domingo, 28 de julho de 2019

As pétalas do tempo


Em Braga, na Universidade do Minho, em abril passado, o Alberto Martins, o Celso Cruzeiro e eu, participamos numa conversa sobre a crise universitária de Coimbra de 1969. Uma conversa sobre o futuro.


quarta-feira, 24 de julho de 2019

Deslize ou sinal ?



Numa estação televisiva, o advogado sindicalista dos motoristas de matérias perigosas desferiu ontem um inusitado ataque ao Governo, ao arrepio do tom cordato de relacionamento que tem predominado nas relações entre o Governo e os parceiros socais envolvidos.Terá isso sido apenas um deslize circunstancial ou será afinal um sintoma e um sinal ?

É cedo para o sabermos sem margem para dúvidas. Mas é legítimo que nos interroguemos, perante o que ouvimos e tendo em conta o modo como toda esta luta surgiu, se desenvolveu e foi preparada, sobre se ela é apenas corolário objetivo de reivindicações e aspirações dos motoristas envolvidos acicatadas pela conjuntura. Não será também um aproveitamento desse descontentamento, para visar objetivos políticos gerais bem definidos e cuidadosamente ocultados?


Objetivos que, diga-se desde já, a existirem nada têm de democrático, objetivos que a existirem em última instância e a longo prazo seriam também contrários ao interesse dos próprios trabalhadores envolvidos.

Como acima disse, a diatribe anti-governamental do advogado sindicalista não é suficiente para se poder ter como certo esse desvirtuamento da luta. No entanto, não deixa de nos alertar para a possibilidade de haver uma agenda política oculta que transcende as razões da greve publicitadas.

Os acontecimentos futuros vão certamente mostrar até que ponto se justifica esta desconfiança.

Conta Satélite da Economia Social 2016

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sexta-feira, 19 de julho de 2019

EUROPEEMOS



Europeemos.

Políticos, euro -filósofos, bruxelo -jornalistas, pensadores mais ou menos graves, mais ou menos ligeiros, chegaram aos magotes. E encheram o espaço mediático de tudo aquilo que se esperava que dissessem sobre a eleição de Úrsula para timoneira do perturbado barco europeu. 

Embrulharam-se em esotéricas elucubrações sobre o jogo de xadrez político ente conservadores,  liberais e socialistas democráticos, tendo sabiamente concluído que ninguém sofreu xeque-mate. Aos outros grupos, verdes incluídos ainda circunspectamente, foi deixado o irrequieto papel de chamarem nomes aos árbitros, se é que os houve, e de cometerem uma ou oura pedrada civilizada contra os participantes no jogo.


Úrsula escapou à guilhotina por uns modestos nove votos. Com que alegria passou a mão pelo pescoço! A tropa fandanga que assola a comunicação social continuou fiel às melodias instituídas. Pelo seu lado, desamparada, a sombra do que de facto se passou vai mirrando em desespero . 


Mas num último assomo não resistiu e disse-me:
“ Quem salvou o lindo pescoço de Úrsula da guilhotina foram os catorze votos a seu favor dos alucinados populistas italianos do Movimento 5 Estrelas”. 


Respondi-lhe: "de facto, sem os votos dos sócios maioritários do atual governo italiano, no qual pontifica o infrequentável Salvini, Dona Úrsula tinha ido à vida. Ou seja, como se vê, está sólida a Europa…"

quinta-feira, 18 de julho de 2019

AS LISTAS DO PS ─ um drama virtuoso?




AS  LISTAS DO PS ─ um drama virtuoso?

1. Estamos em pleno drama da constituição das listas de deputados no PS. O desenlace será certamente aplaudido, seja com o vigor do entusiasmo incontido, seja com o choque ligeiro das mãos desanimadas

Quem valorize a memória de dramas anteriores, uns mais intensos outros mais ligeiros, calculará por certo que dificilmente se atingirá no panorama geral um nível de desastre, sendo certo, no entanto, que é improvável que se justifique um clamor de júbilo. Que fiquemos mais perto do júbilo do que do desastre é o discreto desejo dos socialistas. E o que é válido para o conjunto das listas ocorre também naturalmente com cada uma delas, preocupando-se decerto cada um de nós,  em especial, com a da sua federação.

