quinta-feira, 30 de abril de 2009

Homenagem aos meus pais


Hoje é para mim um dia pessoalmente especial. Por isso, resolvi ir buscar ao meu livro “Sete caminhos”, publicado pela “Fora do Texto”,em 1996, um poema de homenagem aos meus pais .É, verdadeiramente, um poema próprio para este dia. Não deixei de o poder assumir. O meu pai já o não leu. Felizmente, a minha mãe pode continuar a lê-lo ainda hoje.

A MEUS PAIS

Não inventaram por mim o meu futuro,
mas estiveram comigo, passo a passo,
respirando o meu ar, experimentando o meu tempo.

Aqui me deixaram com coragem e prudência,
nas emboscadas soltas da vida,
confiando em mim quase em excesso.

No tempo dos vampiros não me ensinaram o medo,
no momento de resistir não me ensinaram a cobardia,
nos túneis da tristeza lembraram a alegria.

Aqui me construíram ano a ano,
ensinando-me em silêncio dignidade e esperança,
dando-me pés e sonho, não caminhos.

Por isso, este caminho que percorro,
sem heroísmo, mas sem medo,
com angústia, mas sem desespero,
com prudência, mas sem hesitação.

Por isso, me estão vedados ódio e cobardia,
e a saudade não fecha o meu futuro.

[ Rui Namorado]

A prudência de uma ala subtil



Se o DN não teve um ataque de fantasia, está a despontar uma estranha ala "esquerda" no PS: é uma ala esquerda que preconiza uma aliança com a direita.


É certo que quando apresentámos, no mais recente congresso do PS, uma moção alternativa à da direcção do partido, não conseguimos o apoio de um único membro dessa alegada (e, como então se viu, extremamente discreta) esquerda do PS.


Diz-se, no entanto, que essa frontalíssima ala se esforçou em vão por arrancar à actual direcção do PS o compromisso de que nunca se aliaria ao CDS.


Aprecie-se essa subtileza tão refinada, que troveja como Zeus perante o CDS e ronrona como um gato persa perante o PSD.


Só se for o poder de sedução da Drª Ferreira Leite...

O PS e as eleições em Coimbra


Dizia eu há alguns dias neste mesmo blog:

"Aliás, (...)há já algum tempo a esta parte parecem estar a reunir-se condições para uma candidatura autárquica em Coimbra que prestigie o PS, que torne verosímil a recuperação da maioria socialista na Câmara Municipal de Coimbra e que tenha efeitos positivos na própria vida interna do PS, no concelho e no distrito.Se esta pequena luz há algum tempo visível acabar por se revelar ilusória para ser substituída por uma solução como aquela que se noticia, tudo poderá voltar à estaca zero; e adeus Câmara, adeus desanuviamento, adeus perspectivas futurantes.Por tudo isto, quero crer que a notícia que comento é apenas um fogo-fátuo que em breve estará esquecido.Olhemos em frente. Todos nós, no PS em Coimbra, estamos quase a conseguir o que há alguns meses parecia impensável. Não desperdicemos a feliz conjugação. Lembremo-nos: estamos quase. Todos. Quase."

A tal notícia não se confirmou. Mas estranhamente perfilou-se uma outra: a de que, afinal, um dos artífices da tal boa solução, Henrique Fernandes, desistia da sua própria iniciativa e avançava ele próprio como candidato.
Pode ser que essa surpreendente notícia não passe de uma pequena cortina de fumo, lançada por razões que não descortino. Mas, se realmente for verdadeira, significa que tudo retoma as previsíveis rotinas que, pouco a pouco, têm vindo a minar a hipótese de o PS recuperar a Câmara de Coimbra. A hipótese de uma iniciativa de rasgo , nesse caso, perder-se-á.
Não porque ao Henrique Fernandes faltem qualidades pessoais para merecer ser eleito Presidente da Câmara de Coimbra, mas pelo significado de que se reveste a sua possível candidatura nas actuais circunstâncias; por aquilo que ela representa, objectivamente.


De facto, ela terá sempre a marca de uma candidatura que, embora formalmente legítima, surge como substancialmente tributária do aparelho partidário. Ao contrário daquela que o próprio Henrique Fernandes parecia andar pacientemente a tecer, não constitui, em si própria, uma candidatura de rasgo, uma iniciativa que surja aos olhos do eleitorado como um sopro de renovação, como uma candidatura que objectivamente torna verosímil para o eleitorado a ideia de que o PS se preocupa, antes de tudo, no plano autárquico, com a cidade e os seus munícipes ; libertando-se assim do garrote fatal das pequenas ambições, da vertigem das carreiras, da servidão dos objectivos meramnente pessoais de protagonistas que, desse modo, se deixam encasular num universo esquecido da realidade.
Se esta má notícia se confirmar, é pena. Como eu dizia há dias , estava-se "quase " a conseguir. Ficou-se por aí.
Por isso, cedo à tentação de recordar versos de um grande poeta português ( Mário de Sá-Carneiro), do seu poema "Quase":


"Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa..."

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Pixordices 24: pernóstico e amordaçado


Pernóstico Rangel é um vulto com verbo desempoeirado.

Disseram-lhe : “Cuidado com o Vital ! “

Nunca podes tratar o gajo por Professor.”

“Deves reduzi-lo ao modesto estatuto de candidato”.

“Quando te vires atrapalhado grita.”

Chama-lhe estalinista.”

“Diz que te querem amordaçar.”

Pernóstico Rangel tomou nota dos sábios conselhos, mas, como alguns alunos muito aplicados, cai por vezes em excessos. De facto, mal do lado do PS assoma o esboço de uma reserva à prioridade de um tema, logo o Pernóstico candidato grita, como galinha desmamada, que o querem amordaçar. Consta mesmo que só, em última instância, desistiu de imputar graves responsabilidades ao candidato do PS pelo massacre dos arménios, levado a cabo pelos turcos. De facto, reconheceu que era algo exagerado fazê-lo apenas baseado na circunstância de o candidato Vital Moreira ter sido visto a passear na Turquia há alguns anos atrás.

Mas, apesar de tudo, não posso deixar de ter alguma simpatia, perante o esforço do candidato Pernóstico. Deixem lá de amordaçar o rapaz. Deixem –no falar nas obras.

domingo, 26 de abril de 2009

Alma Mater Conimbrigensis

Pátio da Universidade: Torre e Via Latina Colégio de S.Pedro

Biblioteca Joanina

Porta Férrea

Capela da Universidade

Capela, Torre e Via Latina

Toda a Via Latina

Ponte Europa vista do Pátio da Universidade

Um domingo de pausa, entre o 25 de Abril e o 1º de Maio. O Pátio da Universidade parece repousar. Raros turistas contemplam, ao fundo, o Mondego, espreguiçando-se pachorrentamente pela tarde luminosa. Uma exposição de fotografias, dentro do Pátio, recorda as lutas estudantis dos anos 60. A Torre parece velar numa imobilidade simbólica, como se fosse eterna. A Biblioteca Joanina abre, de quando em vez, a sua pesada porta, para arejar o esplendor. A Via Latina contempla, teimosamente como todos os dias, o Colégio de São Pedro. A Capela da Universidade, com a sua enigmática porta, parece querer esconder uma espécie de exuberância interior, quase excessiva.

sábado, 25 de abril de 2009

Pixordices 23 - Os amantes da verdade


Se os esforçados pesquisadores, que descobriram e divulgaram o vídeo em que José Sócrates era acusado de ter sido subornado, são realmente amantes da verdade, e nada mais do que isso, por que razão se esqueceram de descobrir, também, que já em 2007, como informa hoje a comunicação social, o inglês que fez as acusações, disse em quatro inquirições que tinha mentido?

