quinta-feira, 22 de julho de 2010

Sofreguidão ?


No festival provocatório desencadeado pelo PSD a propósito da revisão constitucional, há um tipo de intervenções de alguns comparsas menores que me tem deixado perplexo.

Estou a referir-me, principalmente, a certos ataques oriundos das lideranças do BE e dirigidos ao PS. De facto, em vez de se concentrarem no combate às propostas do PSD, procurando aliados, investem contra o PS. E investem, não por se oporem às posições críticas dessas iniciativas que ele já tomou, mas apenas para declararem que desconfiam que o PS faça amanhã o contrário do que hoje diz. Acham que assim solidificam o dique que terá de conter a manobra do PSD? Só se fossem incomensuravelmente ingénuos isso poderia acontecer.

Por isso, me pergunto: são apenas putos que se julgam reguilas, mas que afinal ainda nem sequer cresceram muito? Ou são, politicamente, estúpidos?

Isto, no pressuposto de que, também eles, deveriam querer evitar qualquer distorção do essencial da actual Constituição da República Portuguesa.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Contracapa da Vértice - 40


Vértice nº 289- Outubro de 1967

“A Humanidade nunca ouviu palavras mais nobres do que algumas de Tartufo; mas nunca homem algum produziu actos mais em desacordo com elas “.

José Ingenieros

terça-feira, 20 de julho de 2010

Laranjas azedas


INCURSÕES [http://incursoes.blogs.sapo.pt/] é um blog que visito com regularidade e proveito, pelo que ele é no seu conjunto, naturalmente, mas também por ser o lugar onde nasce com frequência a prosa de um amigo, o Marcelo Correia Ribeiro. Passei por lá mesmo agora e deparei com um pequeno texto assinado por JSC ,"Que mais nos poderá acontecer", que, com a devida vénia, achei imperativo transcrever. Eis o texto :

"O ex- Presidente do BCP, arguido e condenado no processo BCP, ex- Opus Dei, presidente da causa monárquica, aposentado do BCP com uma reforma digna de príncipes, Presidente dos editores e livreiros é a figura que o Presidente do PSD escolheu para presidir à sua comissão de revisão da Constituição da Republica, cuja proposta aparece agora nos jornais. [...]

Com um curriculum destes só poderia sair a confusão (e a preocupação) que se conhece e seguirá em crescendo. Ou será que é mesmo esse o objectivo de Passos Coelho?"

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Jogo perigoso


Estou certo que, subjectivamente, o BE e o PCP não querem ser um instrumento político da direita no combate que travam com o Governo e o PS.


Mas parece-me, objectivamente, cada vez mais inequívoco que os partidos de direita e os analistas que nela, mais ou menos disfarçadamente, se embrulham, integram como simples peças, quer o BE, quer o PCP, no xadrez político com que antecipam as suas estratégias.


Por exemplo, falam em moções de censura, em novas eleições , em queda do governo, como se a decisão essencial, quanto a tudo isso, coubesse apenas aos orientadores do Dr. Passos Coelho, aos estados-maiores dos poderes fácticos, a cujas directrizes, os partidos de direita tão sensíveis costumam ser. Para eles, o BE e o PCP entram nesse jogo como peões, nunca como jogadores. Vão comportar-se como lhes convier.


Gostaria de estar certo de que estão redondamente enganados , estando imprudentemente como que a contar "com o ovo no cu da galinha".


Mas , infelizmente, há um tão arreigado sectarismo anti-PS nas direcções desses partidos, que eu não consigo afastar, por completo, o receio de que, chegado o momento decisivo, realmente, o BE e o PCP, façam passar, à frente de tudo, a sua hostilidade ao PS, deixando-se manobrar como verdadeiras peças de um xadrez, através do qual os poderes da direita e do dinheiro, procurarão dar xeque-mate ao governo e ao PS, quando julgarem que lhes convém.


Se acabar por ser assim, correm, no entanto, um risco suplementar, dado que atrás do tempo, tempos vêm, e as bases sociais do BE e do PCP podem não ficar satisfeitas com as consequências sociais e políticas que esse xeque-mate lhes fará sofrer.

Contracapa da Vértice - 39


Vértice nº 338 – Março de 1972


“Como, corrupta a raiz, não podem rebentar nem frutificar os ramos, assim violada a justiça não pode florescer a paz, nem dar fruto de bem comum”

Frei Amador Arrais (Diálogo V)

domingo, 18 de julho de 2010

Contracapa da Vértice - 38


Vértice nº 287- Agosto de 1967


“Para vencermos, senhores, precisamos de audácia, mais audácia, sempre audácia!”