Afastado das instâncias onde mais sistematicamente se tece o destino, desconheço se já há verdadeiramente esboços criveis de futuras listas, se há e com que protagonistas competições ferozes. Tenho-me é certo apercebido, como cidadão atento, do esvoaçar de alguns nomes pelo espaço público. Uns parecem vocacionados para nos fazer sonhar, outros quase nos assustam. Entre o sonho de sonharmos e o risco de nos assustarmos, esperamos. Sendo certo, deve dizer-se, que provavelmente aquilo que faz uns sonhar assusta outros. Este dilema não pode evitar-se, mas há um caminho para lhe retirar dramatismo, a democracia.

É um caminho que, em tonalidades diversas, muitos têm vindo a propor há muitos anos. Já houve mesmo algumas experiências auspiciosas. Não há tempo na conjuntura atual para o percorrer desta vez. Mas sendo inviável percorrer-se o melhor caminho, não fica legitimado a indiferença quanto à qualidade da via que for escolhida. A impossibilidade circunstancial da perfeição não pode abrir a porta à banalidade da imperfeição.


2. E uma das imperfeições que não deve aceitar-se é a de não se respeitarem as regras que forem fixadas. Vale a pena, por isso, revisitar os critérios instituídos para a escolha dos candidatos a deputados pelo PS.

2.1. Nos termos do nº 5 do art.º 67 dos Estatutos do PS : “A Comissão Política Nacional, sob proposta do Secretário-Geral, tem o direito de designar candidatos para as listas de Deputados à Assembleia da República, tendo em conta a respetiva dimensão, indicando o seu lugar de ordem, num número global nunca superior a 30% do número total de deputados eleitos na última eleição em cada círculo eleitoral.” Ou seja, no caso de Coimbra, tendo o PS eleito 4 deputados, a CPN pode indicar um candidato que deverá ser o cabeça de lista, em virtude dos critérios recentemente explicitados na CN. A escolha de todos os outros candidatos é da competência da Comissão Política da Federação Distrital.

No entanto, esta competência não é livre, já que o número imediato do mesmo artigo diz: “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os processos de designação dos candidatos a titulares de cargos políticos ocorrem de acordo com os critérios e as metodologias estabelecidos em orientação aprovada pela Comissão Nacional.”

Pelo que a Comissão de Federação faz as suas escolhas, de acordo com um juízo político que é seu, mas tem de respeitar os critérios globais,  previamente instituídos pela Comissão Nacional. Se o não fizer, fica sob a alçada do disposto no número seguinte:” Quando a Comissão Política Nacional considerar que uma lista de candidatos a Deputados à Assembleia da República, aprovada em Comissão Política da Federação, não cumpre os critérios e/ou as metodologias estabelecidos no número anterior, pode, por maioria dos membros em efetividade de funções, avocar a deliberação relativa à composição da lista.”


 2.2. Situado num plano hierárquico inferior, há também que considerar o “Regulamento eleitoral interno e de designação de candidatos a cargos de representação política”. Ele confirma, como não poderia deixar de ser, o disposto nos Estatutos, mas especifica o modo de o concretizar. Eis o que dispõe o seu Art.º 17 sobre a designação dos candidatos a Deputados à Assembleia da República”:
1.     Compete à Comissão Política da Federação de cada círculo eleitoral aprovar a constituição da lista de candidatos a deputados à Assembleia da República.
2.     O procedimento de designação da lista de candidatos, sujeito sempre à observância dos critérios objetivos formulados pela Comissão Política Nacional, é feito nos seguintes termos:
1.     Apresentação prévia de candidaturas, fundamentadas e individuais, ao Secretariado da Federação, devendo este dar conhecimento destas candidaturas à Comissão Política da Federação;
2.     Apresentação de lista para votação em reunião da Comissão Política da Federação, sob proposta do Secretariado da Federação;
3.     Decorridos 5 dias após a votação referida na alínea anterior ou esta se converte em definitiva ou há lugar a nova deliberação se, nesse prazo, for proposta uma lista alternativa, cuja propositura seja subscrita cumulativamente por 10% dos militantes da Federação com capacidade eleitoral, um terço dos membros da Comissão Política da Federação e com observância dos critérios objectivos formulados pela Comissão Política Nacional;
4.     No caso previsto no final da alínea anterior as listas são colocadas à votação de todos os militantes com capacidade eleitoral inscritos na respectiva Federação.
3.     A Comissão Política Nacional, sob proposta do Secretário-Geral, tem o direito de designar candidatos para as listas de deputados, tendo em conta a respectiva dimensão, indicando o seu lugar de ordem.”