Homenagem ao 25 de Abril


Homenagem ao 25 de Abril

eram tristes as horas na colina do tempo
um inverno cinzento melancólico triste
um exílio apertado no Outono dos meses

não havia manhãs nos lugares do futuro
uma pedra pesava no sabor das palavras
um punhal humilhava o silêncio dos versos

oferecia-se a morte numa guerra distante
os relógios morriam no regaço do tempo
adiava-se a vida e era tarde demais

mas o dia chegou como um tigre de luz
os caminhos voltaram ao começo de tudo
no mistério vivido dessa hora tão limpa

foram gumes de gente que invadiram cidades
uma voz das palavras tantos anos guardadas
cada um descobrindo sua própria alegria

na parede de esperança onde vive o futuro
houve cravos nascendo da frieza das armas
e os sorrisos abriram o perfume das ruas

todo o tempo marcado no vigor deste dia
a memória guardada no silêncio do povo
a memória de Abril para sempre inventada
[ Rui Namorado]

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O discreto pregador



D.Ramalho I, o oráculo.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Eleições autárquicas: entre o pavor e a esperança



Se hoje fosse o dia 1 de Abril teria achado piada à peregrina notícia, hoje saída no “Campeão das Províncias”, de que o candidato à Câmara Municipal de Coimbra pelo Partido Socialista será o Eng.º João Vasco Ribeiro.

É claro que o referido independente não tem culpa nenhuma que utilizem o seu nome para indecifráveis manobras de bastidores. Os seus méritos pessoais e profissionais não estão em causa, não constituindo, de modo nenhum, em termos absolutos, um obstáculo a uma hipotética candidatura. Mas para uma escolha como esta, a apreciação de um candidato depende de uma conjugação de múltiplos factores, alguns dos quais conjunturais, e implica sempre uma avaliação de mérito relativo dos vários possíveis candidatos.

Ora, nas actuais circunstâncias, seria muito estranho que se fosse buscar um candidato ao campo dos independentes, quando entre os militantes do PS se encontraria facilmente, pelo menos, uma dezena de hipóteses claramente melhores.

Aliás, se a notícia acima referida fosse mais do que uma simples hipótese especulativa, isso quereria objectivamente dizer que o PS estava a tentar tudo para não recuperar a Câmara nas próximas eleições. Seria uma opção temerária, já que mesmo que se pensasse que aqui pouco se joga nas autárquicas (o que me pareceria estranho e contrário ao que têm sido as posições assumidas publicamente pelos responsáveis concelhios e distritais), deve recordar-se que uma candidatura fraca nessas eleições pode contaminar negativamente as eleições legislativas.

Aliás, esta fantasia seria tanto mais estranha, quanto há já algum tempo a esta parte parecem estar a reunir-se condições para uma candidatura autárquica em Coimbra que prestigie o PS, que torne verosímil a recuperação da maioria socialista na Câmara Municipal de Coimbra e que tenha efeitos positivos na própria vida interna do PS, no concelho e no distrito.

Se esta pequena luz há algum tempo visível acabar por se revelar ilusória para ser substituída por uma solução como aquela que se noticia, tudo poderá voltar à estaca zero; e adeus Câmara, adeus desanuviamento, adeus perspectivas futurantes.

Por tudo isto, quero crer que a notícia que comento é apenas um fogo-fátuo que em breve estará esquecido.

Olhemos em frente. Todos nós, no PS em Coimbra, estamos quase a conseguir o que há alguns meses parecia impensável. Não desperdicemos a feliz conjugação. Lembremo-nos: estamos quase. Todos. Quase.

O PS e os outros



Se o coro de comentários, a uma sibilina frase presidencial alusiva à crise, tem algum sentido político, é o de indiciar a convergência de um vastíssimo leque de forças, que pode consubstanciar uma maioria de governo para Portugal.

E perante o dramatismo crescente da vida política portuguesa, induzido por uma convergência de factores, se cada agente se sentir obrigado a comportar-se na prática em consonância com as opiniões que sustenta, é razoável pensar que se desenham perante nós duas alternativas possíveis de governo: de um lado o PS, do outro lado, uma grande coligação polarizada, mais ou menos assumidamente, pelo Presidente da República, abrangendo as várias oposições.

Se isto assim for, estamos perante uma grande novidade estratégica. Aparentemente, essa novidade torna muito provável a saída do PS do governo depois das próximas eleições legislativas. De facto, o PS, isolado perante tudo o resto, parece ter contra si um bloco eleitoral maioritário. Isto, se for mantida a relação de forças reflectida nos dados revelados regularmente nas sondagens nos últimos dois anos, ou seja, se o PS não atingir a maioria absoluta.

No imediato, portanto, o PS parece estar à beira de uma derrota. Na verdade, se é certo que a convergência entre a oposição alegadamente de esquerda e a oposição de direita já ocorreu, esporádica e pontualmente, no decurso dos governos liderados por António Guterres, ela é agora muito mais reiterada do que nesse tempo. De facto, tem-se assistido, nos tempos mais recentes, a convergências de opinião e de proposta, bem como em articulações com estratégias sindicais que então eram impensáveis.

Um punhado de exemplos dispersos. Carvalho da Silva vai reunir com Ferreira Leite, ressaltando do encontro convergência, quer de perspectiva, quer prospectivas. Ouvindo as reacções dos partidos da oposição à mais recente entrevista televisiva a José Sócrates, é clara uma consonância bastante vasta. As alegadas “bicadas” do presente da República ao Governo, mereceram pronto aplauso não só da direita, como do PCP e do BE. Vi hoje na imprensa que o PSD afasta qualquer hipótese de apoiar o candidato proposto pelo PS para Provedor de Justiça, mas elogia o candidato apresentado pelo PCP. De um modo geral, sem prejuízo de algumas diferenças na análise da crise actual, as oposições convergem na ideia de que o seu principal fautor é o actual Governo, o que induz uma consequente convergência política quanto ao modo de a afrontar. No plano sindical ou simplesmente associativo, foram várias as posições públicas, apontando, de uma maneira mais ou menos explícita, para a ideia de: “todos menos o PS”.

Se a isto somarmos o implícito patrocínio presidencial dessa convergência latente, facilmente podemos concluir que está objectivamente em construção uma aliança universal contra o PS e o seu Governo.

Saber se psicologicamente os responsáveis pelas entidades envolvidas querem realmente essa “santa aliança”, não sendo irrelevante, não é decisivo. Objectivamente, comportam-se como se a quisessem.

É claro que uma tal “revolução” na cena política tem pela frente dificuldades. Desde logo, se atingirem o objectivo conjunto da derrota do PS, as oposições, postas perante o ónus da efectiva concretização de uma aliança de governo, hão-de hesitar; e se vencerem essa hesitação primária, hão-de penar muito para se entenderem num programa de governo. E se contra todas as expectativas esse abrangente governo visse a luz do dia? Quanto tempo duraria? Com que sequelas?

Há, aliás, que lembrar que este discreto “namoro” político é já hoje um sintoma inesperado da actual subalternidade estratégica do PCP e do BE, em face da direita. Paradoxalmente, a construção desta nebulosa de oposição, transformou um significativo êxito no plano táctico do BE e do PCP, consubstanciado nos vinte por cento de expectativas de votos que lhes outorgam muitas sondagens, numa secundarização estratégica, já que permitiu a ressurreição de uma direita que, como alternativa de governo, se continuava a revelar inviável, mas que assim desponta como protagonista liderante de uma coligação das actuais oposições.

Se, por uma razão qualquer, esta coligação não chegar a nascer, ou falhar rapidamente, os seus participantes serão provavelmente penalizados em actos eleitorais seguintes e o PS pode neles dispor de simétricas vantagens. Os portugueses não esqueceriam que eles teriam sido capazes de empurrar o PS para fora do Governo, mas não de gerar a alternativa implicitamente suposta nesse hipotético derrube.

E a parte do povo de esquerda que se reconhece eleitoral e socialmente (sempre ou de vez em quando) no PCP ou no BE, não vai provavelmente aceitar sem reagir que os que mais alegam uma deriva do PS para a direita se tenham deixado converter num instrumento dessa mesma direita que tanto dizem abominar.

E, no plano nacional, é legítimo defender-se que quem se congrega para derrubar um governo e se concerta para impedir o partido que o suporta de renovar uma maioria que lhe permita governar, não pode deixar de ser responsável por protagonizar uma alternativa própria correspondente, susceptível de reflectir globalmente a oposição praticada, realizando as medidas implícitas na sua alternatividade crítica ao governo do PS.

