domingo, 27 de outubro de 2013

O DISCRETO RUÍDO DE PALAVRAS GRANDES

Quando alguém diz mal de si próprio, talvez seja um estóico.
Quando alguém se elogia a si próprio, talvez seja um tolo.

Quando alguém diz mal de um outro, talvez seja um invejoso, quando ele é fraco e um justiceiro quando ele é forte.
Quando alguém diz bem de um outro, talvez seja um bajulador, quando ele é forte e um justo quando ele é fraco.

Quando alguém vê nesta sociedade os prelúdios de um desastre, talvez seja um profeta.
Quando alguém vê nesta sociedade os prelúdios de um amanhecer, talvez seja um sonhador.

Ouço com simpatia os estóicos e procuro ignorar os tolos.

Desprezo os invejosos e os bajuladores. Simpatizo mais com os justos do que com os justiceiros.

Ai dos profetas que não temperam os futuros que receiam com a cor de algum sonho. Ai dos sonhadores que não inscrevem na luz que prometem, o risco de um desastre.


Ao escrever  estas linhas talvez eu tenha querido ascender ao alto  patamar dos estóicos, ao planalto digno dos profetas que saibam sonhar, mas reconheço que corro o risco de  ter descido pela escada estreita dos tolos.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O REGRESSO DE UM JOGADOR DE XADREZ

Foi um pugilista, lutando na política com a paixão dos combatentes. Retirou-se, perante o veredicto inapelável dos eleitores.

Leu, estudou, pensou, escreveu. Longe, no coração da Europa, numa luminosa cidade de artes e saberes. Deu tempo ao tempo, deixando os meses passarem sem pressa nem sofreguidão.

As matilhas de sombra que o assediavam sem piedade foram encarregadas de outros alvos. Os mabecos que persistem rosnam agora mais isolados, com ecos já temerosos, sem norte.

Quando já quase o não esperavam, voltou. Quando o imaginavam refém de memórias amargas, subtilmente discreto, quase silencioso, entrou na voragem do espaço público sem inibições, com palavras que não fazem cerimónia.

Não perdeu a paixão dos combatentes, mas regressou como jogador de xadrez. Sentou-se em frente do tabuleiro do nosso destino e começou a jogar.

Os portugueses olham-no com uma atenção crescente. Os que o odiaram revisitam cuidadosamente as velhas emoções, pressentindo que as coisas são agora mais complicadas, a exigirem cóleras mais bem medidas, estratégias de inimizade  mais elaboradas. Os que o transportavam aos ombros do seu entusiasmo hesitam em desembainhar uma nova alegria, interrogando-se ainda sobre o próximo horizonte. Os que o encararam num registo laico, apoiando-o ou criticando-o conforme os casos, sem pequenas raivas nem grandes incondicionalidades, dão-lhe as boas vindas, confiantes na força das ideias e cépticos quanto à consistência das fidelidades.Os que se dispõe hoje a olhá-lo de uma maneira diferente pesam-lhe cuidadosamente as palavras, escrutinam-lhe com atenção redobrada ideias e atitudes.

Perante o tabuleiro ingrato das suas ansiedades os outros jogadores observam-no. Admitiam a hipótese de o ter que enfrentar como pugilista da política. Cada um deles  receia agora  estar frente a frente com um jogador de xadrez que lhes pode dar xeque-mate.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O OUTONO DOS PILARES EUROPEUS

Quanto mais a esquerda for inexpressiva na Alemanha e na França, mais estes dois pilares da União Europeia serão tomados pela anemia política de um melancólico outono. Nestes últimos dias, chegaram notícias de ambos os países que parecem indiciar um aumento do risco dessa deriva.

1. Voltou teimosamente à superfície a pequenez da grande vitória eleitoral da Srª. Merkel, com o regresso às notícias da penosa marcha rumo à formação do seu novo governo. Vitória estranha, embora tonitroantemente anunciada sem contestação, que sentou no parlamento alemão uma maioria de esquerda, repartida por três partidos (SPD, a Esquerda e os Verdes), remetendo a enorme vencedora para uma posição minoritária. Estranha esquerda essa que se aconchega na pseudo-vitória da direita, na esperança de que os seus eleitores, ao esquecerem-se da sua vitória, permitam que escape a uma severa reprovação. Reprovação impulsionada pela insólita renúncia a formar governo, praticada pelos três partidos de esquerda e causada pela sua incapacidade em chegarem a um entendimento.
Caminha-se assim para uma coligação liderada pela Sr.ª Merkel que envolverá o SPD, certamente ainda lembrado que a mais recente coligação idêntica (2005-2009) o fez descer da qualidade de um grande partido, separado dos democratas-cristãos por um escasso deputado, para a de um modesto partido de média dimensão, que ficou abaixo dos 25 %. Em quatro anos de oposição (2009-2013), conseguiu a proeza pálida de, ao subir apenas cerca de 2%, exceder ligeiramente o  modesto patamar anterior. Contudo, essa anemia política do SPD nada de positivo trouxe para o peso eleitoral dos outros dois partidos de esquerda, que continuaram penosamente a rondar os dez por cento.
Será de esperar que os eleitores alemães de esquerda continuem a dar votos a partidos que preferem ser capachos, diretos ou indiretos, de um partido de direita, que tem assombrado a Europa, do que ousarem a enorme aventura de se entenderem?