Danton ( Discursos)

sábado, 17 de julho de 2010

Um Defensor ao ataque


Assisti ontem a uma peça de humor político numa estação televisiva. Apenas me falta saber se o seu autor a protagonizou por ingenuidade ou por manha.


Um deputado do PS, que disse chamar-se Defensor de Moura, veio declarar-se publicamente candidato à Presidência da República. Porquê ? Pelo acrisolado apego a um desígnio de serviço à Pátria? Pelo irresistível impulso para marcar um encontro com a história ? Por um revanchismo incontrolado em resposta ao que julga terem-lhe feito dentro do PS? Por ódio visceral à candidatura de Alegre ? Nada disso. Apenas e só para lutar contra Cavaco Silva, para o impedir de ganhar à primeira volta. Ele não é pois um adversário de Alegre; e uma vez que cooptou surrealisticamente o candidato Nobre para dentro de uma nebulosa de esquerda, também não é um adversário de Nobre.


De facto, algum misterioso oráculo lhe segredou que ele tinha à sua espera o eleitorado do centro-esquerda ansioso por poder votar nele. Milagre assaz curioso o de haver uma grossa fatia do eleitorado à espera de votar em alguém cuja existência ignora. Defensor tenta explicar atirando a Alegre uma pedrada tonta com o ar de quem lhe está a fazer um gesto solidário : como Alegre foi confinado ao eleitorado do BE, o Defensor vem praticar a generosidade de absorver o eleitorado do PS. Se o Defensor tivesse apenas olhado de soslaio uma das reuniões de apoiantes de Alegre, depois de o PS lhe ter declarado apoio, decerto não diria um tal disparate. Nada significam as presenças nessas reuniões? Tem o citado Defensor uma capacidade de captação de eleitores do PS que passa por cima de todos os sinais de apoio institucionalmente dados pelo partido? Porquê ? Por ter no seu currículo a glória da participação nessa operação de combate ao PS que foi o fracassado PRD? Por ter chantageado recentemente o partido de modo a forçar a sua ida na lista de deputados ?


Enfim, estamos seguramente perante uma candidatura tonta. Apenas podendo duvidar-se se estamos perante um ingénuo sincero que se colocou ao serviço de Cavaco; julgando combatê-lo; ou se estamos perante um cavaquista hipócrita que sabe muito bem que vem prejudicar Alegre e afrontar o PS, mas finge-se convencido do contrário.


Se não for aproveitada por alguns pescadores de águas turvas, que costumam agir dentro do PS por entre as pregas da dissimulação, esta candidatura não será mais do que um fogo-fátuo.


Mas já deixou uma sequela inapagável. Foi autarca destacado pelo PS e é actualmente seu deputado, uma figura que se revelou como sendo necessariamente uma de duas coisas: ou é um político de miolo mole que está mesmo convencido de que vem beliscar o Cavaco com a sua absurda candidatura; ou é um "artista" que julga que pode praticar com êxito a hipocrisia política.

Contracapa da Vértice - 37


Vértice nº 291 - Dezembro de 1967

“As lições da realidade não matam o verdadeiro idealista: educam-no”.

José Ingenieros

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Entre o Pavor e a Esperança


Os mais obnóxios professores de economia conhecem a importância da confiança dos actores produtivos no bom andamento dos negócios, no desenrolar positivo da vida económica. Compreende-se, por isso, que um responsável político sublinhe os aspectos da conjuntura que podem ter aspectos positivos e relativize os que podem projectar sombras mais preocupantes.

Ele deve comportar-se como o médico que entusiasma o doente para melhor lutar contra a doença em cooperação com ele e não como o especialista laboratorial que se limite a olhar para a doença como um objecto de estudo. Sem dúvida que para se debelar uma crise é preciso conhecê-la, mas conhecê-la como o médico que precisa de conhecer o doente para o curar e não para que se atinja o ápice do rigor na descrição da crise, para em seguida sermos vencidos por ela. Penso que a posição de Sócrates, quanto à crise, tem sido a do médico que procura vencer a doença e não a do analista que se preocupa mais em descrevê-la do que em combatê-la.

Isso não significa que tenha escolhido o melhor caminho ou , ainda menos, que o seu governo tenha tomado sempre as melhores medidas, bem como não garante que a determinação em combater a crise significa que ela seja vencida. Mas significa que é muito diferente uma oposição que critique caminhos e medidas de um ponto de vista que a coloque também na posição do médico, do que uma oposição que se exceda no rigor da descrição de todas as dificuldades, como se estivesse num laboratório político, menos interessada em cooperar para superar as dificuldades do presente do que em sublinhar uma hipotética certeza de que o governo vai ser submergido pela crise, de que o médico não vai salvar o doente.