Este é um cenário difícil para o PS que este tem que encarar de frente. E há um ponto de partida evidente mas que o PS tem que assumir realmente. Não estando ao seu alcance interferir na linha dos outros partidos, tem que assumir o seu isolamento partidário e procurar falar directamente para todo povo de esquerda, sem menosprezar, num segundo plano, naturalmente, o permanente diálogo com os portugueses em geral.

Mas para que uma mudança de atitude estratégica deste tipo, não possa ser confundida com simples cosmética eleitoralista, alguns pressupostos devem ser preenchidos:
1) O PS tem que tornar claro, tirando daí consequências políticas e programáticas, que sendo a actual crise, no essencial, uma crise do capitalismo, não reflecte qualquer falhanço do modelo de sociedade que realmente corresponde à identidade histórica do PS, confirmando, pelo contrário, que é necessário caminhar-se para uma sociedade de um tipo diferente que esteja em harmonia com os valores socialistas;
2) O PS, querendo ganhar as eleições , quer consegui-lo não como um fim último , mas como parte importante de um processo de construção de uma base social de apoio sólida e duradoura;
3) O PS, em conjugação com o Governo, deve reexaminar criticamente o seu mandato, à luz das novas circunstâncias da crise, para no seu programa introduzir as novidades e as alterações que daí resultem;
4) O PS tem que passar a encarar o seu papel político, não só como partido de governo, mas também como movimento social com envolvimento directo e organizado na transformarão social e cultural.
Se caminhar nesse sentido, o PS estará a assumir plenamente as responsabilidades históricas que sobre ele impendem, mas também estará a colocar os outros, mais ostensivamente, perante as suas próprias responsabilidades.

Pixordices 22 : cabeças trocadas ?


Como podem achar-se ofendidos com o que Sócrates disse deles na entrevista e acharem, ao mesmo tempo, que não o têm ofendido na campanha que a TVI tem feito contra Sócrates?

domingo, 19 de abril de 2009

17 de Abril – comemoração do futuro


Na próxima edição do jornal publicado em Coimbra, " Campeão das Províncias", vai sair um pequeno texto que escrevi de comentário às comemorações do dia 17 de Abril e que de seguida transcrevo.


"No passado dia 17 de Abril, em Coimbra, bem mais de uma centena de antigos estudantes que participaram na crise universitária de 1969, corresponderam ao convite dos actuais dirigentes da AAC e acorreram a uma confraternização ocorrida no Centro Cultural D. Dinis. Actuais e antigos estudantes conviveram numa atmosfera de excelência musical diversificada, onde se entrelaçaram velhas canções de resistência e a fresca sonoridade de enérgicos metais. Por entre a floresta entusiasta de exclamações de quem não se via há dez, há vinte, há trinta e mesmo há quarenta anos, irromperam breves palavras do actual Presidente da AAC, do Presidente da AAC em 1969 e do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra.

Estas comemorações conjugaram-se com as do 25 de Abril de 1974 e irmanaram as duas datas, olhando para o 17 de Abril como prenúncio do que viria a acontecer cinco anos depois. Estão, por isso ainda a decorrer diversificadamente, espalhando-se pelas ruas, emergindo em iniciativas culturais e simbólicas. Mas não se deixaram deslizar para o saudosismo melancólico, para um certo memorialismo passadista em que podiam incorrer. Esta comemoração foi fortemente ancorada no presente, naquilo que o presente tem de esperança e inconformismo.

Por isso, se pode dizer que estas comemorações dos quarenta anos da crise de 1969 não foram uma inútil reverência aos protagonistas num desbotado tom sépia. Foram, sim, o assumir de um testemunho que, por isso mesmo, fez com que os antigos estudantes de 1969 que puderam acorrer à chamada se sentissem tranquilos e honrados.

A Universidade Nova que já então se queria está ainda distante, a Sociedade Nova sem a qual a novidade da Universidade não teria um sentido completo desafia-nos, longínqua, no horizonte. Por vezes, a História parece cansar-se, ameaçando parar. Em vez de caminhar, cambaleia e tergiversa. Foi o que aconteceu, à escala da Universidade portuguesa, com as recentes mutações legislativas que se apresentaram como diligente execução dos desvairados ventos bolonheses. Um dia, mais cedo do que tarde, reerguer-se-á , retomando o caminho interrompido.

Por ironia do destino essa excrescência do neoliberalismo nas Universidades dá os seus primeiros passos, quando a lógica que a guia revela o seu verdadeiro rosto no desastre para onde arrastou a economia mundial. Este governo deveria ter sido imune a essa lógica que lhe é genética e estruturalmente estranha. Não foi. Mas tudo se pode mudar, desde que a capacidade de autocrítica se reanime, desde que as instituições universitárias não se limitem a oscilar entre um cordeirismo manso e um raposismo matreiro, desde que os estudantes consigam construir uma rebeldia audível e voltem a desenhar em conjunto uma esperança partilhada com as forças sociais futurantes.

Sentiu-se nestas comemorações que os estudantes de hoje não estavam através delas a refugiar-se no passado. Estavam sim a convocar para o futuro o que no passado lhes pareceu digno de receber essa chamada. E foi isso que, verdadeiramente, nos honrou.

Economia Mundial e Condições de Trabalho

Uma vez mais, o Júlio Mota enviou-me o texto que abaixo transcrevo, assinalando a continuação da série de conferências e debates que têm vindo a materializar uma iniciativa, cuja importância, de dia para dia, se torna mais evidente.


" O grupo de docentes da FEUC dinamizador e organizador (com a colaboração dos estudantes do Núcleo de Estudantes de Economia da FEUC e com o apoio da Coordenação do Núcleo de Economia) do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC vem com a presente informar que irá decorrer, a 27 de Abril, a nona sessão do ciclo temático Economia Global, Mercadorização e Interesses Colectivos: Pessoas, Mercadorias, Ambiente e Paraísos Fiscais.

Esta sessão debruça-se sobre um tema que está agora na ordem do dia, uma vez que é uma das principais causas da crise que atravessamos, mas que lamentavelmente é um tema pertinente desde há vários anos: Economia Mundial, Direitos Fundamentais e Condições de Trabalho.

As condições de trabalho e salariais na China são altamente perturbadores dos mercados de trabalhos nos outros países, não apenas porque produzem os bens salariais que os países industrializados produziam outrora como são concorrentes e fortemente em tudo o que são indústrias mediamente intensivas em trabalho, mesmo que tecnicamente evoluídas. Porque se trata de um “capitalismo neoliberal de características chinesas”, na expressão de um dos mais importantes teóricos da Nova Esquerda na China, assente numa dinâmica de forte desigualdade de rendimentos e de minimização dos direitos do trabalho, a questão dos direitos fundamentais não poderia estar fora do Ciclo deste ano. Um filme sobre a China e uma conferência sobre os mercados de trabalho em tempo de crise, com a China como suporte, proferida pela professora Stephanie Luce, da Universidade de Massachusetts, constituirão assim a nossa nona sessão do Ciclo.


Esta foi a linha escolhida para esta sessão, porque se entende que a China é um dos vectores centrais da crise da economia real à escala mundial. Esta crise, de forma resumida, pode ser caracterizada pelos disfuncionamentos das grandes economias à escala mundo: a Europa, com as suas políticas de austeridade orçamental e de desigualdade na repartição, a China com uma política de desigualdade na repartição e de excedentes comerciais assentes nesta mesma desigualdade, enquanto os Estados Unidos seguiram uma política de desigualdade na repartição e de défices comerciais, em troca de títulos de crédito sem valor.

A importância do tema e da conferencista justificam a sua divulgação, razão pela qual vimos dar conhecimento desta iniciativa e para a qual contamos com o vosso apoio.