Como se vê o Regulamento consolida o disposto nos Estatutos, acrescentando-lhe apenas um pequeno roteiro procedimental e regulando a hipótese de vir a surgir mais do que uma proposta de lista. Nada traz de novo relativamente à repartição de competências entre os órgãos nacionais e federativos.

 2.3. Por último, percorramos os Critérios para a escolha de candidatos a deputados nas próximas eleições legislativas”, aprovados na Comissão Nacional, sob proposta da Secretária-Geral Adjunta do PS, Ana Catarina Mendes.

De acordo com o testemunho  de camaradas que participaram nessa CN, os critérios aí aprovados sublinharam o conteúdo de algumas disposições estatutárias e deram relevo a algumas recomendações específicas.

Foi assim explicitada a competência da CPN para, sob proposta do Secretário-Geral, escolher até 30% dos candidatos que, no respetivo círculo, tenham sido eleitos nas eleições legislativas anteriores. No âmbito dessa competência, é reservada ao SG a faculdade de designar os cabeças de lista. As regiões autónomas estão excluídas destas regras.

Em cumprimento da lei, impõe-se que, no ordenamento dos candidatos, não possam suceder-se três do mesmo sexo. Estatui-se também que as listas devem envolver necessariamente uma representação diversificada da sociedade portuguesa, com destaque quer para o plano profissional, quer para o geracional. É imperativo ouvir-se a propósito das listas quer a Juventude Socialista, quer as Mulheres Socialistas.

Na escolha dos candidatos valoriza-se a representatividade territorial. Essa valorização é calibrada com base no peso relativo dos espaços que integram cada círculo eleitoral, em cuja determinação tem especial importância a distribuição do peso eleitoral do PS. Na escolha em causa, valorizam-se naturalmente as exigências da ação política, no âmbito da qual se dá relevo ao contributo esperado de cada um para a coesão da candidatura, bem como para a difusão e para o cumprimento do programa eleitoral e de Governo do PS.

Por fim, foram tidos em conta autonomamente dois tópicos. Por um lado, enunciaram-se os aspetos da atividade dos deputados cessantes que devem ser tidos em conta para a eventual decisão de os recandidatar. Por outro lado, foi expressamente mencionada a subscrição de um compromisso ético a que todos os candidatos estão obrigados.

Foram estes os critérios realmente aprovados na CN, sendo por isso os únicos em vigor. Não cabe no espírito deste texto avaliá-los criticamente, avaliar a sua completude, a sua clareza, o seu acerto. É a eles, bem como evidentemente aos Estatutos e ao Regulamento Eleitoral, que têm que obedecer as Comissões Políticas Distritais no exercício das suas competências nesta matéria; o mesmo acontece com o Secretário-Geral e com a Comissão Política Nacional. Todos dispõem dos poderes que expressamente lhes são conferidos, ninguém dispõe de poderes livres que possa exercer arbitrariamente.


3.A constituição de uma lista de candidatos a deputados é um processo complexo, cujos resultados podem ser avaliados por diversos prismas. Embora nem todos tenham a mesma importância, nenhum pode ser desvalorizado por completo. A lista tem que ser eleitoralmente competitiva, sendo neste plano naturalmente relevante a qualidade e o impacto do cabeça de lista. Será desejável que essa competitividade se radique principalmente no prestígio cívico, político, intelectual e profissional dos candidatos.

 Na verdade, para além do desejado efeito imediato, desse modo os deputados que vierem a ser eleitos serão, durante o mandato, uma provável fonte permanente de prestígio para a Federação em particular e para o Partido em geral. Por outro lado, tenderão a potenciar a qualidade do exercício da sua função de deputados, valorizando o trabalho parlamentar no seu todo e robustecendo a importância política da Federação a que pertençam. Se tiverem um protagonismo parlamentar forte e exercerem um mandato em ligação permanente com sua Federação poderão ser um importante recurso político no enraizamento social e político do Partido e no seu reforço no distrito e no país.