Por mim, sinto-me longe de muitas medidas do actual governo, embora pertença à Comissão Política Nacional do Partido Socialista, mas, principalmente, sinto-me longe da aceitação tácita do capitalismo como fim da história, implícita em muitas delas, e pouco conformado com a ausência de políticas de médio prazo que, sendo necessárias, estão fora das agendas clássicas da política habitualmente praticada.

Mas estou ainda mais longe dos outros partidos de esquerda com expressão parlamentar, encerrados na incongruência estrutural de se comportarem como se apostassem num revolução de que já desistiram. Ou seja, de olharem para o PS como se ele fosse o “menchevismo” em face de um “bolchevismo” que sonhassem ser, mas que já não quer tomar o poder pela violência. Esquecem que esse olhar é hoje uma cegueira, não só porque cem anos conduziram a realidade para novos problemas, mas também porque o tempo se encarregou de colocar ambos na prateleira dos vencidos. Novos problemas dentro ainda do capitalismo, uma vez que nem a via “menchevista” nem a via “bolchevista” o conseguiram vencer, tendo-se até assistido à reabsorção pacífica desta última pelo sistema, num país tão importante como a China.

Como disse, noutras circunstâncias, reconheço que, se formos severos na avaliação do comportamento do PS, podemos dizer que ele vai, por vezes, aos trambolhões, coxeando, parando, caminhando mal, num caminho apesar de tudo aberto ao futuro. Pelo contrário, mesmo que sejamos suaves na apreciação do comportamento do PCP e do BE, não podemos deixar de constatar que por mais decidida e sem falhas que seja a sua marcha, por mais perfeita que seja a sua luta, eles marcham enérgicos num beco sem saída.

Quanto aos partidos da direita, não há entre mim e eles uma distância maior ou menor, uma vez que, pura e simplesmente, eu estou do outro lado.

Tudo isto vem a propósito do debate sobre o Estado da Nação. O governo defendeu-se como um exército cercado, com a crispação inerente a quem está nessa posição, mas com a irritação suplementar de quem sente que a turba que os flagela, cercando-os, não quer verdadeiramente que eles saiam do castelo, sendo ainda improvável que toda ela se entenda, de modo a poder vir a ocupá-lo em cooperação.

As oposições limitaram-se a pedradas previsíveis e repetitivas, fazendo com que algumas delas passassem por cima do PS e raspassem pelas outras oposições.

O PP, pela voz do seu especialista em submarinos, propôs um insólito governo PS, PSD, CDS, sob a cominação do Dr. Paulo Portas de que o Primeiro-Ministro não seria Sócrates. O episódio foi enterrado nos minutos seguintes pelas reacções dos outros envolvidos. Mas nós devemos reter o descaramento desta nossa direita que, cansada de perder eleições, descobria assim a maneira simples de ser maioritária, dentro de um governo saído de uma eleição em que os eleitores a tinham posto em minoria. O apego à democracia de uma boa parte dela ficou bem ilustrado pelo quase meio século de salazarismo, mas não deixa de ser sintomático que por debaixo do verniz seráfico das circunstâncias continue em dormência o enviezamento anti-democrático.

O deputado Macedo pelo PSD foi excessivamente arrasador. Levando tudo na frente das suas catilinárias, enfraqueceu a verosimilhança do seu próprio discurso, acabando por se arrasar a si próprio. Se o que disse estivesse certo, o PS nas últimas eleições em vez de ter sido o partido mais votado, não tinha tido um único voto para além dos seus candidatos e dos seus dirigentes. Larga distância pois, entre a vozearia do deputado laranja e a realidade. Mas, pior do que isso, o inefável arauto do “reaganismo” de segunda geração, também censurou ao PS todas as sequelas sociais que, independentemente dos governos, são uma parte do preço que os próprios sequazes do capitalismo reconhecem como sendo a paga razoável por se viver no seu idolatrado paraíso. Nessa sofreguidão demagógica, o deputado Macedo não hesitou em censurar ao PS a tomada de medidas que ele já prometeu agravar, em censurar ao PS alguns passos dados em caminhos que ele já prometeu ir percorrer até mais longe. Ou seja, talvez sem se dar conta, o irredutível tribuno fez um diagnóstico ultrasombrio da conjuntura, atirando todas as responsabilidades para cima do governo, mas sugerindo, afinal, que podiam contar com o PSD para as agravar dramaticamente.