Programa - Sessão 9

Economia Mundial, Direitos Fundamentais e Condições de Trabalho

27 Abril

Hora: 16 horas
Local: Faculdade de Economia, Sala Keynes

Conferência de:
Stephanie Luce (Labor Relations and Research Center, Universidade de Massachusetts, Amherst): Mercados de Trabalho em tempo de crise

Comentários de:
João Amado (FDUC)
Maria da Conceição P. Ramos (FEP)

Filme e Debate

Hora: 21 horas e 15 minutos
Local: Teatro Académico de Gil Vicente

Filme/Documentário: China Blue, Micha X. Peled, 2007

Comentários e Debate:
Stephanie Luce
João Amado
Maria da Conceição P. Ramos

No Teatro Académico de Gil Vicente será disponibilizada gratuitamente uma brochura sobre a temática ligada ao filme, ligada às condições políticas, económicas e sociais da China, com particular relevo para o mercado de trabalho. Centrados pois na China, com a brochura pretende-se analisar a evolução política e económica na China, as linhas de força políticas que emergem com a nova China, as imagens dos Jogos Olímpicos de Pequim, a situação económica da China e dos Estados Unidos como elementos centrais da crise económica actual e, por fim, examinar os custos salariais em termos nominais e de paridade de poder de compra da indústria transformadora na China, concluindo-se com a análise das condições de trabalho e de remunerações numa das fábricas que produz para a Adidas e para a Reebock, entre outras.

Nesta brochura é de destacar a visão dos políticos da chamada Nova Esquerda, dos quais publicamos mesmo um texto, de um dos seus líderes mais representativos, um dos homens que foi um dos últimos a abandonar a praça Tiananmen na defesa dos estudantes massacrados. Curiosamente, a visão que esta linha de pensamento crítico pretende dar desta luta é que esta expressa o descontentamento dos chineses face ao neoliberalismo que se estava a implantar. Mas, com o esmagar desta contestação ao regime, quem perdeu com o massacre foram os críticos do neoliberalismo, quem ganhou foram as forças que defendem e implantam na China o capitalismo neoliberal. Sendo considerada a China um dos vectores centrais da crise da economia real de hoje, de acordo com análises económicas publicadas na brochura, afinal, quem perdeu não foram apenas os críticos do neoliberalismo chineses mas todos aqueles que hoje sentem os resultados do modelo neoliberal.

São ainda de salientar textos de dois economistas chineses, Minqi Li, autor de um recente livro, The Rise of China and the Demise of the Capitalist World-Economy (Pluto Press, 2008) e de Andong Zhu, economista a residir em Pequim.

Certos do vosso apoio a esta iniciativa e certos que tudo farão para a sua divulgação, o que antecipadamente agradecemos, queiram aceitar os nossos cumprimentos".

[Pela Comissão Organizadora - Júlio Marques Mota]

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A origem das Repúblicas

1. No ano em que se comemora o 1º Centenário da Implantação da República em Portugal, faz todo o sentido chamar a atenção para uma recente descoberta arqueológica que seguramente virá dar grande força à teoria que sustenta que a primeira República, cuja existência histórica está documentalmente estabelecida é a República dos Pyn-güyns, pequeno enclave situado no interior da cidade de Coimbra em Portugal.

Realmente, escavações feitas nesta cidade puseram a descoberto um gruta pré-histórica onde foi encontrada uma expressa referência à referida República, como se pode ver pelas fotografias que abaixo se mostram.


2. Aproveitando a oportunidade, recordamos aqui os membros da referida República dos Pyn-Güyns que, muitos séculos depois, no ano de 1969 , fizeram uma aliança com os sectores estudantis progressistas que, em Coimbra, cidade da República Portuguesa enfrentaram os usurpadores salazarentos que à época oprimiam o povo português. Ei-los nas fotografias seguintes:

Europa - socialistas e compromisso histórico- II


Ontem, incluí neste blog a transcrição da "Introdução" a um texto da minha autoria, intitulado “Europa - socialistas e compromisso histórico”, que foi publicado no número mais recente da revista FINISTERRA. Como então disse, por razões que me são estranhas, a versão do meu texto que foi publicada não é a mais recente, enviado para a FINISTERRA em Novembro passado, mas sim uma versão anterior que eu remetera para a revista em Fevereiro de 2008. Ontem, publiquei a "Introdução", hoje vou publicar a "Conclusão"do artigo, igualmente na sua versão de Novembro de 2008, que difere menos da versão publicada do que o texto que ontem difundi.
Eis a "Conclusão" :



"Uma União Europeia aberta ao futuro, humanista, democrática, libertadora e solidária, seria um factor de esperança na evolução do mundo em que vivemos. Pelo contrário, o colapso do projecto que a sustenta seria um retrocesso dramático. No entanto, se ela continuar enredada nos cânones do neoliberalismo, a esperança poderá esvair-se e o risco de colapso aumentará.
Para fugir a esse risco, é necessário um caminho que possa começar a ser percorrido a curto prazo. É o que acontece com o compromisso histórico proposto. Na verdade, nada impede os socialistas de começarem a prepará-lo desde já, uma vez que não pressupõe qualquer ruptura política prévia, não depende de uma dramatização da conflitualidade social, nem de quaisquer acontecimento particular.
Não deve, no entanto, esquecer-se que, para a sociedade evoluir, na vigência desse compromisso, no sentido pretendido pelos socialistas, será decisivo que os movimentos sociais futurantes assumam nesse processo um papel activo e relevante.
De facto, o compromisso histórico proposto é um pacto para garantir as condições gerais de uma disputa política democrática, através da qual os socialistas hão-de procurar, naturalmente, passar de subalternos a hegemónicos. Ora, essa luta nunca poderá ser apenas institucional. Pelo contrário, envolverá necessariamente todos os aspectos da vida em sociedade, nomeadamente, os de natureza social, cultural e ideológica. Por isso, os partidos da Internacional Socialista terão, também, que aprender a suscitar novas sinergias com os movimentos sociais futurantes, particularmente, com os que exprimam resistência e alternatividade, em face do capitalismo.
Envolvendo necessariamente as duas grandes famílias políticas europeias, esse compromisso não deve fechar a porta a um pluralismo mais amplo. Todavia, como se sublinhou, os socialistas europeus têm que participar nele a partir da sua própria identidade, com base, portanto, num paradigma exterior ao neoliberalismo.
Na verdade, os partidos da Internacional Socialista não podem continuar a admitir o condicionamento da sua liberdade de acção, em nome de falsos limites objectivos, que afinal mais não são de que os pressupostos ideológicos dos seus adversários, tributários das conveniências dos poderes económicos dominantes, mas profundamente lesivos dos interesses da larga maioria dos cidadãos.
A matriz de transformação social própria do verdadeiro reformismo corresponde a um processo social complexo e prolongado. Implica imaginar-se um futuro que não repita o presente e aprender-se a descobrir os fragmentos de futuro que já hoje existam, para poder protegê-los e desenvolvê-los.
Nada tem a ver, sublinhe-se uma vez mais, com a contra-reforma neoliberal, que não passa de uma máscara tecida por dinamismos conjunturais e desgarrados, para ocultar o profundo conservadorismo que representa o esforço de eternização do capitalismo.
Tudo isto tem que ser assumido, sem ambiguidades nem tergiversações, pelos partidos da Internacional Socialista. Sem essa radical mutação no processo de construção europeia, a Europa tenderá a ser, cada vez mais, uma sucessão de equívocos, armadilhada por dificuldades crescentes, presa fácil de um agravamento de crispações e conflitos.
De facto, a crise que atravessamos mostra claramente que, sem uma esquerda com protagonismo próprio, relevante na esfera do poder político, a direita tenderá a limitar-se a responder aos problemas imediatos incontornáveis, reproduzindo todas as condições para que ciclicamente se repitam, embora sem poder garantir que o não façam com uma força e gravidade maiores. Paralelamente, tenderá a radicalizar-se em sinergia com os poderes de facto, que tendem a tornar-se crescentemente mais sôfregos.
Além do mais, só a afirmação de uma lógica alternativa ao capitalismo pode tornar visível a raiz dos conflitos sociais e indicar caminhos para sua superação. Doutro modo, perante a imagem, cada vez mais pesada, da inevitabilidade da exclusão social e da desigualdade, bem como da consequente ausência de um caminho político para sair delas, o mal-estar social dos explorados e excluídos tenderá a ser cada vez menos convertível numa energia política institucionalmente relevante e transformadora.
Aumentará o risco de se cair num mal-estar social difuso, numa angústia colectiva alheada da esperança, numa atmosfera propícia ao exacerbamento de uma conflitualidade social movida por factores circunstanciais, assente em preconceitos ou em dinâmicas aleatórias e dissipativas, politicamente estéreis. Ficará assim aberta a porta a todos os fundamentalismos, ao exacerbar dos nacionalismos mais estreitos, às alianças de todos os ressentimentos, às pulsões suicidárias de todos os desesperos. A mais vertiginosa irracionalidade poderá chegar ao cerne de muitos conflitos sociais e políticos, minando os alicerces da democracia e fazendo regredir social e culturalmente a Europa.
Hoje, vivemos uma grave crise financeira e económica que abala os próprios fundamentos do capitalismo reinante, ao mesmo tempo que já é claro o risco de grandes catástrofes ambientais. Todavia, tem sido ideologicamente ocultado o risco de catástrofes sociais e de bloqueamentos políticos. E, no entanto, eles dificilmente serão evitáveis se não soubermos caminhar para um futuro que não se limite a ser uma reprodução degradada do presente.
O contributo da construção europeia para diminuir esse risco é decisivo. Porém, só é realista contar com ele se houver um acréscimo de protagonismo dos partidos socialistas na União Europeia. Sem esse novo protagonismo, pelo contrário, o risco de uma implosão social e política da Europa tenderá a agravar-se.

