domingo, 30 de setembro de 2018

TANCOS ─ PERGUNTAS AUSENTES.



Todos nos recordamos da eclosão do estranho caso das armas desaparecidas em Tancos. Passado algum tempo, miraculosamente , as armas reapareceram. Todos os perguntadores mediáticos exerceram exuberantemente o seu ofício. Há poucos dias explodiu no espaço público um início de solução do mistério que banalizou  as mais ousadas imaginações quanto ao evento. Uma das polícias envolvidas ( a não militar) prendeu gente de outras duas (militares) , dentro de um pacote em que um civil aparecia como exceção. Um civil que afinal era, ao que parece, o alegado ladrão.
O espaço mediático foi sulcado por  uma profusão de especialistas de segurança, de generais na reserva, de discretos polícias, de argutos juristas , de irrequietos jornalistas e dos habituais bonzos de ideias gerais, que emaranharam diligentemente os fios da meada, de modo a tornarem o caso completamente indecifrável. Provavelmente, a realidade , teimosa como é, seguirá o seu caminho e acabará por se vir a mostrar aos nosso olhos, quando a confusão instalada se cansar como nuvem que  passe.
Num programa de promoção de um semanário de referência, ouvi um general na reserva, que desempenhou, quando ativo, cargos importantes na hierarquia militar, dizer que este estranho caso começou meses antes do roubo com um aviso anónimo feito ao Ministério Público de que estava a ser preparado um roubo de armas em larga escala. Indicou mesmo que esse aviso dera origem a um processo.
Gostaria de saber, ou como costumam dizer os mediáticos mais habilidosos: os portuguese gostariam de saber, se o MP informou o Ministro da Defesa, ou o Estado-Maior das Forças Armadas, ou o Exército, ou a Polícia Judiciária, ou a Ministra da Justiça, ou o Presidente da República. Alguém.
Se sim; o que fizeram os informados com a informação? Se não, porque razão o não fez? E já agora porque razão os perguntadores de serviço não fazem, não insistem nestas perguntas?
É que mais importante do que avaliar a segurança dos arames de proteção e a regularidade das vigilâncias  será certamente saber-se qual a razão pela qual, tendo havido alerta de roubo,  não foi feito nada para o evitar.

sábado, 29 de setembro de 2018

CAPRICHO ITALIANO?


1. Em meados do corrente mês de setembro, foi divulgada em Itália uma sondagem das intenções de voto dos italianos. Os dois partidos (Movimento Cinco Estrelas e Liga) que estão na base do governo atual, e que em março passado tinham obtido 50,1% dos votos, obtiveram 59,6% das intenções de voto. A Liga (extrema-direita) que tivera 17,4% dos votos tinha agora 30,2% das intenções de voto, enquanto o Mov.5 Estrelas (centro populista) passou de 30,2% dos votos para 29,4% das intenções de voto. Ou seja, a extrema-direita, hoje minoritária no Governo, passaria a força dominante, se estas intenções de voto se confirmassem, escassos meses depois de ser governo.


A Liga concorreu às eleições de março, integrada numa coligação de direita que abrangeu também a Força Itália (de Berlusconi) [14% dos votos] e os Irmãos de Itália (extrema-direita clássica) [4,4%]. Nesta sondagem, a primeira tem 8,7% das intenções de voto e os segundos, 2,7%. Ou seja, a Coligação de direita, que teve em março 35,8% dos votos, passaria a ter 41,6% das intenções de voto. Mas a Liga, em vez de ser um partido ligeiramente mais forte do que o segundo (antes dominante), passaria a ser a força largamente dominante. E embora a Coligação de direita se tenha dividido quanto a este governo, estando uma parte dentro e outra parte fora dele, já foi anunciado que se manteria em próximas eleições.
 