2. A França e, de algum modo, a Europa assustaram-se com um recente resultado de uma eleição local, conjugado com uma sondagem que colocava a Frente Nacional no primeiro lugar das intenções de voto dos franceses. Mesmo que não se possa  dizer que há aqui uma verdadeira exceção francesa e sendo a FN um fenómeno político com décadas, só por ligeireza, no entanto, se poderiam desvalorizar estes sinais.
E eu não estou a pensar em sofisticadas interpretações do fenómeno, mais vocacionadas para compensarem a inação do que para serem guias da ação. Não estou a pensar numa meticulosa procura de culpados, como se fosse mais importante encontrá-los do que combater politicamente o prenúncio de novas serpentes.
Estou a pensar na necessidade de confrontar a direita democrática francesa com os recorrentes sinais de transigência que vários dos seus vultos têm enviado à FN e com as consequências dessas atitudes.
Estou a pensar no imperativo de se confrontarem as várias esquerdas com a necessidade de avaliarem aprofundadamente as razões  da perda de apoio social e eleitoral que as atingiu, parte da qual,  por desespero e primarismo político, talvez se  tenha transferido para a extrema-direita.
Particularmente, o PSF não pode permanecer alheado da necessidade premente de uma reconversão estratégica, que supere definitivamente o pântano da terceira via, reconciliando-se com a sua matriz socialista, que no essencial o identifica e que não pode deixar de inscrever um pós-capitalismo no seu horizonte. O PSF, todos os partidos socialistas europeus, não podem pedir o voto ao povo de esquerda, para deixarem depois os banqueiros governar.
E não podendo imprudentemente ignorar a realidade que os condiciona e rodeia, não podem limitar-se a deixarem-se arrastar pela corrente dos automatismos económico-financeiros do capitalismo, sem praticarem a resistência possível e sem se baterem pelo seu próprio caminho, rumo ao seu próprio horizonte.
De facto, se os socialistas aceitarem exercer o poder político institucional, como meros certificadores de decisões que lhes escapam, como simples homologadores de decisões dos poderes de facto, podem penosamente governar durante uma ou outra legislatura, num ou noutro país, mas arriscam-se a sofrer um forte desgaste popular, pelas consequências sociais desse caminho. E podem assim  perder, irremediavelmente o peso político necessário para que estejam em condições de desempenhar o seu papel nuclear, como garantes e potenciadores de um  desenvolvimento democrático que transcenda o capitalismo.

Ora, faz parte das vicissitudes da luta política que um partido socialista se arrisque em prol dos seus objetivos históricos e identitários, expressão do interesse legítimo de todos os que são prejudicados pelo capitalismo, materialização de um humanismo completo, podendo pagar um preço político por essas decisões. Mas é um puro absurdo estéril que um partido socialista perca a sua base social e eleitoral de apoio, por se deixar arrastar na deriva dos automatismos económicos, eles próprios reflexos dos interesses e do domínio dos poderes económicos de facto.

domingo, 13 de outubro de 2013

OS INCÓMODOS RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DESAPARECIDAS

1.As recentes eleições autárquicas começam, pouco a pouco, a ocupar o seu lugar no passado. E muitos são aqueles que gostariam de as dar como desaparecidas. Mas como elas cometem a teimosia de terem existido, parece-me oportuno refletir sobre os seus resultados, já que os respetivos efeitos são duradouros mesmo que os afastem cuidadosamente da superfície mediática. E por mais que custe aos vencidos eles introduziram na relação de forças política um incontornável e relevante elemento novo.
A semana que decorreu logo depois delas foi a segunda parte de uma grande operação de desvalorização dos seus resultados e de mistificação do seu significado. Uma operação começada na própria noite subsequente às eleições. Operação que só não teve êxito, porque os resultados foram demasiado distantes daquilo que  a direita admitia como provável.
Devemos ter, aliás,  bem presente que estas eleições autárquicas, para além do seu objetivo essencial  e óbvio de escolherem as governações municipais e por freguesia, por quatro anos, foram um barómetro de aferição muito fiável quanto ao grau de apoio a cada partido e um novo elemento na relação de forças atualmente vigente no xadrez político português.
Os resultados verificados devem, em primeiro lugar, ser avaliados em si próprios, em termos absolutos, mas a nossa compreensão acerca do seu significado político ganhará com uma comparação com resultados anteriores. Essa comparação deverá envolver naturalmente os resultados das autárquicas anteriores, mas não deverá esquecer os mais recentes resultados de outras eleições, nomeadamente, os das legislativas de 2011.

