sábado, 31 de maio de 2008

Reunião da Margem Esquerda

Hoje, dia 31 de Maio, decorreu em Coimbra mais uma reunião nacional do clube político Margem Esquerda. O clube é constituído por militantes do Partido Socialista, mas, desde há algum tempo, é aberto aos independentes que se situem na área do PS e que se identifiquem com os objectivos e a orientação geral do clube.

Estiveram presentes na reunião membros do clube dos distritos de Coimbra, Setúbal, Lisboa, Braga, Porto e Beja.


Foi debatida a situação política e foram tomadas algumas decisões de natureza organizativa.


Iniciou-se a discussão das primeiras versões de diversos textos preparatórios de uma possível moção de orientação política a apresentar ao próximo Congresso Nacional do Partido Socialista.


O primeiro dos documentos a ser discutidos abordava o problema da educação, no seu todo; um segundo, ocupava-se dos grandes vectores de políticas públicas com incidência no emprego, na saúde, na segurança social, na justiça, na cultura e na imigração. Num outro texto, equacionava-se a questão da sustentabilidade ambiental, como vector incontornável do desenvolvimento; em conexão com este último, foi analisado um texto que comentava criticamente o projecto de expansão das auto-estradas portuguesas, recentemente lançado. Finalmente, apreciou-se a proposta de uma política que estimule o desenvolvimento das cooperativas e das outras organizações da economia social, materializando um dos traços identificadores do projecto socialista que tem sido esquecido.


Tal como é habitual, a reunião consistiu na discussão dos pontos inscritos na ordem da dia, com envolvimento da maior parte dos membros do clube presentes. Foram definidos os próximos passos a dar, na preparação do Congresso acima referido.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

A Crise nos Mercados de Trabalho


Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios

FEUC

- 2007-2008 -

Integração Mundial, Desintegração Nacional:

A Crise nos Mercados de Trabalho.

Teatro Académico Gil Vicente

Sexta-feira - 30 de Maio - às 21h e 15min


Transcrevo a mensagem que acabo de receber do Júlio Mota, dando conta de mais um episódio de uma notável iniciativa de que foi um dos promotores, com a virtuosa agravante de ser reincidente, para não falar da feliz ameaça de continuar a reincidir.

Caros Amigos :

Os docentes da disciplina de Economia Internacional, em colaboração com os alunos do Núcleo de Estudantes de Economia da AAC e com o apoio da Coordenação do Núcleo de Economia, estão a realizar o Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC de 2007-2008 com o tema Integração Mundial, Desintegração Nacional: A Crise nos Mercados de Trabalho.

Com o presente e-mail, vimos comunicar o programa da próxima sessão, a sessão 13 deste ciclo, a realizar no dia 30 de Maio, no Teatro Académico Gil Vicente com início às 21h e 15min e com o seguinte programa:

Sessão 13

Cinema e Debate

Local: Teatro Académico Gil Vicente

21h 15min - 21h 40min
Filme/Documentário:
México: os deportados da Tierra de Nadie
De Gwen Le Gouil, Jean-Laurent Bodinier e Anne Vigna
França, 2008

21h40min - 23.00h
Filme/Documentário:
Welcome Europa
de Bruno Ulmer
França, 2006

23h 10min
Debate com:
Ana Gomes, Eurodeputada
João Maria André (FLUC)
Rui Pena Pires (ISCTE)