Nas eleições de março passado, o Partido Democrático (PD) [que faz parte do  Partido Socialista Europeu], força dominante do governo anterior, foi o grande derrotado, tendo-se ficado pelos 18,7%. Na sondagem mais recente, que tem vindo a ser comentada , a sua posição quanto a intenções de voto é ainda mais modesta : 17,3%. Dois outros partidos de esquerda, em parte resultantes de cisões do PD, LeU ( Liberi e Uguali) e PP ( Potere al Popolo), tiveram nas eleições de março, respetivamente :3,4% e 1,1%. Na sondagem recente, em intenções de voto, o primeiro teve 2,9% e o segundo 2,2%. Ou seja, a Esquerda que, no seu todo, somou em março uns desastrosos 23,2 %, conseguiu nessa sondagem a proeza de descer ainda mais, chegando aos 22,4%. Mas encarado isoladamente o PD, em vez de recuperar, desceu 1,4%. Mostrou assim a sua impotência para consubstanciar um sobressalto democrática contra  o controverso governo italiano atual  de Conte/ Di Maio/ Salvini.


Panorama insalubre, bem ilustrado pelo protagonismo de Salvini na cena política europeia,como uma das mais ostensivas alavancas do reerguer da extrema-direita. Panorama enegrecido pela divulgação, em conjunto com a sondagem referida, de um gráfico comparativo da avaliação do desempenho do atual governo e dos governos anteriores, liderados pelo PD e encabeçados primeiro  por Renzi e depois por Gentiloni.

Do primeiro são considerados os meses de abril a novembro de 2016, no âmbito dos quais atingiu, quanto a uma valorização positiva, um máximo de 44% em outubro e um mínimo de 39% em abril. Do segundo, é considerado todo o tempo de duração do seu governo, tendo tido a avaliação mínima no seu início em dezembro de 2016, com 38%; e a máxima no seu último mês em fevereiro de 2018, com 45%.O atual governo tem duas avaliações com duas valorizações positivas; uma  de 57% em junho e outra de 62%  em setembro. Fica assim claro o êxito do atual governo italiano em termos de popularidade, a inocuidade cúmplice da direita clássica e a desorientação gritante da esquerda, especialmente grave quanto ao PD. 
 
2. As próximas eleições para o Parlamento Europeu, que vão decorrer em meados de 2019,  perfilam-se no horizonte como auspiciosas para a extrema-direita e como sombrias para a esquerda. E tudo indica que sê-lo-ão tanto mais, para uns e outros, quanto menos a esquerda for capaz de mostrar um caminho novo para os europeus. Um caminho  que possa esvaziar a atmosfera de descontentamento e frustração sociais de que a extrema-direita se tem alimentado. Um caminho que se aproxime realmente dos povos e resista ao garrote do capital financeiro.
 
Na verdade, quer a extrema-direita, quer a direita clássica mais autoritária, vão continuar a explorar a imigração como nuvem de medos irracionais e vão apostar num soberanismo nacional que se apresente como resistência a uma burocracia europeia sem alma que suga os povos. E pouco importa que essa imagem seja de um simplismo primário que a afasta da verdade, se os poderes dominantes na União Europeia continuarem mergulhados na deriva neoliberal, insistindo no veneno de uma decadência injusta  como se estivessem a conduzir a Europa para um doce paraíso. Incapazes de enfrentarem realmente os problemas da União Europeia abrem a porta a todos os desesperos e encorajam todos os atalhos, mesmo aquilo que prometem sejam apenas noites mais negras.
 
Sem prejuízo de todas as esquerdas deverem ser tidas em conta, é na resposta que for dada pelos partidos que integram o Partido Socialistas Europeu que se joga o essencial destas eleições. Eles têm que tornar evidente que vão assumir a representação dos europeus a quem a atual desigualdade social mais penaliza, que estão decididos a percorrer esse caminho duravelmente. Sem ambiguidades ou tergiversações; sem sofreguidões precipitadas mas com urgência. Ou seja, a qualidade da sua resposta  depende da medida em que se libertarem  do colete de forças ideológico- político que os tem constrangido.
 
Esta nova atitude tem que ser evidente. Não pelo facto de ser proclamada, mas como ressonância óbvia das opções programáticas , das medidas propostas e da posição assumida no xadrez político pelos socialistas. Só assim uma ampla parcela do povo de esquerda sentirá como seus os partidos integrados no PSE, apoiando-os.