2. O governo sofreu uma severa derrota que, no entanto, se repercutiu diferentemente no PSD e no CDS. O CDS, titular até então de uma única Presidência de Câmara sem coligação, conseguiu passar para 5. O PSD, pelo contrário, perdeu 33 presidências, ficando-se pelas 106. O facto de dezasseis delas serem resultado de uma coligação, em regra e pelo menos, com o CDS agrava o significado do seu recuo. No mesmo sentido, o facto de algumas dezenas de coligações entre os partidos do Governo terem sido vencidas embacia muito o brilho do resultado do CDS e torna ainda mais pesada a derrota para o PSD.
Em número de votos, pese embora a dificuldade de neste caso se chegar a números comparáveis, os partidos do governo, em conjunto, parecem ter ficado empatados com o PS, se contarmos todos os votos de todas as coligações em que tenha entrado pelo menos um deles. Mas, em 2009, juntos haviam atingido uma vantagem em número de votos de mais de quatro pontos percentuais sobre o PS.
O PSD resistiu razoavelmente no que diz respeito às capitais de distrito e das regiões autónomas, ao conservar 8 em 20, 3 das quais em coligação, mas mesmo assim abaixo das 11 que antes detinha. No entanto, além de continuar sem Lisboa, perdeu os outros três concelhos dos quatro mais populosos : Sintra, Gaia e Porto. E se olharmos para o conjunto dos vinte concelhos mais populosos, verificamos que o PSD ganhou apenas cinco, três dos quais em coligação com o CDS.
O PSD foi o único partido que recuou em número de presidências, tendo perdido, como já disse, 33 ( salvo o caso do BE que perdeu a que tinha). Este desaire traduziu-se na perda da Presidência da Associação Nacional de Municípios que ocupava desde 2001. Mas o golpe político mais fundo foi o que sofreu na Madeira, perdendo sete dos onze municípios; e experimentando a primeira derrota eleitoral depois do 25 de abril.

3. Olhando para o comportamento do BE na campanha, fica-se na dúvida sobre se adotou uma estratégia plena de cambiantes e de subtilezas, ou se, pura e simplesmente, não teve estratégia.
Altaneiramente resistente a qualquer aliança com o PS, na sequência do que, por certo, imagina ser uma virtude, foi ironicamente recompensado com a sua única participação numa vitória política pelo pecado de uma aliança com o PS, cometido no Funchal. No resto foi um desastre: perdeu a sua única Presidência, que esforçadamente vinha conservando há vários mandatos e viu um dos seus líderes máximos ficar à porta da pequena ambição de ser um aplicado vereador no município de Lisboa.
Num ou noutro município de relevo, como Coimbra e Braga, aceitou diluir-se em grupos de cidadãos. O futuro dirá se o BE teve a inteligência de uma iniciativa de alargamento que dará frutos mais adiante, ou se foi apenas um instrumento politico de vontades mais fortes, ainda que localmente circunscritas. Para já, foi claro que por mais que, no rescaldo das eleições, tentasse incorporar como ativos seus, ainda que partilhados, os resultados desses grupos de cidadãos, o BE não escapou à imagem de uma deriva que confirma o aprisionamento numa irrelevância autárquica, cuja continuidade e agravamento sugerem uma natureza estrutural.