Os outros partidos de esquerda, mantiveram o seu generosos registo de tribunos dos desfavorecidos, reduzindo a conjuntura a uma desgraça de que só o governo do PS é culpado. Aproveitaram algumas convergências parlamentares entre o PS e o PSD, tornadas objectivamente indispensáveis, pela sua recusa de diálogo com o PS, para tentarem esconder, por detrás dessa convergência, a sua longa cumplicidade com a direita, no combate ao PS e ao seu governo.

No plano institucional o debate não clarificou o que possa haver de enublado no horizonte. Tudo foi demasiado previsível e conjuntural. O PS não mostrou força para romper o cerco, vivendo principalmente das hesitações e das impotências das oposições, da incerteza em que elas vivem quanto ao modo como se podem entender ou desentender de vez. As oposições foram elas próprias, na sua ferocidade enorme contra o governo, na incapacidade profunda de transformarem em actos, por modestos que sejam, as suas tonitroantes palavras.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Os novos pobres!


O insustentável presidente da república teve um lampejo de lucidez, um irreprimível assomo de generosidade, ao apelar para a urgência da ajuda aos novos pobres. Sensibilizado pela atmosfera piedosa da fala, fiquei a pensar o que teria o presidente contra os pobres de sempre, para os fazer assim preceder no rosário das suas preocupações pelos novos, apenas pelos novos pobres. Uma sombra difusa chegou a trazer-me ao espírito o insólito de uma dúvida: afinal, quem são os novos pobres?


Eis se não quando, a resposta me chegou óbvia pela voz autorizada, conquanto soturna e agoirenta, das agências de rating, que hoje fizeram pesar sobre os ombros dos generosos bancos portugueses a falta de apoios do estado. Achei! Clamei eu para mim próprio: "Hoje, os novos pobres em Portugal são os bancos!"


E foi só então que me foi possível avaliar em toda a sua extensão a inteligência e a generosidade cavaquistas. Compreendo agora por que razão o presidente da república se sentiu obrigado a desaconselhar ataques ou críticas às agências de rating. Todos estão unidos, em comunhão, na piedosa cruzada em prol dos novos pobres, os abnegados bancos mais os sofridos banqueiros.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Caminhos trocados


Quando um partido político falha por ser fiel à sua identidade mais profunda, pode ser-lhe assacado o demérito de não ter interpretado bem os sinais que o deveriam guiar rumo a um bom porto. Mas não se pode olhá-lo, fazendo cair sobre ele o peso da traição, nem fazendo-o percorrer a via sacra dos renegados. Não verá , por isso, virar-se contra ele aqueles que verdadeiramente se reconheçam no seu horizonte, estando assim, quase de imediato, pronto para novos combates e para o risco de novos desaires, mas fazendo recair sobre os seus adversários a sombra de poderem não o vencer no próximo combate.


Quando um partido político julga vencer, à custa de ter renunciado ao seu próprio caminho, de perder de vista o seu próprio horizonte, seguramente que estropiará por dentro os mais fiáveis protagonistas dos combates que lhe caberia travar, mas não conseguirá dos seus adversários mais do que o desprezo surdo que se costuma ter pelos renegados úteis. Não conseguirá dos senhores do mundo mais do que a complacência cínica com que costumam envolver os pássaros mortos. E quando, depois do fogo-fátuo dessa fugidia vitória, sobrevier uma quase certa subsequente derrota, decerto mais funda e mais amarga, tudo para ele será pior.


Muito provavelmente esperá-lo-á o desânimo das suas hostes, que podem sentir a luta política como inútil, uma vez que se perderem perdem mesmo, mas se ganharem talvez percam na mesma. Ora, o desânimo pode trazer a revolta; e a revolta pode ser uma força dissipativa de todo um espaço político. Mas mesmo que o desânimo não conduza à revolta, pode abrir-se a uma melancolia mansa, que desvanecerá todas as esperanças e desarmará todos os combates.


Em contrapartida, os seus adversários, que o sejam por serem os cães de guarda do tipo de sociedade que temos, combaterão com mais serenidade e sobranceria, pois além de saberem que também eles podem ganhar, principalmente, sabem que mesmo que percam, ganham.


Por isso, a política é bem mais do que essa amanuência de números com que alguns alegados economistas infestam o espaço público, para gáudio dos ricos e poderosos e angústia dos cidadãos. E as políticas que a materializam têm menos a ver com uma aritmética de sacrifícios e direitos, do que com um combate global que se trava em todos os planos das sociedades humanas e em todos os aspectos da vida de cada um de nós. O êxito de um equilíbrio ou a vertigem de uma percentagem podem ser afinal a tradução ingénua de um desastre político ou social.