Do mesmo modo, só assim se criarão condições para um acolhimento digno dos refugiados extra-europeus . Um acolhimento que desse modo será um aspeto de uma politica de promoção da igualdade e da dignidade de todos os cidadãos , sejam eles europeus sejam eles refugiados.
 
Na verdade, ter a ilusão que é possível, sem abrir espaço para a extrema-direita e para a direita xenófoba, receber condignamente os refugiados extra-europeus numa Europa que continua a escavar as suas desigualdades internas e a desrespeitar uma parte significativa dos seus povos é isso mesmo : uma ilusão. Não é esse o único pressuposto relevante para uma política europeia de imigração justa e humanamente saudável, mas é uma condição sine qua non.
 
Na verdade, o atual panorama político italiano pode ensinar-nos muito se o lermos com cuidado e sem preconceitos. Discursos redondos, circunlóquios ideológicos presos na rotina, subordinação à lógica do capital financeiro, longos textos de um europês burocrático, são elementos que podem gerar uma tempestade perfeita.

Hoje, mais do que nunca, a propósito do que está em jogo nas próximas eleições europeias, tem plena atualidade a conhecida frase de Bossuet: " Não há pior desregramento do espírito do que tomar como realidade aquilo que gostaríamos que ela fosse".


sexta-feira, 21 de setembro de 2018

TROVOADA SECA !


 
A escolha de uma nova protagonista, para desempenhar nos próximos seis anos a função de Procuradora Geral  da República, para além do que valha em si própria, como opção, (o que a qualidade do seu desempenho vai determinar) teve um significado político muito saudável.
Na verdade, a nuvem justicialista não conseguiu inquinar o processo de escolha da PGR. O desesperado ruído público da matilha mediática, que atingiu níveis de paroxismo quase ridículos, revelou, ao não produzir efeitos, que o seu peso real na relação de forças político-institucionais é equiparável a um modesto tigre de papel.
A aliança fandanga, entre os mais sôfregos politiqueiros da direita, os mais reacionários jornalistas e os mais pernósticos comentadores, pouco mais consegue do que fazer barulho. Aqueles dentes cortantes que nos mostram exuberantemente são afinal simples adereços de uma ferocidade furiosa, mas objetivamente mansa. A canzoada fandanga pode ladrar, mas não consegue morder.
Pergunta final : O que dirá sobre isto,nos seus diálogos de domingo, o percuciente Mendes?

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

No Brasil, a democracia desobedece aos golpistas



O texto que a seguir transcrevo da página virtual do jornal brasileiro de S. Paulo, conhecido por ESTADÃO, sublinha os sinais recentes de mutação na corrida eleitoral brasileira para a Presidência da República :
“A quarta pesquisa Ibope/Estado/TV Globo desde o início oficial da campanha eleitoral nas eleições 2018 revela que o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, subiu 11 pontos porcentuais em uma semana e se isolou na segunda colocação, com 19%, atrás de Jair Bolsonaro (PSL), que oscilou dois pontos porcentuais para cima e chegou a 28%.
A seguir aparece Ciro Gomes (PDT), que se manteve com os mesmos 11% da semana anterior. Geraldo Alckmin (PSDB) oscilou dois pontos para baixo, de 9% para 7%. E Marina Silva (Rede) caiu três pontos, de 9% para 6%. “
Os golpistas que tomaram o poder ao arrepio da vontade popular, abusando da lei, parecem encurralados. De facto, tornou-se provável que sejam obrigados a optar entre um candidato de extrema-direita, que causaram mas que receiam, e o candidato de esquerda que representa o poder democrático que derrubaram.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

EM COIMBRA -6ª feira, 21 de setembro


                                                            [ Para ampliar clique sobre a imagem]

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Uma tragédia francesa - verniz de mudança numa cosmética conservadora