Palavras de Abril


Fui convidado, pela Direcção – Geral da AAC, a escrever um pequeno texto alusivo ao 17 de Abril, destinado a sair numa página da sua responsabilidade, integrada no “Diário As Beiras”. É esse texto publicado nesse jornal, ontem, dia 15 de Abril, com o título “Palavras de Abril”, que abaixo transcrevo.


“Às vezes, a memória faz do passado uma melodia de Outono, melancólica e triste, mostrando-nos o perfume discreto de um trajecto pessoal que nos ajudou a ser o que somos. Outras vezes, raras vezes, enche-o de uma claridade que o projecta no futuro, como uma casa comum onde nos acolhemos, com muitos outros, como se dela nunca tivéssemos saído. É o que acontece com a evocação da crise universitária de Coimbra de 1969.

Uma crise que, quarenta anos depois, está a receber dos estudantes de hoje, representados pelos actuais dirigentes da Associação Académica de Coimbra, uma homenagem implícita que transcende qualquer honra que alguma vez sonhássemos vir a receber. Simplesmente, porque a AAC resolveu comemorar o 17 de Abril de 1969, ligando-o ao 25 de Abril de 1974. Não nos comparamos com os militares de Abril, mas honramo-nos por sermos apontados como pertencendo à mesma genealogia. E não queremos deixar de lembrar outras lutas estudantis que nos abriram caminho, com natural relevo para a Crise Académica de 1962.

Queríamos uma Universidade Nova. Não apenas para nós, mas principalmente para todo o povo português, para as gerações futuras. Queríamos uma Universidade tão Nova que mostrasse a urgência de uma Sociedade verdadeiramente Nova.

Estamos longe desse tempo fechado, desse exílio vivido na própria terra, desse país injusto e sem liberdade, crispado num recanto de uma Europa que nos ignorava, votado ao isolamento na cena internacional pela mão de um colonialismo que se esfumava, dolorosamente, no estertor violento de uma guerra desesperada. Estamos longe dessa Universidade envelhecida e envilecida pela promíscua cumplicidade com o poder ditatorial. Dessa Universidade em que apenas uma larga parte dos seus estudantes e uma muito pequena parte dos seus professores lutavam para manter abertas algumas janelas que nos ligassem ao futuro.

Muito se andou, desde então, em mais de três décadas de democracia. Mas nem a Sociedade é ainda tão nova como é necessário, nem a Universidade chegou tão longe como então se sonhava. Há aparentes novidades que são afinal envelhecimento, mas há velhos sonhos que nunca deixam de ser novidade. Eles assumem novos rostos, à luz das novas circunstâncias históricas, ganham novos contornos, revestem-se até de um novo sentido. Mas se no seu código genético estiverem marcadas bem fundo as marcas da liberdade, da solidariedade e da justiça, podem continuar a ser respirados todas as manhãs como se fossem a juventude do mundo.”

quarta-feira, 15 de abril de 2009

EUROPA - socialistas e compromisso histórico

Com o título “Europa - socialistas e compromisso histórico”, foi publicado no número mais recente da revista FINISTERRA um texto meu. Procurarei, tão brevemente quanto possível, arranjar maneira de o pôr na sua totalidade à disposição de eventuais interessados.


Entretanto, julgo fazer sentido difundir desde já uma parte da respectiva “Introdução”. Tanto mais que, por razões que me são estranhas, a versão do meu texto que foi publicada não é a mais recente, a que eu havia enviado para “Finisterra” em Novembro passado, mas sim uma versão anterior que eu enviara para a revista em Fevereiro de 2008. O facto de um texto deste tipo não ter ficado desactualizado com o eclodir da crise actual, é algo que valorizei positivamente.


Isso não impede que a versão publicada na FINISTERRA esteja menos ancorada na realidade actual e consequentemente, em certos aspectos, tenha um tom crítico mais atenuado ou menos explícito do que aquela que aqui divulgo hoje e que, por razões a que sou alheio, foi preterida em favor da versão anterior.


Estamos em plena campanha para as eleições do Parlamento Europeu. Previsões que vieram a público, no plano europeu, apontam para uma relativa estabilidade dos resultados, mantendo-se o Partido Popular Europeu como primeira força e o Partido Socialistas Europeu como segunda. Em termos europeus isso será um desaire, embora esperado, para o PSE. Ficar preso aos maus resultados da eleição anterior é um indício de estagnação e de secundarização preocupante.


No entanto, para além das sequelas do problema italiano que pode deixar o PSE sem um ramo neste país, pela diluição dos Democratas de Esquerda (DS - ex-PCI) no novo Partido Democrático, há o risco de em países como a França e a Alemanha os resultados serem para o PSE piores que o estimado.


O tema abordado pelo artigo em causa tem por isso toda a actualidade e como não é um eco de posições oficiais ou dominantes, pode contribuir para um indispensável debate. Eis a versão da "Introdução" que devia ter sido publicada:



“A Europa foi acordada da sua letargia. É agora impossível prosseguir numa via que encare o futuro como simples espelho do presente. De facto, aceitar permanecer no círculo vicioso, onde actualmente caiu, é um caminho rodeado de abismos.
É agora mais nítido que a presença e o papel da Europa no mundo não serão nunca o resultado feliz de uma inércia sem sobressaltos. Pelo contrário, ou serão o desenlace almejado de uma luta árdua por novos horizontes, ou ficar-se-ão por um simples Outono com a cor da saudade.
De facto, tudo indica que a Europa não sobreviverá como participante indispensável de uma orquestra mundial, se não abrir a si própria novos horizontes. Horizontes, cuja novidade não pode deixar de ser o mais amplo cumprimento dos ideais, há muito prometidos e sempre adiados, de uma liberdade radicada na igualdade, de uma solidariedade verdadeiramente fraterna e criativa.
E é, precisamente, por isso que este texto podia também ser intitulado: a hora dos socialistas. Na verdade, se já antes o esquecimento de si próprios, de que pareciam padecer os socialistas europeus, vinha dando à União Europeia uma tonalidade outonal, manter esse esquecimento depois da eclosão da recente crise, pode fazê-los sair da história por renúncia.
De facto, o paradigma capitalista dominante, na sua versão neoliberal, foi agora reduzido a uma embaraçada sombra de si próprio. Tornou-se num cadáver ambulante, mendigando morte condigna. Mas enquanto os povos o não enterrarem, continuará a assombrar o mundo como fantasma perdido. E é esta agonia que tem que ser pilotada, para que não arraste consigo toda a sociedade, para que não venha a fazer morrer com o sistema o próprio futuro dos cidadãos europeus.
Não tenhamos, contudo, a ilusão de que a História, qual força irresistível desde sempre programada, nos vai oferecer um futuro melhor, dispensando-nos das lutas e do risco. Não está, de facto, escrito que o mundo resista à eternização das predações, que são a própria natureza do capitalismo; tal como não está escrito que a Europa se integre no futuro da humanidade como esperança em movimento e não como museu de um tempo perdido. Não tenhamos ilusões. Para chegarmos aos portos almejados, há ainda muita viagem pela frente, muitos combates, muito esforço reflexivo, muito sofrimento, muita incerteza.
No entanto, para compreendermos bem a época que atravessamos temos que ter bem presente que o pós-capitalismo é uma inevitabilidade inscrita no horizonte, uma inevitabilidade objectiva agora mais perceptível, mais evidente do que há uns meses atrás. Uma inevitabilidade que pode desembocar nos dramáticos escombros de uma regressão civilizacional, mas que também podemos conseguir que se traduza na conjugação das sinergias de todas as utopias, de todas as esperanças colectivas, de todos os ideais emancipatórios e solidários.
A dúvida sobre se caminharemos para um pesadelo social, político e ecológico, ou se abriremos as portas a um novo tempo de emancipação e solidariedade, não se pode desfazer pela descoberta do que esteja escrito num qualquer livro do destino. Realizar a esperança e evitar o pesadelo depende daquilo que os homens concretos deste novo século forem capazes de fazer, depende do rumo que conseguirem dar à marcha da Humanidade.
São muitos os caminhos que nos podem fazer aproximar do que queremos, todos eles com escolhos, atalhos e armadilhas, num permanente desafio à nossa inteligência, à nossa coragem, à nossa determinação e à nossa generosidade. Cabe aos socialistas não desistirem de um pós-capitalismo que reflicta os sonhos milenares de emancipação e liberdade de que o socialismo aspira ser a realização e o episódio supremo. Há, por isso, todo um exigente trajecto reformista a percorrer. Mas se os partidos da Internacional Socialista na Europa não forem capazes de assumir o protagonismo hegemónico desse processo, podem torná-lo irrealizável, o que poderá fazer com que se esfume a sua própria razão de ser.
Haverá outras áreas políticas da esquerda que na Europa se lhe possam substituir, apossando-se do testemunho simbólico dessa hegemonia? Pelo que se tem visto nos últimos tempos, mesmo que o conseguissem, o que não é certo, é objectivamente impossível que isso acontecesse a curto prazo.
Ora, o tempo é aqui uma condicionante central. Esse hiato, se ocorresse, significaria uma ausência da esquerda num período decisivo, para a escolha dos caminhos a percorrer pela União Europeia. E essa ausência de outros protagonistas liderantes da esquerda, no plano institucional, que substituíssem Partido Socialista Europeu, potenciaria muito o risco de se ver a Europa, entregue sem partilha à liderança do Partido Popular Europeu. Uma liderança que, seguramente, multiplicaria crispações, podendo fazer com que a Europa fosse murchando, até se transformar numa relíquia museológica perdida na História.
Agora, porém, que o fundamentalismo neoliberal está absorvido pela urgência de lamber e esconder as suas próprias feridas, seria ainda mais trágico e absurdo que os partidos da Internacional Socialista, deixassem à direita europeia campo livre, para um golpe de ilusionismo que a absolvesse da culpa pelo desastre para onde nos conduziu. E isso pode acabar por acontecer, se esses partidos continuarem dóceis perante o paradigma neoliberal, incompreensivelmente submissos em face da vulgata economicista ideologicamente dominante.
De facto, o unilateralismo economicista reinante mostrou agora gritantemente que, deixado ao sabor da sua inércia mais pura, conduzirá inevitavelmente o mundo para o abismo. Por isso, permitir que alguns zombies de uma mitologia arcaica continuem a assombrar o mundo com receitas que se viu como podem ser fatais, é um risco insuportável.
A crise aguda que se manifestou fez, por outro lado, com que a renovação do Tratado da União Europeia, que se mantinha na agenda política, tivesse regressado, talvez conjunturalmente, a uma penumbra discreta. Mas, sendo certo que se esbateu como problema de primeira linha, está longe de se ter dissipado. Pelo contrário, ainda que hoje mediaticamente latente, tem amplas potencialidades para um regresso ao centro das atenções, a relativamente curto prazo.
No entanto, não pode, agora mais do que nunca, continuar a ser encarado como problema susceptível de ser resolvido por uma simples cosmética política, feita de habilidades jurídicas e malabarismos conceptuais. É cada vez mais arriscado agir longe das raízes mais fundas desse mal-estar europeu, tão sugestivamente ilustrado pelos resultados dos referendos na França e na Holanda, que por mais que se distanciem no tempo não devem ser esquecidos, enquanto a conjuntura não se tenha qualitativamente alterado. Aliás, o novo fracasso irlandês veio até sublinhá-los.
Por tudo isso, mais do que nunca, é necessário, para se evitarem derivas sociopolíticas mais dramáticas, chegar à raiz desse mal-estar que se tem vindo a instalar nos anos mais recentes e que a crise agora vivida ameaça agravar, potenciando os riscos dessa melancólica estagnação.
De facto, a União Europeia, no essencial, tem vindo a ser construída através de um compromisso entre Estados, o que deu centralidade ao seu protagonismo e induziu respeito pela dignidade de todos eles. É agora necessário valorizar a participação dos cidadãos, reconhecendo-lhes uma dignidade própria e atribuindo-lhes um papel efectivo nesse processo de construção.
Sem menosprezo por outras vias de afirmação desse protagonismo, ele implica, em primeiro lugar, o envolvimento directo e explícito dos partidos políticos congregados nas várias famílias políticas europeias. E esse envolvimento partidário, para ser eficaz, tem que abranger, necessariamente, as duas famílias políticas eleitoralmente predominantes. Envolvimento que, não afastando naturalmente a normal competição política, não pode deixar de implicar um compromisso entre os socialistas, os social – democratas e os trabalhistas do Partido Socialista Europeu, por um lado, e os liberais e os conservadores do Partido Popular Europeu, por outro. Um compromisso que deverá no futuro estender-se a outras famílias políticas europeias e que só será fecundo, se for leal e transparente. Isto é, se resultar de uma conjugação de posições em que cada uma delas reflicta, por completo e sem ambiguidades, a plena identidade histórica do respectivo protagonista. É neste sentido, e pensando no médio prazo, que achamos dever falar num novo compromisso histórico para a Europa.
Para se poder percorrer esse caminho, há contudo um pressuposto incontornável: é preciso reconhecer que até agora, no essencial, a União Europeia tem sido fiel ao paradigma neoliberal, o que significa que o Partido Popular Europeu se tem movido num terreno que é o seu, enquanto o Partido Socialista Europeu tem aceitado ser condicionado, em permanência, por uma ideologia que lhe devia ser estranha. É, por isso, falsa a imagem de uma Europa como fruto de uma convergência tácita, entre duas grandes famílias políticas. Na verdade, apenas uma delas tem conseguido reflectir em pleno a sua identidade no rumo europeu, enquanto a outra se tem confinado a um papel estruturalmente subalterno. No limite, esta última apenas tem impedido que a lógica dominante se exceda numa dinâmica desregrada; mas, como se está a ver, não teve influência suficiente para prevenir a deriva suicidária que nos trouxe às aflições presentes.
Esta é a raiz do equívoco político que inquina a actual fase da vida da União Europeia, pondo-a em perigo como projecto e sendo, ao mesmo tempo, uma das causas de um possível enfraquecimento eleitoral e político dos partidos que integram o Partido Socialista Europeu (PSE).
E isso é assim, porque a deriva neoliberal tem vindo a gerar uma insatisfação crescente nos cidadãos europeus mais penalizados pelo agravamento das desigualdades sociais, tendo-se revelado grosseiramente predatória com a eclosão da actual crise. Se essa insatisfação, em parte ainda latente e difusa, não for debelada, a crise da União Europeia virá a ser real, tanto mais facilmente, quanto se começam a desenhar tentativas de reduzir as dificuldades da actual conjuntura a um episódio fortuito que é preciso fazer esquecer para que tudo fique na mesma.
Mas é ilusório pensar-se que os cidadãos europeus estarão, indefinidamente, dispostos a abdicar dos seus direitos e da sua dignidade, para serem salvaguardados privilégios de grupos sociais minoritários, que mostraram, agora claramente, como é arriscado deixá-los submeter-nos à sua lógica própria, ostensivamente cega e suicida. De facto, essa salvaguarda é uma via cada vez mais estreita, apesar de nos quererem fazer crer o contrário, através da difusão compulsiva da ideia de que é de interesse público o enriquecimento ilimitado dos detentores do capital. Enriquecimento esse que a redução da economia a uma ideologia paroxística do lucro, sob a égide, mais ou menos desregulada, da especulação financeira, tem feito tudo para incentivar.
Ora, os partidos socialistas europeus têm, precisamente, a sua base social de apoio e uma grande parte do seu eleitorado, nos cidadãos mais lesados pelo actual predomínio do paradigma neoliberal na construção europeia e pelas consequências mais agudas da actual crise. No entanto, até agora, não têm sido capazes de escapar a esse paradigma, fazendo aumentar o risco de uma ruptura dramática, e mais ou menos brusca, entre os partidos europeus da Internacional Socialista e o cerne da sua base social
de apoio.
Por isso, embora a União Europeia, tal como existe, esteja profundamente marcada pelas posições do Partido Popular Europeu, o epicentro da sua estagnação actual está no Partido Socialista Europeu, que corre ainda o crescente risco de ver os partidos nacionais que o constituem dramaticamente enfraquecidos. De facto, há que sublinhar que se não mudarem de rumo, se encararem os desafios da actualidade, limitando-se ao jargão previsível dos habituais lugares-comuns, os partidos europeus da Internacional Socialistas arriscam-se a perder a sua base social e a serem abandonados por uma grande parte do seu eleitorado.
Ora, se isso acontecer, pelo que atrás se disse, deixará de ser suficientemente relevante, à escala europeia, a expressão político-institucional dos descontentamentos, abrindo-se a porta a que uma grande parte da respectiva energia política se disperse em pulsões dissipativas de desespero e revolta, inaproveitáveis para a política institucional. E se isto já era assim até ao desencadear da crise presente, agora todos os riscos cresceram, exponencialmente.
E se o Partido Socialista Europeu visse colapsar a sua legitimidade institucional, pela perda da força eleitoral que lhe permite ser um partido de governo, os liberais e os conservadores do Partido Popular Europeu passariam a ser os responsáveis únicos pela vertente institucional da instância política, no seio da União Europeia. Seria o bloqueamento do processo europeu, ou até o risco da sua implosão. Os conflitos sociais, provavelmente, sairiam do terreno democrático institucional, transferindo-se directamente para as ruas. O potencial reformista dessa energia conflitual ficaria, por isso, bastante reduzido. A sua energia política não seria suficiente para se abrir um rumo alternativo. E, se isto já era assim até há pouco, tudo agora evoluiu no sentido de aumentar os riscos de conflitualidade social e de potenciar a sua gravidade.
É neste contexto que devem situar-se os dois pressupostos em que assenta a ideia central do que aqui se escreve: 1) o paradigma neo-liberal tem predominado na actual fase da construção da União Europeia, o que implica a subalternidade dos cidadãos, em face dos poderes de facto economicamente dominantes; e isso é algo que, a médio prazo, será democraticamente insustentável; 2) a ausência de um contributo próprio dos partidos europeus da Internacional Socialista, para a construção europeia, coloca-os na órbita do referido paradigma; por isso, correm o risco de uma grave e duradoura ruptura com a respectiva base social, o que poderá transformar a actual estagnação europeia num bloqueamento institucional, ou mesmo numa crise, o que, conjugado com a crise económica que eclodiu, pode ter efeitos devastadores.
Por isso, para se percorrer um trajecto fecundo, há duas condições prévias a preencher. A primeira implica uma alteração estratégica profunda dos partidos socialistas, trabalhistas e social-democratas que integram a Internacional Socialista. Uma mudança que, em primeiro lugar, os conduza a assumir uma completa exterioridade, em face do paradigma neoliberal, de modo a poderem caminhar para a afirmação de um paradigma alternativo. Uma mudança que, em segundo lugar, coloque no centro das suas políticas a vontade de assumirem uma autonomia de projecto, com base na qual sustentarão a imperatividade de um compromisso histórico com os liberais e os conservadores europeus, aberto às outras correntes políticas representativas, como pilar decisivo da próxima fase da construção da União Europeia.
Preencher a segunda condição implica que os liberais e conservadores europeus, ou seja, o Partido Popular Europeu, admitam que é necessário esse compromisso. Isso exige naturalmente o reconhecimento de que, no caminho já percorrido pela construção europeia, tem predominado largamente o paradigma neoliberal, o que terá que deixar de acontecer, à luz do novo compromisso histórico.
O preenchimento destas duas condições prévias não será a chave mágica para a superação de todas as dificuldades, mas será uma boa base para uma nova fase na vida da União Europeia, que fará com que seja mais sólido e duradouro tudo o que se for conseguindo.
Deste modo, pretender superar o risco de bloqueio do processo europeu, de que os resultados dos referendos francês e holandês foram dois indícios poderosos, com malabarismos institucionais ou retóricas apologéticas, mais não é do que é um conservadorismo estéril que ignora imprudentemente as mais sérias mensagens de aviso. Por outro lado, a tomada de medidas curativas imediatas para combater a crise que grassa nas economias europeias não pode circunscrever-se a uma resposta conjuntural, dirigida afinal a deixar tudo como dantes. Pelo contrário, aquilo que era necessário até agora, tornou-se mais urgente e as resistências ideológicas às opções propugnadas viram a sua razão de ser dramaticamente enfraquecida.
A Europa tem pela frente problemas difíceis. Não deve escondê-los nem ignorá-los, nem mesmo reduzi-los a simples dificuldades conjunturais de natureza institucional ou económica que, podendo ser mais facilmente superadas, dêem a ilusão de que tudo voltará à normalidade, após algumas medidas políticas avulsas mais ou menos felizes.
De facto, a actual estagnação da União Europeia e a crise que atravessa são sinais de um impasse, mas de um impasse estrutural que, por isso mesmo, não pode ser enfrentado com êxito através de medidas que não tenham, pelo menos, a densidade política e a relevância estruturante do compromisso histórico proposto.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Bilbau : Museu Guggenheim