4. A fazer fé nos próprios, o PCP (CDU) teve um resultado eleitoral quase avassalador. A comunicação social dominante e uma boa parte dos comentadores encartados sublinharam também a excelência do seu resultado. Foram sempre mais rasgados os elogios aos resultados do PCP do que aos do PS.
E, no entanto, em relação às eleições anteriores o PCP subiu apenas seis presidências, passando de 28 para 34. Em percentagem geral de votos ficou pouco acima dos 11% o que significou uma subida inferior a 2% relativamente a 2009. Se tivermos em conta os resultados das legislativas de 2011, a subida é ligeiramente mais expressiva, dado que parte dos 7,9% então alcançados.
É certo que a qualidade dos municípios conquistados pela CDU melhorou. Passou a presidir a três (mais duas) capitais de distrito, bem como a três (mais um) dos vinte municípios mais populosos. Mas nada que justifique a mensagem subliminar tentada de que o castigo aos partidos do governo se consumou através da votação na CDU. Continua uma força política municipalmente confinada ao sul do país. De facto, tem 25 das suas presidências distribuídas pelos distritos de Setúbal, Évora e Beja, enquanto as outras nove estão dispersas por mais cinco distritos.
De qualquer modo, o PCP ficou longe do número de vitórias que foi regra nos anos 80 e 90, cujo pior resultado foi em 1997 com 41  e cujo melhor resultado foi em 1982 com 55, ano em que o PS teve apenas 83 presidências.

5. O PS venceu estas eleições, pese embora toda a cortina mediática que pretendeu esbater ou até ocultar essa vitória. Conquistou 150 (1 em coligação) Presidências de Câmara, o que correspondeu uma subida de 18 Presidências relativamente a 2009, quando havia conseguido o seu melhor resultado de sempre, até então.
Foi o partido mais votado, tendo tido aproximadamente o mesmo número de votos do que a soma dos que obtiveram os partidos do governo e os seus pequenos aliados. Em termos percentuais desceu 2% em face de 2009, mas em vez de, como aconteceu então, ter ficado com menos 4% dos votos do que os partidos da direita, ficou agora a par deles. Mas se compararmos as percentagens eleitorais de agora com as das eleições legislativas de 2011, verificamos que o PS progrediu mais de 8%, tendo recuperado por completo o atraso de 22% que então o separava do conjunto dos partidos da direita que estão no governo.
Se olharmos para as presidências de câmara conquistadas pelo PS, valorizando a sua importância, verificamos que ganhou os três municípios mais populosos, que ganhou em nove dos vinte municípios com mais população e em sete das vinte capitais de distrito e das regiões autónomas (uma das quais em coligação).
Quanto ao caracter nacional da implantação do PS em termos de presidências de municípios, contando com os distritos e as regiões autónomas, o PS detém o maior número  delas em 8, sendo um dos dois partidos com maior número em mais 4. O PSD venceu em outros cinco e o PCP em 3. Por último, o PS é o único partido que obteve presidências em todos os distritos e regiões autónomas, mostrando assim a sua implantação nacional.
6. As listas de cidadãos não assumidas formalmente por nenhum partido passaram de sete presidências de câmara para treze. O número de candidaturas deste tipo aumentou também por comparação com 2009.
Considerando apenas as candidaturas que venceram, é impossível encontrar qualquer denominador comum político entre elas que seja significativo. Vejamos alguns exemplos: a candidatura de Oeiras foi “isaltinodependente”; a do Porto foi fruto de rivalidades no interior do PSD, tendo contado com o apoio oficial do CDS; em Portalegre e na Anadia as candidaturas independentes resultaram de questões internas do PSD; em Matosinhos e em Vila Nova da Cerveira, resultaram de questões internas do PS.
A instituição de eleições primárias justas e democráticas para a escolha dos candidatos, pelo menos no caso do PS, teria certamente reduzido os problemas e tinha reforçado muito as candidaturas apresentadas. Provavelmente, tendo-se seguido esse caminho a vitória teria sido ainda mais expressiva.
7. O crescimento da abstenção e a enorme quantidade de votos brancos e nulos, sendo fenómenos distintos, merecem todos eles mais do que uma chuva de palpites, em que cada crânio procura tirar do bolso uma ideia luminosa, que ele acha injustamente esquecida, para fazer passar como remédio dessa nova maleita política.
Precisamos de saber qual o grau de abstenção técnica, qual o impacto das recentes vagas de emigração, qual o nível de rejeição do próprio regime nela refletido, em que medida estamos perante uma pré-mudança de voto (já se decidiu abandonar a antiga opção, mas ainda se não escolheu a nova), em que medida estamos perante o simples desespero dos eleitores, demasiado aflitos para terem esperança de que o voto influa no seu futuro, demasiado amargurados com a vida para agirem. Enfim, seria muito útil fazer-se um estudo sério destes fenómenos, para que quem quisesse contrariá-los pudesse saber o terreno que pisa.
8. Falemos, por fim, muito brevemente nos resultados das eleições para as assembleias de freguesia. Faltando concluir o processo em 17 das 3092, segundo dados hoje difundidos, o PS foi o partido com mais vitórias: 1280 (das quais cinco em coligação), correspondendo a 41,26 % do total. O PSD foi segundo, com 1230 (320 das quais em coligação), correspondendo a 40% do total. Seguiram-se, os independentes com 11%; a CDU com 5,5; e o CDS com 1,46 %. Estes resultados garantem ao PS a presidência da ANAFRE. De um modo geral, o tipo de relação de forças existente no plano municipal mantém-se nas freguesias.
9. Os resultados destas eleições autárquicas confirmaram a continuidade do tipo de relação de forças inscrito nas sondagens difundidas no último ano e referentes a eleições legislativas.
O PS era a força política que enfrentava uma incerteza maior. Noutros países europeus, outros partidos pertencentes ao Partido Socialista Europeu, viram-se recentemente confrontados com importantes fracassos. No caso grego, assistiu-se ao dramático apagamento do PASOK; no caso espanhol, tem-se observado como o PSOE desce nas sondagens quase em paralelo ao partido de direita que está no governo; no caso alemão, após o exercício de dois mandatos, viu-se a Sr.ª Merkel ficar mais de 15% acima do SPD, que se ficou pelos 25%. Ao situar-se eleitoralmente acima dos 35 por cento, o PS mostrou ser um dos três membros do Partido Socialista Europeu a atingir atualmente este patamar.
Pelo contrário, o peso autárquico do PSD foi significativamente restringido com a perda de mais de trinta presidências de câmara, ao mesmo tempo que ficava sem hegemonia autárquica no seu histórico bastião, a Região Autónoma da Madeira. O CDS fez uma festa imensa por ter ganho quatro presidências ao PSD, passando a ter 5, mas se virmos bem não conseguiu sair do conjunto daqueles partidos que são irrelevantes, no plano autárquico.
O PCP, pesem embora os seus bons resultados, não conseguiu sair  do modesto patamar em que se encontrava. O acréscimos presidências conquistadas não o fez regressar aos níveis que atingiu continuadamente nas duas últimas décadas do século vinte.
O BE ao perder a sua única presidência, ao falhar outros objetivos nada ambiciosos, ao ter aceitado diluir-se em candidaturas alegadamente independentes, apenas conseguiu registar no seu ativo a partilha de uma vitória, através de uma coligação liderada pelo PS em que participou com outros partidos (Funchal). Viu assim afastar-se uma vez mais a materialização do sonho de adquirir uma expressão autárquica relevante, único antídoto político estrutural ao seu alcance, para reduzir a sua volatilidade eleitoral.

