O episódio “um deles mente”, protagonizado pelo actual Primeiro-ministro e pelo actual director do semanário “Expresso”, a propósito de uma alegada utilização ilegal dos Serviços Secretos levada a cabo pelo Governo, está longe de estar encerrado. [Veja-se neste mesmo blog "Um deles mente!", de 19 de Julho passado]
Perante a insistência do referido Director, na verdade da sua versão e consequente mentira do Primeiro-ministro, este com estranha mansidão, insistindo na sua própria versão, limitou-se a prometer um trivial “rigoroso inquérito”.
Em resposta a Passos Coelho, num texto publicado no semanário "Expresso" de sábado passado, o referido director Ricardo Costa escreveu : “Há uma semana, o ministro Miguel Relvas foi muito rápido a desmentir "categoricamente" que o Governo tenha pedido às secretas informações sobe Bernardo Bairrão. Os desmentidos dos governos neste tipo de notícias são normais. São, aliás, obrigatórios, porque os governos não podem confirmar o que é secreto, muito menos o que pode configurar uma ilegalidade.”
Se reflectirmos um pouco sobre estas duas atitudes, verificamos que elas só são compreensíveis, se de facto o director do “Expresso” estiver a dizer a verdade e o Primeiro-ministro a fugir dela. Se não vejamos.
Acham natural que um Chefe do Governo, a quem imputam falsamente o recurso aos Serviços Secretos, pedindo informações sobre alguém convidado para o seu Governo, as quais teriam conduzido ao seu desconvite, reaja tão molemente à imputação? Tão molemente que se limitou a reiterar a sua versão (considerada falsa pela outra parte) e a resmungar vagamente a habitual laracha do rigoroso inquérito. Acham natural uma tal mansidão, quando lhe está ser imputada uma ilegalidade grave, sobre a qual, ainda por cima, se afirma que ele mentiu pública e oficialmente, negando algo que afinal o Governo fez?
E, pelo lado de Ricardo Costa, acham que, se ele não estivesse absolutamente certo e se não tivesse provas firmes do que afirma, insistiria, uma vez mais, alegando como verdade a sua versão e considerando mentira a versão do Governo ? Acham que o director do semanário, cujo principal proprietário é um fundador do PSD , insistiria na sua versão, sem estar bem estribado em provas irrefutáveis?
Penso que não. E, se lermos com atenção a sua frase acima transcrita, percebe-se perfeitamente que ela é escrita por quem se sente na mó de cima. E de tal modo assim é, que até se dá ao luxo de conceder que o Governo mentiu, mas a mentira não só não é grave como é até uma espécie de tique de função, próprio de qualquer Governo .
Ora, o testemunho de Ricardo Costa, quanto à veracidade do que afirmou, é decisivo, mas o seu juízo de valor, quanto à gravidade política e ética daquilo que apurou, vale o que vale a opinião pessoal de qualquer cidadão. E, ao contrário do que deixa entender , não estamos perante um pequeno tropeção sem importância.
Pelo contrário, estamos perante uma ilegalidade gravíssima , uma vez que reflectirá, se tiver sido consumada, uma utilização dos serviços secretos pelo Governo, à margem da legalidade. Ora, nós sabemos que a proibição absoluta de desvios desta natureza é um elemento constitutivo de qualquer democracia. De facto, se o Governo puder usar relativamente aos cidadãos nacionais, para fins que sejam da sua conveniência, os serviços secretos, nós estaremos tão desprotegidos perante uma arbitrariedade dessas, com estávamos perante a polícia política durante a ditadura salazarista. Por isso, a hipótese de isso ter acontecido não pode ser simplesmente varrida para debaixo do tapete. Há que exigir completo esclarecimento do acontecimento, o que não poderá ser o resultado de qualquer mini-inquérito, no qual basicamente se irá perguntar a uns tantos agentes, se eles fizeram alguma maldade. Para depois, perante a sua óbvia negativa, se vir garantir publicamente que a legalidade democrática foi rigorosamente respeitada. Exige-se pois uma investigação crível e não um arremedo de inquérito, para enganar papalvos. Por isso, permito-me perguntar: Onde pára o Ministério Público?
Por outro lado, quando está em causa um governo da responsabilidade de um partido em que pontificam as monjas e os monges da verdade mais pura, com o seu temível dedo apontado para as mais discretas imperfeições dos outros, não pode apagar-se, de ânimo leve, essa nódoa indelével de um Primeiro-ministro que talvez minta, que tudo indica estar a dizer coisas muito distantes da verdade. E, se mentir, ele nunca poderá fazer menos do que ir de corda ao pescoço apresentar-se à terrível Verdades Ferreira Leite, para que ela o remeta olimpicamente para os infernos ou consinta magnanimamente no purgatório, de acordo com o que o seu alto critério e Belém disserem.
E não posso deixar de estranhar, como fecho, que, neste caso, quando das oposições se esperaria uma barragem devastadora de críticas, apenas se tenha ouvido até agora o modesto ruído de bombas de carnaval.
E não posso deixar de estranhar, como fecho, que, neste caso, quando das oposições se esperaria uma barragem devastadora de críticas, apenas se tenha ouvido até agora o modesto ruído de bombas de carnaval.
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