Em Bilbau ( Bilbo, para os bascos), existe um dos museus Guggenheim. Visto de fora o museu é um acontecimento estético, percorrido por dentro é uma interpelação museológica. Algumas fotografias podem estimular a curiosidade.



domingo, 5 de abril de 2009

Fragmentos de abismo


Não é apenas no ribombar solene do parlamento que as oposições têm vindo a convergir com frequência crescente nos argumentos e propostas com que procuram arrasar o actual governo e desmilinguir o PS.


Também na blogosfera, a alegada nova vaga dos comentadores mais dotados, sejam eles póstumos sinais de um salazarismo perdido ou discretos afloramentos de um errático radicalismo de esquerda, se alia expressamente em tudo o que derreie Sócrates e afunde o PS.


Se rasparmos um pouco o verniz da notoriedade mediática e nos embrenharmos no vasto universo da gente comum que se exprime hora a hora no espaço cibernético, começamos a deparar com a mesma inesperada aliança.


Num primeiro momento, apetece-me gritar para que a direcção do PS possa ouvir: é tempo de deixar de entregar postos de combate a soldadinhos de chumbo e aos almofadinhas de serviço. Não deixem o combate político entregue a especialistas de prateleira, a melífluos gestores de imaginárias carreiras. Estamos a entrar num tempo de luta política, a sério. Passou o tempo das vénias e salamaleques. Escolham para o ciclismo quem sabe andar de bicicleta. Regressem rapidamente ao essencial da nossa identidade política. Já perceberam que o neoliberalismo ruiu. Falta agora extraírem daí todas as lógicas consequências.

Num segundo momento, contemplo com melancolia, as matilhas mediáticas que se acirram contra o governo e o PS, de raízes opostas , mas, conjunturalmente, cada vez mais consonantes e solidárias entre si. Se tiverem êxito e uma das duas partes agora associadas chegar ao poder, a outra vai para a cadeia. Uma névoa qualquer impede-as de ver isso.

sábado, 4 de abril de 2009

A Drª Verdades Ferreira Leite



A Dama de Cinza é uma mulher de convicções: o que ela pensa é a verdade. O que for pensado de diferente é a mentira. Daí que, para ela, a luta política seja um combate entre os paladinos da verdade ( o seu séquito) e os mentirosos ( os seus adversários).