Insista-se, muitas vezes em política o imediato é o menos urgente e nenhuma medida se pode separar das suas consequências mais fundas e mais amplas. Por isso mesmo, um partido político que se afaste das sua base social ou que se desligue da sua identidade histórica, não deve confundir-se a si próprio, encarando-se como cavaleiro andante de uma imaginária coragem, porque de facto apenas revela cruamente superficialidade e imprudência.

domingo, 11 de julho de 2010

Contracapa da Vértice -36


Vértice nº 297 - Junho de 1968

"A rectidão de uma linha só se faz por uma forma, por isso é dificultosa; a obliquidade faz-se por muitos modos, por isso é fácil".

Matias Aires
( Reflexões sobre a Vaidade dos Homens -[Séc.XVIII] )

A notícia que não existiu e a sua sombra


Pelo que pude ver hoje no ciberespaço, teve eco a notícia do Expresso de ontem, que revelava uma possível vontade de Sócrates se ter coligado com Portas, há uns meses atrás. Já o esperava, mas não deixa de me espantar.


Na verdade, na exuberância dos detalhes, das conjecturas e dos juízos de que a notícia foi tecida, duas pequenas afirmações, soltas como inofensivas na floresta do discurso, protegiam o texto de uma possível imputação de falsidade, mas mostravam o mais provável rosto da notícia. Numa delas, deixava-se escapar que o modo como decorreu a conversa terá impedido Sócrates de realmente ter convidado Paulo Portas para uma coligação. Numa segunda, manifestando-se uma visão negativa dos resultados da conversa, afirmava-se que, em virtude disso, Portas nem se terá apercebido da importância do que teria estado em jogo na conversa frustrada.


Ou seja, afinal, factualmente, na conversa havida entre Sócrates e Portas, este não foi convidado para integrar pela via do CDS uma coligação com o PS, dado que nem ele se apercebeu que lhe tivessem querido propor isso, nem aquele fez qualquer proposta específica desse tipo. Curioso, que quase meio ano depois se tenha ressuscitado um não acontecimento como se ele tivesse acontecido.


Terá sido a má qualidade do jornalismo, a dar sinais de vida ? Uma má qualidade que tem arrastado entre nós alguns dos jornais, tidos como de referência, para a triste posição de meras ilustrações da "voz do dono". Terá sido uma hábil plantação de um facto virtual, para através dele se tentar produzir efeitos políticos reais? Se foi. Quem terá sido o plantador? Se foi "plantação" política, estamos perante um sintoma de ligeireza e a revelação de que há, no mundo da política, quem aposte na ilusória via de procurar mudar apenas o indispensável para parecer que se muda, mas garantindo-se que, no essencial, tudo fique na mesma.

Uma coisa parece certa, apesar da agitação no universo mediático: não estamos verdadeiramente perante uma notícia. Quando muito estaremos perante uma das suas sombras, a sombra de uma notícia.

sábado, 10 de julho de 2010

Coelho sim, mas de Vasconcelos


Os Filipes só estenderam sobre nós o manto de Castela, roubando-nos a primavera durante longos sessenta anos, porque alguns portugueses com poderes e riqueza se acolheram como tapetes de indignidade à sua sombra.

Outros se levantaram, contudo, em 1 de Dezembro de 1640, abrindo de novo as portas do vento. E os portugueses isolados no canto da Europa, cercados pelo império desse tempo, pagaram pela sua independência o alto preço de uma guerra que durou vinte e oito anos. Na medida em que viram reconhecida a sua independência, venceram-na.

No lado negro da história portuguesa, um nome sobreviveu desde então como eco de todas as traições: Miguel de Vasconcelos. Há mais de trezentos anos que, uma e outra vez, um dia após outro, muitos portugueses o arremessam das varandas das suas memórias para as ruas de uma indignidade sempre renascida. Com ele mereceriam também descer os que cultivam entre nós jardins estrangeiros, os confiscadores da liberdade, os vampiros da desigualdade. Mas nem sempre descem, aproveitando a nossa distracção ou o cansaço das nossas memórias. Miguel de Vasconcelos não. Desse não nos esquecemos: todos os dias o arremessamos pela janela do nosso modo de sermos portugueses.