Ou seja, muito simplesmente, uma boa lista de candidatos será sempre algo de bom e de estimulante, pelo que não é aceitável que prevaleçam jogos de pequenos sonhos e longas carreiras, paroquialismos de grupo, sobrancerias lisboetas. É claro, que a capacidade de trabalho e de reflexão políticos, a militância persistente e responsável, a disponibilidade para o trabalho político quotidiano, não podem ser desconsideradas. Mas o que está aqui  em causa deve ser  muito mais do que um jogo de ambições individuais, ainda que compreensíveis e legítimas.  O que está aqui em causa é o imperativo de contribuirmos realmente como Partido para  caminharmos para uma sociedade mais justa e mais livre. Nesse combate evidentemente que os deputados não são tudo, mas vão ocupar uma instância muito importante que em certos casos pode ser decisiva.






sexta-feira, 12 de julho de 2019

A relação de forças resultante das eleições legislativas na Grécia





A relação de forças resultante das eleições legislativas na Grécia

1. Vale a pena revisitar-se o resultado das recentes eleições legislativas ocorridas na Grécia, para se chegar a uma ideia precisa do modo como o conjunto dos eleitores realmente se pronunciou. O alarido dos grandes títulos e a vozearia televisiva, tendo dito alguma coisa, não disseram tudo.

Sem dúvida que o  resultado dessas eleições foi uma vitória nítida da direita clássica, a Nova Democracia, traduzida numa maioria absoluta de 158 deputados num parlamento de 300. Recordemos, no entanto, que o sistema grego de distribuição de mandatos implica um bónus de 50 lugares para o partido mais votado. Nas eleições anteriores o Syriza fora o partido beneficiado. Desta vez, a vantagem coube à Nova Democracia. Pode discutir-se a bondade do sistema, mas não é questionável a legitimidade do poder assim atribuído ao partido agora vencedor, como o não foi a do Syriza, quando beneficiou de um bónus semelhante.

Isso não impede que se valorize o significado político do apoio social realmente conseguido por cada partido, tendo em conta os votos obtidos e os deputados conquistados, antes da atribuição do bónus. O número total de lugares atribuídos aos partidos foi assim de 250. Só têm deputados os partidos que tenham pelo menos 3% dos votos. Isso ocorreu com 7 partidos. Os 39,6% da Nova Democracia outorgam-lhe 108 deputados ; o novo partido de extrema-direita Solução Grega com 3,8% chegou aos 10 deputados. Os 31,6 % do Syriza deram-lhe 86 deputados; o Kinal  ( que integra o antigo PASOK) com 8% teve 22 deputados; o Partido Comunista Grego com 5,4 % teve 15 deputados; e a Diem 25 ( de Varoufakis) com 3,5% chegou aos 9 deputados. Ou seja, a ND mais a extrema-direita  chegaram aos 43,4%, a que corresponderam 118 deputados, enquanto as várias esquerdas que elegeram deputados atingiram 48,5% dos votos a que corresponderam 132. A Nova Direita teve 2.251 411 votos; um novo partido de extrema -direita chegou aos 208. 805; os quatro partidos de esquerda somados atingiram 2.732.517 votos ( dos quais 1 781 174 votos no Syriza). Esta é a relação de forças real, antes do bónus dos 50 deputados.

Ou seja, os votos realmente entrados nas urnas traduziram uma preferência pelo conjunto das esquerdas , mas o sistema eleitoral grego transformou essa preferência numa vitória estrondosa de um dos partidos da direita. A legitimidade jurídico-política do novo governo é inquestionável, mas não anula o facto de haver uma maioria de eleitores que lhe é adversa.


2. O significado político destes resultados ficará mais nítido se os compararmos com os de 2015. Neste ano houve na Grécia duas eleições legislativas, umas em janeiro, outras em setembro. Nas primeiras, o Syriza foi, pela primeira vez, o partido mais votado. Tendo assim direito ao bónus de 50 deputados, atingiu os 149 mandatos o que o deixou a dois lugares da maioria absoluta. Aliou-se com um pequeno partido nacionalistas de direita (Gregos Independentes), tendo a coligação passado a ter a necessária maioria absoluta.