É por isso que a sua célebre “gaffe” dos seis meses de intervalo ditatorial, como remédio para as mazelas do nosso rectângulo, não o foi realmente. De facto, não foi uma “gaffe”, foi um desejo, ditado pela sua profunda convicção de que a única verdade limpa e inteira é a sua. Por isso, bem no seu íntimo, meter na ordem os “mentirosos”, durante seis meses, não seria um atropelo à democracia, seria um sobressalto de justiça, a favor da sua verdade, que permitiria, aliás, lançar no abismo do esquecimento as perniciosas ideias dos “mentirosos”. Generoso desígnio!

E como a sua “verdadezinha” neoliberal tem vindo a ser pulverizada pela “mentirosa” realidade, a Dama de Cinza tem-se acendido numa exacerbação de fúria, tonitroando ferozmente contra os seus adversários, com palavras que cada vez mais gostariam de ser balas.
Com a questão da segurança social, a Senhora efervesceu de vez. Tricotara o PSD pacientemente uma teia, que deixasse ao Estado o ónus dos possíveis prejuízos e aos suados capitalistas, donos das seguradoras, o sacrifício de auferirem lucros fáceis, quando, inopinadamente, veio a crise, essa “mentirosa” contumaz, perversa devastadora de tão “boas” ideias, deixar insuportavelmente a nu a natureza íntima da proposta laranja. E os augustos cérebros de tão denodada proposta sentiram-se como os meninos traquinas que são apanhados a pilhar rebuçados. Mas, a Dama não se deixou impressionar. Foi directa e decidida: "Essa verdade é mentira!"

Mas o rilhar de dentes foi ainda mais raivoso. Se a Dama de Cinza tivesse o poder de transformar o governo de Sócrates e o próprio PS, em estátuas de sal, certamente que a teríamos visto, num gesto rápido, lançar a impiedosa maldição. Mas não pode: apenas pode desferir frases de chicote, erguendo-se como maldição contra uma “mentira” tão real, como o fantasma cansado do neoliberalismo perdido.

Vai daí, sai mais uma campanha da cartola da propaganda que se tem esfalfado sem êxito, para a fazer subir nas sondagens. E, ó milagre da criatividade política e do pensamento laranja, qual vai ser o eixo da campanha ? Adivinhem. Isso mesmo: a verdade. Uma verdade entaremelada e pesadona, repetitiva e trivial, esparramada em cartazes de parede ou ostentada nas ruas como um ruído ansioso.

Há, no entanto, um pequeno problema suplementar que pode somar-se perigosamente a algumas das pequenas dificuldades, acima sugeridas. É que a Senhora Drª Verdades Ferreira Leite (é justo chamá-la assim), vai iniciar esta nova cruzada conta a “mentira”, sob a bandeira de um partido político, que tem no seu código genético uma mentira fundadora.

De facto, à luz dos critérios por que se regem os alinhamentos internacionais das famílias políticas, entre si diferenciadas, o Partido Social-Democrata não é um partido social-democrata. E, sublinhe-se, eu não estou aqui a pretender ser eco de um qualquer rigorismo ideológico que pudesse, por exemplo, sustentar que o PS não é verdadeiramente socialista, que o PCP não é verdadeiramente comunista, que o Bloco de Esquerda nem sempre é de esquerda e que o CDS/PP está bem longe de ser democrata cristão. É certo que dificilmente se pode sustentar que o PSD português seja ideologicamente social-democrata, mas não é disso que se trata aqui. A questão é outra; e é esta diferença que é objectivamente significativa.
O PSD português pediu a adesão e foi admitido no Partido Popular Europeu, que claramente nada tem a ver a social-democracia, mas nem por isso achou necessário mudar de designação internamente. Aliás, todos os partidos europeus que usam a designação de sociais-democratas estão integrados no Partido Socialista Europeu.

Portanto, do que se trata não é de discutir a natureza politico-ideológica de um partido. Trata-se de uma mentira, esta sim real: O PSD português, quando se integrou, por vontade própria, numa família política que não era a que abrangia os sociais-democratas, assumiu que já o não era, mas não quis adequar a sua designação nacional, à sua efectiva identidade europeia, uma identidade que expressamente assumiu.

Por isso, se pode dizer que, do ponto de vista da transparência politico-ideológica, o PSD, enquanto não adequar a sua designação nacional ao nome da família política europeia a que pertence, é uma verdadeira”mentira” ambulante.

Assim, a Drª Verdades Ferreira Leite, se quiser fazer jus ao seu novo nome, conquistado aliás com toda a justiça, tem que começar por promover a mudança de nome do PSD. Se não for esse o caso, podemos ser levados a pensar que, também aqui, o que mais se grita como nosso é aquilo de que se sente mais falta.

Maus Sentimentos e Preservativos



Na sua coluna regular que publica no DESTAK, “Estranho quotidiano”, J.L. Pio Abreu, fez sair dois saborosos textos que com a sua autorização aqui hoje divulgo. O primeiro é de 27/3/09, o segundo é de 4/4/09. A um primeiro olhar parecem distantes, mas se os lermos bem verificamos que fazem parte do mesmo sorriso.

1. Os maus sentimentos

É próprio da natureza humana que os bons sentimentos sejam efémeros e molengos, enquanto os maus duram e mobilizam. Quem alcança um desejado bem fica alegre por algum tempo, mas logo quer mais e mais. Mesmo que a alegria seja contagiante, esse efeito é fugaz. É bem possível que essa insatisfação básica do ser humano o tenha levado a conseguir o que já conseguiu: o impossível.

Ao contrário, os maus sentimentos perduram. A inveja, o ódio, o ciúme, o rancor, o ressentimento podem dirigir as acções de uma vida inteira. E mobilizam tanto mais quanto os seus detentores se negam a aceitá-los, que é o mais frequente. Neste caso, basta que se lhes apresente alguém a quem odiar para que logo exprimam a sua raiva que asseveram justificada. É por isso que os maus sentimentos são explosivamente contagiantes.

Quem acorda a sua raiva sente-se vivo de novo, nem que seja para encetar um ciclo destrutivo. A raiva gera destruição que, por sua vez, gera raiva em círculo vicioso. E todos exultam por se sentirem vivos. Quer isto dizer que a raiva tem procura e é, por isso, um valor de mercado.

É sabido que a raiva e a acusação gratuita semeiam o desastre. Mas que importa, se têm audiência? Dão pouco trabalho e pagam-se bem. É por isso que se perfilam tantos acusadores nos meios de comunicação social, e que alguns jornalistas competem por ser o Grande Acusador. É apenas por isso. Desenganem-se aqueles que pensam que é por razões pessoais.


2. Preservativos

Sempre foram a solução mais simples para fruir o prazer sem conclamar as dores - de parto e outras. Os nossos antepassados conheceram-nos em materiais primitivos e incómodos, como a tripa de carneiro. Hoje, os novos materiais permitem que eles existam em todos os tamanhos, texturas, cores, cheiros e sabores. São objectos artísticos de uso amigável mas destino efémero.

Tal como a privacidade do uso, a sua circulação era outrora secreta. Comprados a meia voz ao farmacêutico de confiança, logo voavam para os esconderijos dos psichés. Mas também isso mudou: oferecem-se agora em instituições de saúde, saem, a troco de uma moeda, de caixas colocadas em paredes oportunas, circulam em porta-chaves e apresentam-se num encontro quente ocasional como sinal de jogo limpo e sábia precaução.

A utilização do preservativo assinala que a relação não tem intenções malévolas. Não consta que os violadores o usem, como não o usam aqueles que querem condicionar os parceiros. Também o não usa quem, consciente ou inconscientemente, se move pelo desejo oculto de espalhar nos outros o mal que transporta. Neste tempo, um relacionamento sexual desprotegido pode ser assassino.

Com a privacidade cada vez mais difícil, existem hoje prazeres alternativos, como o protagonismo público. Às vezes, basta dizer certas palavras para se alcançar um orgasmo mediático. São em geral palavras insólitas, mas as malévolas e assassinas produzem o mesmo efeito. É aqui que os preservativos podem ser de novo úteis. Basta colocá-los na língua durante o protagonismo público.

[J. L. Pio Abreu ]