A comunicação social deixou escapar que Pedro Passos Coelho foi oferecer-se em Madrid para que os fantasmas dos Filipes o pudessem tomar como tapete e caminhassem sobre ele as saudades do império perdido. Ficou assim claro que esse artefacto subtil da imaginação mediática, que os poderosos querem sentar em Lisboa na ambicionada cadeira, para que possam continuar a sê-lo com tranquilidade, não é feito do precioso cristal que apregoam, mas afinal do vidro mais comum.

Não há entre nós uma Ordem dos Filipes e Castela, para com ela podermos condecorar como grande-oficial o referido Coelho, como recordação da sua untuosa viagem a Madrid. Mas sempre poderemos presenteá-lo com um acréscimo de nome, continuando a considerá-lo como Coelho, mas agora de Vasconcelos.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Contracapa da Vértice - 35


Vértice - nº 221- Fevereiro de 1962

"Quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito."

Cardeal de Retz

Debate sim, canto coral não


Receia-se um festival de previsibilidades num colóquio que o PS, por via da sua fundação, vai promover proximamente em Lisboa.


Expoentes da ala direita do Partido, figuras do governo, especialistas da escola universitária de Lisboa que o PS transformou numa espécie de oráculo único da sua política económica e social, bem como, pelo menos, um delegado visível de um fantasma socialista europeu que se julgava já não existir, ameaçam com uma conferência. Tempero: um ou outro nome internacionalmente sonante.

A encenação pode ser vistosa, mas a pluralidade no debate interno não pode esgotar-se no círculo de notáveis que dizem as mesmas coisas em tons diferentes, com exclusão das vozes socialistas que realmente não são integráveis no coro de conformismo actualmente dominante.

Mas a verdadeira pluralidade não existe. De facto, o PS, ora resmungando, ora sorrindo, mas sempre num passo triste e conformado, vai fechando os seus próprios horizontes.

Arrepiemos caminho. Abra-se um debate verdadeiro, para ir mesmo ao fundo das coisas, onde caibam vozes que não sejam apenas versões orquestrais diferentes das melodias de sempre. Não persistam nessa mastigação, no essencial justificativa, da ideologia dominante, entrecortada por assomos dispersos, inconsequentes e cada vez mais raros de uma identidade perdida.

Olhem para os desastres políticos, por intermédio dos quais, a terceira via e seus próximos quase arrasaram o socialismo europeu. Tenham a humildade de reconhecer que a insistência, dos que têm hegemonizado a IS e o PSE, numa via que tem vindo a destruir, país após país, a força dos socialistas europeus, não pode continuar, sob pena de nos deixarmos envolver numa espiral de decadência, paralela à que reduziu os comunistas europeus a uma força residual e simbólica.

Passemos pois além de cerimónias que, querendo-se assemelhar a verdadeiros debates, arriscam-se a não ser mais do que encenações de propaganda, durante as quais se procura enfeitar as previsibilidades mansas, com duas ou três figuras de prestígio internacional, que assim acabam por não serem mais do que um pouco de pimenta num cozinhado insosso.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Contracapa da Vértice - 34


Vértice - nº 217- Outubro de 1961


"Sabei que o lisonjeiro vive à custa de quem o ouve."

La Fontaine

domingo, 4 de julho de 2010

Por que apoiamos Dilma ?


Num texto publicado na respectiva página da internet, a revista brasileira de grande circulação CartaCapital, já muitas vezes referida e citada neste blog, manifesta o seu apoio explícito à candidatura de Dilma Roussef à Presidência da República do Brasil. O texto é assinado pelo respectivo director de redacção Mino Carta, fundador da revista em 1994 (como, aliás, já antes fundara a Veja e a Isto É). Pela sua qualidade, clareza e concisão, é um documento que pode ajudar a compreender o sentido político da candidatura em causa, principalmente, aos leitores potugueses que não dispõem de uma informação sistemática e continuada sobre a política brasileira. Eis o texto:


Por que apoiamos Dilma?