Uma tragédia francesa
- verniz de mudança numa cosmética conservadora

1. No gráfico acima reproduzido, podem ver-se os resultados de uma sondagem, recentemente realizada em França, que mostra a distribuição das intenções de voto quanto às próximas eleições europeias de 2019. A ausência de qualquer pressão indutora do chamado voto útil faz com que estas eleições sejam as que espelham mais fielmente a atual relação de forças no xadrez político francês.
O ribombar dos grandes títulos reduziu o complexo panorama, acima evidenciado, à notícia simplória de que os “macronianos” tinham meio ponto percentual de vantagem sobre os “lepenianos”, que os “republicanos em marcha” marchavam ligeiramente à frente da ex-Frente Nacional, agora envolta na nomenclatura mais adocicada de “Rassemblement National”.
 
2. O que deveria saltar aos olhos é a estrutural ademocraticidade do sistema político francês. Um sistema  que permite a obtenção de uma maioria esmagadora na Assembleia Nacional a um bloco político que se pode ver  redimensionado até valer apenas 21,5 % dos eleitores. É um bloco político em que predomina largamente o partido do Presidente da República [La République en marche- LREM], mas do qual faz também parte o Modem de François Bayrou.
À sua esquerda, a fragmentação dos protagonistas reduz muito a relevância politica de 28,5% do eleitorado. Se olharmos para as diversas parcelas, verificamos que os « insubmissos » de Mélenchon valem 12,5%, sem os comunistas do  PCF que se ficam por 1,5%. A extrema-esquerda do NPA limita-se a 1%. Os socialistas (PSF) continuam em coma, com 4,5 % das intenções de voto, quase tendo sido alcançados pela dissidência liderada por Hamon a qual  chega aos 4%. Os Verdes não vão além de uns modestos 5%.
 Na direita clássica os alegados herdeiros do « gaullismo »[Les Républicains –LR] chegam a 14%, enquanto os seus aliados habituais da UDI se limtam a 3%. Ao todo, magros 17% que a colocam claramente abaixo da nebulosa de extrema-direita, na qual  avultam os «lepenianos».
De facto, « Debout la France », que apoiou a Srª Le Pen na 2ªvolta das eleições anteriores, atinge os 6%. A ex-FN, como se viu, chega a 21 % e um dissidente seu, com os « Les Patriotes », tem 1,5 %. Numa zona próxima, situam-se dois outros pequenos partidos, cada um dos quais com 1 %. Incluí-los ou não no bloco da extrema-direita faz com que ele ultrapasse ou não os 30%.
 
3. Um rápido olhar para este panorama evidencia que o macronismo não se mostra capaz de conter e de fazer encolher a extrema –direita. Mas mostrou-se eficaz no drástico enfraquecimento da esquerda.
Em aberto está o futuro das suas relações com a direita clássica. Agravará a sua anemia política? Absorvê-la-á ? Fará uma parceria explícita com o que resta dela ? Boas perguntas.
O jovem Macron, impulsionado por uma vitória que o sistem francês potenciou, tem procurado  tingir os seus desígnios com a cor da novidade, tentando exportar para a União Europeia uma imagem arejada.
Mas tem-se movido no quadro de uma estreita obediência ao essencial dos cânones instituídos e de uma mansa aceitação da hegemonia do capital financeiro. Por isso,  é de recear que o gráfico acima reproduzido represente o prenúncio  de uma tragédia francesa. Uma tragédia gerada pela óbvia  inocuidade de qualquer verniz de mudança que se aplique no quadro de uma cosmética conservadora.

domingo, 9 de setembro de 2018

O PRESTÍGIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - uma fantasia interessada




O PRESTÍGIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
         - uma fantasia interessada

1. Está em curso uma campanha promovida pela direita justicialista para pressionar o Governo , constrangendo-o a propor a recondução da atual Procuradora- Geral da República (PGR) ao Presidente da República, a quem cabe nomeá-la sob proposta do Governo, para  um eventual segundo mandato.