Divergências ocorridas no seio do Syriza, fizeram com que A. Tsipras se demitisse, provocando novas eleições, que tiveram lugar em setembro de 2015. Em relação às eleições anteriores, o Syriza  perdeu 0,8% ( menos  4 deputados ). Os Gregos Independentes foram mais penalizados, mas ficaram com lugares suficientes para que, somando-os aos 145 deputados do Syriza, a maioria parlamentar favorável ao governo se mantivesse, até às recentes eleições.

Se comparamos os resultados das duas eleições de 2015 entre si e com os de 2019, podemos verificar que, entre janeiro e setembro de 2015, o Syriza, mesmo tendo perdido apenas 4 deputados, viu fugirem-lhe 321.160 eleitores, dos quais 155.242 terão provavelmente transitado para uma cisão de esquerda que então sofreu , a da  Unidade Popular, a qual no entanto não elegeu deputados. Já relativamente aos resultados de setembro de 2015, pode ver-se que nestes quatro anos o Syriza perdeu 9 deputados (sem contarmos com o bónus dos 50 lugares que antes teve, mas agora não), o que  correspondeu a uma perda de 3,9 %, traduzida em 143.730 eleitores. Foi uma derrota, mas não foi um desmoronamento, devendo lembrar-se a pressão enorme que a Grécia sofreu durante esse período, suscitando grandes sacrifícios para o povo grego e causando naturalmente um forte desgaste, tal como teria ocorrido com  qualquer governo que estivesse me funções.

Pode também recordar-se que o Syriza teve, em 2009, 4,6% dos votos; em 2012, houve eleições em maio e em julho, tendo o Syriza atingido 16.8% na primeira e 26,9 % no mês seguinte. Foi em 2012, que pela primeira vez o Syriza ficou á frente do PASOK, tendo em ambos os casos ficado relativamente perto do partido mais votado , a Nova Democracia. Este historial permite avaliar melhor a dimensão da derrota sofrida pelo Syriza nas recentes eleições.

Na verdade, a vitória da Nova Democracia foi mais o resultado da sua capacidade para absorver o eleitorado da direita e do centro do que o reflexo de um esvaziamento do Syriza. A Nova Direita subiu nestes quatro anos 11%, o que correspondeu a 725.000 eleitores. Esse aumento refletiu certamente também o desaparecimento de O Rio, um partido moderado, e a queda abrupta da União Centrista, que em conjunto representaram cerca de 300.000 eleitores. Na extrema-direita, os votos perdidos pela Aurora Dourada (agora não elegeu deputados) quase correspondem à votação que teve a Solução Grega, partido de direita radical que agora entrou no parlamento grego.


3.Deslumbrada com o doce sabor de um castigo ao Syriza e de uma correspondente recompensa a uma direita com perfume  “harvardiano”, a matilha mediática internacional noticiou o resultado eleitoral em causa como um esmagador triunfo dos  virtuosos e como o desmoronamento  irrecuperável dos irrealistas.  Como mostrei, este modo de apresentar o ocorrido não é uma informação esclarecedora e objetiva sobre o que realmente aconteceu, mais se aproximando  de uma deturpação.

Na verdade, como ficou claro a direita só tem maioria absoluta por causa  do bónus inerente ao prémio dado ao partido mais votado, mas mesmo que se lhe juntem os votos dados à extrema-direita, quanto ao efetivo apoio eleitoral  fica bem atrás do conjunto das esquerdas. O Syriza perdeu votos mas conservou no essencial a sua base de apoio, ficando bem acima do seu melhor resultado de 2012. E tudo isso conta na relação de forças que emergiu do ato eleitoral em questão.


terça-feira, 2 de julho de 2019

O estranho fantasma da maioria absoluta





O estranho fantasma da  maioria absoluta

O simplismo jornalístico tecido pelo predomínio dos comentários rápidos, desde há décadas que impregnou a esfera mediática em Portugal com a ideia de que o facto de um partido político pedir uma maioria absoluta numa eleição tinha um significado político substancial. Ou seja, a ideia de que pedir a cada eleitor a maioria absoluta ia condicionar significativamente o seu voto num sentido que fosse favorável ao suplicante.

