou ser um excesso de descaso pelas preocupações ambientais. Mais perto das actuais eleições, saiu do próprio PT, que notoriamente iria seguir Lula e escolher Dilma como a sua candidata, para ela própria poder ser candidata presidencial. Por isso, se acolheu a um partido (Partido Verde), que teve Ministros nos Governos de Lula, cuja natureza se harmonizava, pelo menos na aparência, com o núcleo central da identidade política de Marina, as preocupações ambientais.

Mesmo beneficiando do efeito-Marina , os Verdes tiveram uma prestação modesta: nenhum Governador eleito, nenhum Senador, 15 deputados ( em mais de 500). Deste modo, parece poder dizer-se que uma boa parte dos votos recebidos pela candidata são muito mais dela do que do PV, aliás, a única força política que a apoiava oficialmente.

Se podemos dizer que os outros dois candidatos eram apoiados por duas coligações que, embora heterogéneas, representavam a dicotomia esquerda – direita, pela marca hegemónica de cada uma delas, também os eleitores de Marina parecem repartir-se entre os que se sentem mais próximos de Serra e os que se sentem mais dentro do universo Lula. O PV irá tomar uma posição, Marina também e pode não ser coincidente. O respectivo candidato à vice-presidência , um empresário “verde”, já declarou neutralidade.

Marina começou por procurar ser uma candidata rebelde dentro do “lulismo”, centrada numa agenda “verde”. Procurou depois ser um antídoto da bipolarização entre os outros dois candidatos, afirmando-se coma personificação de um estranho “nem esquerda-nem direita”. Distanciou-se da campanha suja contra Dilma, promovida pela direita mediática e pelo desespero dos “serristas”, mas terá lucrado com ela. Conseguiu construir uma imagem de quem valoriza o combate de ideias e o debate programático, em detrimento da voragem dos ruídos propagandísticos, que, de algum modo, conseguiu colar às outras candidaturas, ou que elas próprias permitiram que fosse mais evidente.

Uma leitura rápida da marcha das sondagens nos últimos meses, em conjugação com os resultados, sugere que no eleitorado de Marina, quase 20 %, se reparte em três tendências: os que seguirão a posição que a direcção do PV vier a tomar, os que seguirão a posição de Marina e os que tomarão uma posição independente do facto de terem votado em Marina. Três posições estão em cima da mesa: apoiar um dos candidatos, ou não apoiar nenhum. Marina está a tentar transformar o seu dilema eleitoral num debate programático potenciador das suas posições. Cada um dos candidatos que disputa a segunda volta ( Dilma e Serra) está a procurara conquistar os eleitorado de Marina Silva.

Os 14% de vantagem de Dilma sobre Serra são um avanço apreciável, mas não chegam aos 19% de Marina. Não há um vencedor certo, embora Serra dificilmente possa recuperar. Com novos pretextos, a campanha suja contra Dilma continua. O fantasma do golpismo “udenista” paira ainda no espírito da direita brasileira, como uma tentação a que não resiste, quando lhe crescem as aflições, por mais modernos e sinceramente democráticos que possam ser alguns dos os seus actores principais. Lula vai ter que arregaçar as mangas. A derrota da sua candidata congelaria o Brasil e seria, decerto, à escala mundial, um arrepio da esperança.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

5 de Outubro - homenagem à República



Se tivesse vivido em 1910, teria sido para mim uma honra ter tido o discernimento e a coragem de ter estado na Rotunda, arriscando tudo pelo sonho da República.


Cem anos depois, agradeço, sem distinções, a todos os que durante anos e anos, até ao 5 de Outubro, no 5 de Outubro e depois, se bateram sem cálculo pela República que haviam inscrito no que sonhavam.


Mas agradeço, ainda mais, com emoção, aos que estiveram na Rotunda, o local certo na hora exacta, oferecendo sem condições a vida, apenas como se repirassem inteiros. Essa verticalidade tão completa abriu-nos afinal a porta de novos tempos, de uma maneira muito mais decisiva do que aquilo que alguma vez pensaram.


Podiam não ter estado lá, podia não ter sido preciso que estivessem. Mas foi preciso que estivessem e estiveram.


Não nos deixaram um futuro perfeito. Mas disseram-nos, com clareza e sem ambiguidades, simplesmente: "Levantem-se, quando for necessário. E, quando se levantarem, fiquem de pé !"

domingo, 3 de outubro de 2010

Pala além de uma sondagem: desafios e bloqueios.