Nunca, na vigência do atual quadro legal, ocorreu qualquer recondução. Há uns tempos atrás, a própria Procuradora exprimiu publicamente a posição de que entendia que o seu mandato era único. O mesmo aconteceu com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

A mudança de regime jurídico que gerou o atual teve como objetivo central acabar com a admissibilidade da repetição ilimitada do mandato do PGR que,  até então, apenas dependia da vontade política de quem intervinha na sua nomeação. O mandato único prolongado parece ter sido a opção que foi seguida. Mas essa opção não ficou consagrada expressamente.

O argumento principal mais correntemente aduzido para a recondução da atual PGR é o de que o seu mandato foi um êxito que prestigiou o Ministério Público e a ordem jurídica portuguesa. Esta ideia de um mandato excelente proclamada por jornalistas, políticos e comentadores, é ancorada na afirmação recorrente do apreço que por ela têm os portugueses.

Poucas  vozes audíveis ousam erguer-se no espaço público para questionar esse novo dogma. E, no entanto, esse dogma exprime uma falsidade. Uma falsidade desesperadamente ocultada  pela nuvem mediática conservadora, que tanto se tem esforçado por enublar a verdade.

Aliás, bastaria o modesto esforço de ler o Expresso, certamente isento da suspeita de malvadez contra os arcanjos da coisa pública, para verificar que afinal os portugueses não vivem entusiasmados quanto à qualidade  do mandato de Joana Marques Vidal.

De facto, na hierarquia do prestígio e apreço públicos, os magistrados do Ministério Público batem ingloriamente os juízes na conquista do último lugar. É isso que nos mostra um estudo de opinião publicado em julho passado no Expresso. Consideram positiva a atuação do Ministério Público 15,3 % dos inquiridos, enquanto 34,7 % a acham negativa, o que significa um saldo negativo de 19,4%; 30,6% não a acham boa nem má. Nesta sondagem, nenhum outro órgão público tem saldo negativo, tendo alguns um forte saldo positivo. E, se olharmos para estudos idênticos publicados no último ano, podemos ver que os números obtidos não se afastam muito dos acima referidos.

Portanto, os comentadores, os jornalistas e os políticos que formulam opiniões com base na ideia de que o mandato da atual PGR projeta  uma imagem pública positiva,  estão enganados ou querem enganar-nos, confiando na nossa distração.

2. É óbvio que não depende da popularidade do possível  nomeado a legitimidade da escolha de um PGR por quem tenha competência legal para o fazer. Mas muito menos se pode, com decência, procurar condicionar uma escolha com alegações falsas. Menos ainda quando a falsidade dessas alegações é evidente e facilmente verificável.

A mesma nuvem mediática dá uma cor de excelência a tudo o que o MP fez acontecer nos últimos anos e esquece qualquer notícia de algo que tenha corrido mal. Mas basta que nos concentremos nas violações do segredo de justiça para se tornar notória uma deficiência grave no modo como tem funcionado o MP ao longo do mandato da atual PGR.

E não se está a falar de uma falha funcional esporádica e não premeditada. Está-se a falar de comportamentos reiterados que indiciam um padrão de promiscuidade entre uma parte da comunicação social e alguns protagonistas judiciais, entre os quais surgem muitas vezes como mais prováveis alguns magistrados do MP.

Embora pela sua natureza esta promiscuidade só seja mediaticamente apetecível quanto a alvos de elevada notoriedade pública ou de grande peso institucional, está na disponibilidade dos protagonistas do aparelho judicial a decisão de a praticar. Mas quem a praticar infringe a legalidade.

Em regra, as fugas de informação em fases iniciais dos processos são favoráveis aos desígnios de quem pretende acusar e mancham, muitas vezes indelevelmente, e desde logo, a reputação dos potenciais ou reais arguidos. As versões dos acusadores públicos são difundidas pela comunicação social como verdade substancial, instituída e final. E assim,  por vezes  durante anos, vão decorrendo em lume branco verdadeiros linchamentos mediáticos, apesar de se estar longe de qualquer julgamento final definitivo que condene ou absolva. 