Se a cada eleitor fosse dada a possibilidade de exprimir a sua opinião sobre a bondade de uma maioria absoluta (hipótese aliás impensável, sendo claro que cada eleitor pode achar bem ou mal que o partido em que vota tenha maioria absoluta, mas seguramente que não achará bem que um partido em que não vota possa dispor dela), compreendia-se que as candidaturas pugnassem ou não pela sua obtenção. Mas como a cada eleitor é apenas dada a faculdade de manifestar a sua preferência por uma candidatura específica, pedir-lhe uma maioria absoluta não faz sentido. Na verdade, não sabendo cada um de nós a opção dos outros, o nosso voto não poder ser condicionado racionalmente pela nossa opinião sobre uma eventual maioria absoluta deste ou aquele partido.

Nada disso impressiona, no entanto, o trôpego pensamento dominante na esfera mediática. Pelo contrário, o fantasma da maioria absoluta transformou-se numa categoria política, usada para temperar os impulsos analíticos de muitos comentadores encartados e, pasme-se, dos próprios porta-vozes formais ou informais de partidos políticos.

Todavia, como a cada suspeito de aspirar à gulodice suprema de uma maioria absoluta é concedida a prudência de a não pedir expressamente, foi emergindo da neblina em causa a desconfiança de que mesmo não sendo pedida ela era afinal claramente sugerida pelos suspeitos. Um sublinhado mais expressivo, um adjetivo mais forte, um sorriso mais matreiro, uma cominação mais enérgica, passaram a ser suficientes para se imputar com segurança a um acusado,  não só o sonho secreto de uma maioria absoluta, mas também a insidiosa ousadia de a sugerir aos eleitores alegadamente desprevenidos. E a discussão da substância das propostas e da agilidade dos protagonistas passou a ser polvilhada com intensidade crescente por um denso filosofar sobre as maiorias absolutas que ora nos acena com previsões luminosas, ora nos mostra pesadelos noturnos. Os mais piedosos chegam mesmo a recorrer ao supremo argumento da ética, ainda que muitas vezes torcida pela insidiosa força das conveniências próprias.

Hoje, reduzido a pó, pela força das cosias, o imprudente desígnio da Dr.ª Cristas de ocupar a cadeira do poder pela força irresistível de uma alegada onda de eleitores distraídos, resta a desconfiança que impende sobre o PS de ruminar no segredo dos seus corredores mais remotos o sonho de uma maioria absoluta. Os filósofos da intriga política, os garnisés circunspectos que cercam o PS, os tenores mais tonitruantes das várias partituras partidárias, analisam meticulosamente o dia-a-dia do PS. Ora mostram como essa maioria absoluta é um sonho impossível, ora denunciam a sua sombra oculta nesta ou naquela medida, nesta ou naquela posição, ora qualificam desde já como derrota uma hipotética vitória do PS que a não alcance.

E, no entanto, essa confusão virtual pode desfazer-se num segundo. Basta que qualquer de nós aplique sem excesso um pouco da sua racionalidade, para que fique claro que este tema, tal como é apresentado, não existe.

De facto, o que é real é que cada partido procure ter o mais vasto apoio eleitoral possível. Não é mesmo concebível que isso não aconteça. Essa ambição é naturalmente calibrada pelos resultados anteriores e pelos estudos de opinião. Não é  impossível, mas não é provável, que um Partido que ronde habitualmente os dez por cento ou mesmo os vinte por cento chegue à maioria absoluta. É mais provável, ainda que naturalmente difícil, que um Partido que se situe frequentemente  acima dos trinta por cento , possa chegar á maioria absoluta. Na atual conjuntura, só ao PS parece possível chegar a esse patamar , ainda que mesmo quanto a ele isso se mostre difícil e até improvável.

Atingir-se essa maioria, no entanto, não vai depender do facto de a pedir ou não pedir, ou da opinião que os eleitores tenham quanto a uma maioria absoluta. Depende da soma das decisões dos eleitores de votarem no PS pela identificação que tenham com a sua política ou pela concordância que lhe mereça a sua governação.

E atingir esse objetivo depende mais da capacidade de o PS suscitar uma identificação mais sólida com a base social que potencialmente tem um interesse objetivo numa política de igualdade e de justiça, ou seja,  com os setores populares  que nele se reconhecem ou podem reconhecer,  do que de eventuais narizes de cera retóricos, aparentemente habilidosos, que possam espalhar-se pelo espaço mediático.