1. O Expresso de ontem difundiu os resultados e uma sondagem que reflecte já o modo como os portugueses reagiram, pelo que toca às suas intenções de voto, às últimas medidas de contenção, anunciadas pelo Governo do PS.
O PSD fica no 1º lugar com 35% das intenções de voto, logo seguido pelo PS com 33%. Isto significa que o PSD desceu 0,8% em comparação com o mês anterior e o PS, 3%. Em pesquisa feita, também pela Eurosondagem, no mês passado, o PS dispunha de uma vantagem tangencial de 0,2% sobre o PSD.
O CDS, pelo seu lado, ficou em último lugar , entre os cinco partidos parlamentares, com 7%, o que significa um recuo de 1,4%, em face do mês anterior.
A CDU, subindo 2 % , atingiu os 9,7%, enquanto o BE chegou aos 9,3 % por ter subido 2,2 %.
Se olharmos para este conjunto de números, facilmente podemos constatar que a direita (PSD+CDS) chegou aos 42 %. É um número que, em si próprio, não é tão mau como isso, mas que sofre da enorme fragilidade de estarem distribuídos pelos três partidos que lhe são exteriores ( PS+CDU+BE) 52% das intenções de voto.
Basta olharmos para o presente, para vermos que esta maioria, sendo numericamente real, está desprovida de qualquer possibilidade de uma expressão política conjunta que se traduza num exercício de poder estável e dotado de um mínimo de coerência.
Mas também podemos compreender sem esforço, que um governo de direita que tivesse contra ela esses 52% dificilmente seria sequer empossado. De facto, essa hipótese só se poderia colocar se o PSD viesse a desempenhar um papel central no derrube do actual Governo do PS. Ora, nesse caso , será enormemente irrealista pensar-se que depois de ser afastado do Governo pelo impulso determinante do PSD, o PS lhe correspondesse, abrindo-lhe uma porta que poderia manter fechada. E nem seria então caso para se invocar, como condicionante das posições do PS, uma altruísta preocupação com um hipotético interesse nacional, uma vez que só se teria chegado a uma tal dificuldade, se o PSD tivesse antes secundarizado, por completo, esse interesse. Seria, na verdade, o cúmulo da hipocrisia política e do irrealismo que se pedisse ao PS para ajudar o PSD numa dificuldade que só surgira, porque antes o PSD recusara ao PS o que agora lhe vinha pedir.
O PSD tem, portanto, enormes dificuldades tácticas e nenhum sinal positivo em termos estratégicos, perante um xadrez político em que seja esta a relação de forças.
Mas o PS que, no plano táctico, tem o desafogo simétrico do sufoco do PSD, não deixa de ter o ónus da principal responsabilidade em resolver os problemas da governação num contexto difícil, não podendo também ignorar a sombra ameaçadora de importantes dificuldades no plano estratégico.

2. Na verdade, o PS dispõe apenas de pouco mais do que 60% do conjunto das intenções de voto da esquerda, o que significa que os potenciais eleitores dos outros dois partidos rondam os 40 % desse conjunto de eleitores. Se a tendência subjacente à evolução das posições do eleitorado, reveladas pela sondagem acima comentada, se mantiver, as dificuldades sentidas por uma boa parte do povo de esquerda, em face das medidas que são assumidas pelo actual Governo, embora não reforcem a direita , podem reforçar as outras esquerdas.
Ora, se a relação de forças, reflectida pelos resultados que estamos a comentar, já cria enormes dificuldades de manobra ao PS, a subida dos outros partidos de esquerda acima dos 20%, principalmente se for acompanhada por uma descida equivalente do PS, pode criar-lhe dificuldades muito mais severas. Valorizar este risco estratégico, em conjugação com o seu comportamento como partido de um governo que é vítma de condicionamentos e estados de necessidade incontornáveis, no essencial exteriores à sua esfera de poder, é actualmente um imperativo central da sua política.
De facto, o desfasamento continuado entre as necessidades e aspirações estruturantes do interesse social das camadas da população que, vivendo fundamentalmente do seu trabalho, são excluídos, explorados e desfavorecidos, pelo exacerbar da deriva neoliberal ou pelo seu arrastamento, e as práticas institucionais e políticas das forças partidárias em que historicamente essas camadas sociais se reconhecem, é um terreno minado de imprevisíveis consequências.

Uma força política que protagonize na sua acção, continuadamente esse desfasamento, especialmente se o seu protagonismo institucional se traduz no exercício do poder de Estado, corre o risco de romper o elo de identificação histórica estrutural que a une à sua base social, podendo converter-se numa força residual incapaz de desempenhar o papel que antes desempenhava. E nem se está a pretender discutir aqui o acerto ou o erro de medidas tomadas , mas a frustração social continuada dos muitos desfavorecidos que deixem de ver na acção do seu partido um meio para trazer um pouco mais de justiça e desafogo às suas vidas difíceis. Neste plano, o PS tem pela frente um risco estratégico efectivo que seria suicida continuar a menosprezar.
Quanto aos outros partidos de esquerda, eles podem criar a ilusão de que as dificuldades estratégicas do PS se repercutem necessariamente em recursos estratégicos postos ao seu dispor, numa lógica linear de vasos comunicantes. Estão enganados. Se as coisas chegassem ao ponto dramático de um desastre estratégico do PS, ficaria cruamente à luz do dia o facto, hoje ignorado, de que quer o BE, quer o PCP, têm como horizonte um futuro que já não existe ou, quando assim não for, seguem um caminho cujo futuro não sabem imaginar. Reagem muitas vezes às diculdades presentes com decisão, lutam com vigor e denunciam com mérito em muitas circunstâncias, mas caminham verdadeiramente num trajecto sem saída. Vivem, em gande parte, das imperfeições do PS no modo como trilha o seu caminho. Um caminho percorrido com muitas falhas e hesitações, por vezes sem brilho, com lentidão até, mas que é o único que realisticamente nos pode levar ao futuro, se o percorrermos. Todavia, não nos iludamos: se esse caminhante colectivo se afundasse, ficariam de súbito expostos à obrigação de serem esperança identificável os caminhos do BE e do PCP. E então rapidamente ficaria claro que para esses caminhos já não há horizonte.
Por tudo isso, sendo certo que a direita em Portugal só nos pode oferecer futuros de repetição cinzenta das dificuldades presentes, cabe à esquerda ser alavanca para se voltar à esperança. Como? Não sei. Mas sei que o primeiro passo está em todas as esquerdas percebam que têm um difícil problema estratégico para resolver, que os envolve a todas, embora a cada uma de sua maneira; e que sintam que o problema de cada uma delas , embora em menor grau, é também um problemas das outras.
Tudo isto pode ser lido nos resultados da sondagem comentada, talvez porque, no fundo, tudo isto esteja escrito na sociedade em que vivemos.