Desse modo, está a aplicar-se desde logo uma pena pública de enxovalho ético, sem que o visado se possa defender com armas iguais. Um enxovalho consubstanciado em imputações mediático-políticas, cuja força depende, quase exclusivamente, de serem apresentadas como oriundas do aparelho judicial. Para muitos dos visados é mais penalizadora a exposição prolongada a campanhas de descredibilização ética e de forte reprovação social do que um cumprimento de pena.

Ou seja, em alguns casos um processo de investigação desdobra-se à partida em dois processos distintos: um processo judicial normal em regra prolongado com um respeito aceitável pelo contraditório, e um linchamento mediático, em regra feito a partir de uma enorme desproporção e forças, entre quem é linchado simbolicamente e quem lincha. Esta segunda vertente do processo é ilegal e é vergonhosa.

Embora, em regra, nos casos mais mediáticos, as fugas de informação convenham às acusações, não se tem provado que elas partam em exclusivo ou sequer principalmente do MP. É lógico que o sejam, mas não se têm  provado. Em contrapartida ,não há dúvida que, se os protagonistas do MP envolvidos nesses processo tivessem uma vontade firme de se oporem a essas fugas , seria muito difícil, ou até impossível, elas ocorrerem com a extensão com que se conhece.

Esta promiscuidade dificilmente será imune a estratégias de aproveitamento, nomeadamente de aproveitamento político, para se atingirem por via judicial o que se não consegue atingir pela via política, legítima e democraticamente. Não quer dizer que o seja necessariamente, mas não há nenhum obstáculo estrutural que o impeça.
Daí resultará, naturalmente, que o pluralismo ideológico e político da sociedade portuguesa conduza à aprovação ou ao consentimento de uns e à reprovação de outros.  Mas, uns e outros, no seu íntimo, ficarão mais céticos quanto à imparcialidade da máquina judicial. Pode ser que no momento em que enfrentem uma imparcialidade que lhes agrade se disponham a aplaudir, mas sabem que se mudar o vento ela  pode virar-se contra eles.

Como se vê, a promiscuidade acima mencionada não é uma sequela menor da questão do segredo de justiça, encarando-se esta como um problema técnico-jurídico sem verdadeira relevância. Ao contrário, é uma grave insalubridade estrutural do sistema judiciário que lesa gravemente a qualidade do trabalho judicial e desprotege os cidadãos num ponto nevrálgico da sua vida e dos seus direitos.

Desta maneira, ainda que tudo o resto fosse excelente, não se percebe como, perante esta falha tão grave, alguém possa apelar para que, quem não se mostrou capaz de a colmatar, continue a liderar o MP. Não se trata de alegar uma falha que justificasse uma demissão, trata-se de constatar uma impotência que, a prolongar-se, não será certamente benéfica para o sistema jurídico e para a democracia. Admitir sequer a recondução é por isso discutível, mas invocar o histórico do mandato como impulso para essa renovação é verdadeiramente caricato.

As sondagens que acima mencionei mostram que os  portugueses estão cientes dessas limitações, ao contrário da nuvem mediática insalubre e dos arautos justicialistas da direita mais sôfrega, a qual  tem oscilado neste campo  entre a desfaçatez e a pura desonestidade intelectual e política.

Há uma decisão a tomar, quanto a quem vai desempenhar as funções de PGR nos próximos seis anos, que cabe conjugadamente a dois órgãos de soberania por força da lei, o que torna impossível a qualquer deles nesta matéria ignorar o outro. Desse modo, para nenhum deles seria inteligente tentar forçar uma solução que não fosse justificável e objetivamente defensável. Ao  Presidente da República cabe a palavra final, ao Governo cabe fazer a proposta, devendo cada  um deles, naturalmente, exercer livremente os poderes de que dispõe.

Para concluir, não posso deixar de registar que a direita mais justicialista e a nuvem mediática insalubre se acham no direito de dizer a António Costa o que ele deve fazer, impedindo-se no entanto de ronronar a mais leve sugestão quanto ao que deve fazer neste caso Marcelo Rebelo de Sousa.