Resposta simples: porque escolhemos a candidatura melhor
.
Guerrilheira, há quem diga, para definir Dilma Rousseff. Negativamente, está claro. A verdade factual é outra, talvez a jovem Dilma tenha pensado em pegar em armas, mas nunca chegou a tanto. A questão também é outra: CartaCapital respeita, louva e admira quem se opôs à ditadura e, portanto, enfrentou riscos vertiginosos, desde a censura e a prisão sem mandado, quando não o sequestro por janízaros à paisana, até a tortura e a morte. O cidadão e a cidadã que se precipitam naquela definição da candidata de Lula ou não perdem a oportunidade de exibir sua ignorância da história do País, ou têm saudades da ditadura. Quem sabe estivessem na Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade há 46 anos, ou apreciem organizar manifestação similar nos dias de hoje. De todo modo, não é apenas por causa deste destemido passado de Dilma Rousseff que CartaCapital declara aqui e agora apoio à sua candidatura. Vale acentuar que neste mesmo espaço previmos a escolha do presidente da República ainda antes da sua reeleição, quando José Dirceu saiu da chefia da Casa Civil e a então ministra de Minas e Energia o substituiu. E aqui, em ocasiões diversas, esclareceuse o porquê da previsão: a competência, a seriedade, a personalidade e a lealdade a Lula daquela que viria a ser candidata. Essas inegáveis qualidades foram ainda mais evidentes na Casa Civil, onde os alcances do titular naturalmente se expandem. E pesam sobre a decisão de CartaCapital. Em Dilma Rousseff enxergamos sem a necessidade de binóculo a continuidade de um governo vitorioso e do governante mais popular da história do Brasil. Com largos méritos, que em parte transcendem a nítida e decisiva identificação entre o presidente e seu povo. Ninguém como Lula soube valerse das potencialidades gigantescas do País e vulgarizá-las com a retórica mais adequada, sem esquecer um suave toque de senso de humor sempre que as circunstâncias o permitissem. Sem ter ofendido e perseguido os privilegiados, a despeito dos vaticínios de alguns entre eles, e da mídia praticamente em peso, quanto às consequências de um governo que profetizaram milenarista, Lula deixa a Presidência com o País a atingir índices de crescimento quase chineses e a diminuição do abismo que separa minoria de maioria. Dono de uma política exterior de todo independente e de um prestígio internacional sem precedentes. Neste final de mandato, vinga o talento de um estrategista político finíssimo. E a eleição caminha para o plebiscito que a oposição se achava em condições de evitar. Escolha certa, precisa, calculada, a de Lula ao ungir Dilma e ao propor o confronto com o governo tucano que o precedeu e do qual José Serra se torna, queira ou não, o herdeiro. Carregar o PSDB é arrastar uma bola de ferro amarrada ao tornozelo, coisa de presidiário. Aí estão os tucanos, novos intérpretes do pensamento udenista. Seria ofender a inteligência e as evidências sustentar que o ex-governador paulista partilha daquelas ideias. Não se livra, porém, da condição de tucano e como tal teria de atuar. Enredado na trama espessa da herança, e da imposição do plebiscito, vive um momento de confusão, instável entre formas díspares e até conflitantes ao conduzir a campanha, de sorte a cometer erros grosseiros e a comprometer sua fama de “preparado”, como insiste em afirmar seu candidato a vice, Índio da Costa. E não é que sonhavam com Aécio... Reconhecemos em Dilma Rousseff a candidatura mais qualificada e entendemos como injunção deste momento, em que oficialmente o confronto se abre, a clara definição da nossa preferência. Nada inventamos: é da praxe da mídia mais desenvolvida do mundo tomar partido na ocasião certa, sem implicar postura ideológica ou partidária. Nunca deixamos, dentro da nossa visão, de apontar as falhas do governo Lula. Na política ambiental. Na política econômica, no que diz respeito, entre outros aspectos, aos juros manobrados pelo Banco Central. Na política social, que poderia ter sido bem mais ousada. E fomos muito críticos quando se fez passivamente a vontade do ministro Nelson Jobim e do então presidente do STF Gilmar Mendes, ao exonerar o diretor da Abin, Paulo Lacerda, demitido por ter ousado apoiar a Operação Satiagraha, ao que tudo indica já enterrada, a esta altura, a favor do banqueiro Daniel Dantas. E quando o mesmo Jobim se arvorou a portavoz dos derradeiros saudosistas da ditadura e ganhou o beneplácito para confirmar a validade de uma Lei da Anistia que desrespeita os Direitos Humanos. E quando o então ministro da Justiça Tarso Genro aceitou a peroração de um grupelho de fanáticos do Apocalipse carentes de conhecimento histórico e deu início a um affair internacional desnecessário e amalucado, como o caso Battisti. Hoje apoiamos a candidatura de Dilma Rousseff com a mesma disposição com que o fizemos em 2002 e em 2006 a favor de Lula. Apesar das críticas ao governo que não hesitamos em formular desde então, não nos arrependemos por essas escolhas. Temos certeza de que não nos arrependeremos agora.
[CartaCapital - Mino Carta]

sábado, 3 de julho de 2010

Um romance : "Clarão na Madrugada"

Memória e testemunho de um tempo que correu penosamente antes de Abril. Um tempo que muitos de nós sofreram. É essa a raiz do romance de Nuno Filipe: "Clarão na Madrugada".