Numa derradeira observação, vale a pena sublinhar que todos aqueles que acham que estes resultados representam uma derrota fragorosa da direita e um passo relevante rumo a um maior isolamento do governo ( e acham bem ), estão a reconhecer implicitamente que a clivagem estruturadora do atual quadro político português é a dicotomia governo/oposições e não a que opusesse os partidos que subscreveram o memorando da troika aos outros. Na verdade, dar centralidade a esta segunda clivagem, pelo contrário, é o mesmo que defender os primeiros tiveram 261 presidências contra 34 dos segundos, o que só por delírio se poderia considerar uma vitória dos segundos. E assim se cairia no absurdo de achar que estas eleições eram a vitória de um bloco que incluiria o governo. Todas as opiniões são legítimas, mas a ninguém é logicamente consentido que se desminta a si próprio.

sábado, 12 de outubro de 2013

MULTIDÃO


Se a multidão das vítimas se mover racional e organizadamente contra os pontos fracos das muralhas, o castelo não resistirá muito tempo. Se deixar que a raiva cega a ocupe, que a justiça do que pretende se dissipe numa revolta sem objecto, o castelo não correrá perigo.

Se a vertigem do imediato se apossar da multidão injustiçada e a transformar num toiro enraivecido, os senhores do capital, os barões do dinheiro, continuarão tecendo a desgraça dos povos sem perturbação. De facto, quem puser toda a sua energia no passo que está a dar ficará mais fraco para seguir o seu caminho. Ora, o caminho da libertação é longo, complexo e difícil, mas se a multidão ficar parada no tempo podre da injustiça, nunca alcançará a liberdade, permanecendo à mercê dos poderes de facto, sem mediações nem protecção.

Por isso, não havendo caminho nem libertação, sem coragem nem persistência, a nenhum lado se chegará sem inteligência política. E a primeira tarefa da inteligência política é assumir o combate à neblina ideológica que nos rodeia, disfarçando os nosso inimigos, tingindo de sombras os nossos amigos  e escondendo-nos muitas vezes de nós próprios.


E é bom que nunca esqueçamos : a multidão somos nós; nós também somos multidão.