Na próxima quinta-feira, dia 8, pelas 18 horas, no Hotel Dona Inês, vai decorrer o lançamento desse romance.
O autor atribuiu-me o honrosos encargo de fazer a apresentação do livro.

Será uma boa oportunidade de convívio, debate e reflexão.

Uma vez mais, o avesso e o direito



Ouvi ontem falar , numa estação televisiva, um advogado de uma figura conhecida da extrema-direita portuguesa, que está a contas com a justiça. No quadro da defesa dos interesses desse seu constituinte, revelou que ia entregar na Procuradoria Geral da República documentação que provava o envolvimento de pessoas próximas do primeiro-ministro, em chorudos depósitos em “off shores” bancários. Num estranho malabarismo mediático alguém sublinhou em comentário que tais operações eram legais.

No meu espírito sublinhei três coisas:

1º A proximidade, signifique isso o que significar, é um elemento de conexão relevante e suficiente para enlamear seja quem for em praça pública. Ou seja, para atingir qualquer figura pública ou qualquer cidadão comum não é necessário correr o risco de lhe imputar comportamentos concretos censuráveis que tenham que ser provados, bastando alegar uma neutra proximidade com algum prevaricador menor, para sem riscos (nem oportunidade de defesa) se enlamear seja quem for.

2º Pode montar-se um espectáculo mediático de denúncia ao MP de comportamentos, sobre os quais se diga expressamente que não são ilegais.

3º A chegada da extrema-direita mais retinta e confessa ao festival anti-Sócrates não pode deixar de revelar objectivamente a compatibilidade entre o seu código genético e a natureza mais funda desse festival.

É claro que o que acabo de dizer não entra em contradição com o facto de eu ser um defensor incondicional do castigo de quem realmente prevarique, incorrendo em comportamentos criminosos; desde que se decidam e apliquem os castigos, no respeito pelas regras universais do Estado de direito democrático. Sou, no entanto, também incondicionalmente, contrário a que se compense a impotência em vencer politicamente um adversário nas disputas democráticas, recorrendo-se a campanhas negras com que se tenta destruir pessoas e partidos, com uma utilização abusiva ou uma instrumentalização grosseira da máquina judicial, a qual nunca pode ser mais do que a materialização orgânica do Estado de Direito.


No geral, a penugem dos anjos melífluos, que tanto forcejaram por parecer justiceiros limpos, começa a ficar gasta. Por isso, nos próximos tempos é muito natural que, por detrás da sombra perdida dos falsos anjos, se perfilem as arestas mefistofélicas das suas identidades terrenas, talvez perversas, talvez banais.

Não fui eu que disse !


Não foi o "mau perder" dos portugueses, não fui eu num delírio de fanatismo futebolístico, foi Maradona que protagonizou o episódio que a seguir se mostra. De facto, numa edição recente do “El País", periódico espanhol , certamente insuspeito de "lusitanite", li hoje em letras garrafais: “Maradona asegura que España ganó a Portugal gracias al árbitro”.
E de imediato , acrescenta-se, em sub-título :
“ El entrenador argentino ha afirmado que el gol de Villa se produjo en un "fuera de juego tan grande como este Mundial" .
Logo de seguida, pode ler-se:
“ Diego Armando Maradona ha arremetido contra la actuación del colegiado Héctor Baldassi en el partido de octavos de final que enfrentó a Portugal y a España, en el que la Roja se impuso 1-0. "No dejó a Portugal llegar al arco rival porque cada pelota dividida era para España. Soy amigo de Baldassi, pero me pareció un arbitraje horrible", ha dicho el Pelusa durante una rueda de prensa, después de que se le preguntara por un posible enfrentamiento con España en semifinales.
Maradona comparó el gol del Guaje, que le dio el triunfo a España, con el de Carlos Tévez contra México. "Dicen que el de Tévez era fuera de juego, pero el de Villa fue un fuera de juego tan grande como este Mundial. El árbitro estuvo mal, pero el juez de línea era Andrea Bocelli", ha asegurado el técnico, en referencia al cantante italiano invidente.
"No dejaba avanzar a los portugueses. No pitó dos o tres agarrones y todo eso va sumando. Luego España agarra la pelota y te hace mucho daño", añadió.”

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Contracapa da Vértice - 33


Vértice - nº 187- Abril de 1959


"A acção é tudo, um sonho a glória."

GOETHE
(Fausto)