No Teatro Académico Gil Vicente será disponibilizada uma pequena brochura produzida pelos docentes da disciplina de Economia Internacional, com textos utilizados no próprio filme, cedidos pela produtora Helène Badinter, e com pequenos artigos sobre as tensões na Europa e as migrações.
Tratam-se de dois documentários exibidos pela primeira vez em Portugal que abordam um tema que está na ordem do dia dos telejornais e da agenda política da Comissão Europeia. Documentários sobre a tragédia da dimensão social do humano, dimensão esta que, desde Aristóteles e passando por Adam Smith, Marx, Max Weber, está estreitamente ligada e constantemente tecida pelas relações laborais, pela dimensão, afinal, social que o trabalho confere a cada um de nós. Documentários que nos mostram também até onde o sofrimento do homem pode chegar para alcançar a sua estatura de homem, conferida por um posto de trabalho. Documentários belos e trágicos, onde se mostra que, mesmo no fim da linha, para estes homens, existe sempre uma ligação social única, indestrutível, o sentido de pertença a uma nação, em suma o conceito de nacionalidade, sentido numa Europa, que se quer uma Europa das nações, do mundo.

Três eldorados de referência, os Estados Unidos, a Europa e a África do Sul. Esta, lamentavelmente, está à nossa mesa nos telejornais, mostrando homens, mulheres e crianças espancados até à morte porque algures, neste país, procuraram dar um sentido à vida, procuraram um posto de trabalho. Quanto aos outros dois, serão passados pelo crivo dos cineastas dos dois documentários que nos levam a aperceber melhor uma das tragédias dos tempos modernos: num mundo de riqueza, milhões de desempregados procuram entrar nestes eldorados e percorrem milhares e milhares de quilómetros à procura da configuração social das suas vidas, o posto de trabalho. E isto enquanto se apregoa e se grita alto e a bom som nas Universidades, nos Governos, nos centros de decisão e de “aconselhamento” internacionais, que só há mais empregos se houver mais despedimentos, que qualquer política da imigração tem que distinguir cada vez mais a imigração “sofrida” (os sem papéis, os não qualificados) da imigração “escolhida” (dos qualificados)

Num momento em que a Europa se vai sentar à mesa para discutir uma directiva sobre a imigração, a 4 de Junho no Parlamento Europeu e logo a seguir, a 5 de Junho, no Conselho da UE para uma adopção em primeira leitura, estarão em Coimbra para falar destes problemas, a Eurodeputada Ana Gomes e os professores Rui Pena Pires (ISCTE) e João Maria André (FLUC).


Sinopse dos documentários:

México: os deportados da Tierra de Nadie
Diariamente, autocarros americanos cheios de migrantes ilegais vêm descarregar as suas cargas de clandestinos no posto fronteiriço de Tijuana. Chamam-lhes os “deportados”. Estes são depositados nesta cidade de traficantes sem qualquer processo e sem nenhum lado para onde irem. São numerosos assim os que falham na "Tierra de nadie", a Terra de ninguém. É um imenso terreno vago, encurralado entre o muro-fronteira americano e a zona Norte de Tijuana. Ao longo de um canal já seco amontoam-se centenas de migrantes ilegais expulsos dos Estados Unidos para o México.
Indesejáveis em território americano, muito pobres ou muito doentes para voltarem para as suas terras no México ou na América Central, tentam sobreviver neste “no man’s land” à espera de dias melhores. Alguns chegam mesmo a instalarem-se debaixo da terra, nos canos de esgoto, para escapar às rusgas quotidianas da polícia municipal.

Welcome Europa
Milhares de imigrantes clandestinos calcorreiam as metrópoles europeias à procura de um emprego ou de um golpe de sorte do destino. Só se fala deles no Telejornal quando 10 deles morrem num contentor ou 150 são expulsos "em voo charter". Citam-se apenas números, não nomes. Welcome Europa acompanha o percurso caótico de oito jovens curdos, marroquinos e romenos que tentam chegar a Paris, Amsterdão ou a Madrid. Sozinhos, sem vistos, lutam diariamente pela sobrevivência. A única sorte que podem ter é um chuveiro e a uma refeição quente. A pobreza ou a repressão política levam-nos ao exílio, para que as suas famílias possam sobreviver nos seus países de origem. Mas o sonho de um Eldorado europeu dissipa-se logo que entram na Europa. Na rua, sem referências familiares, entregues a si mesmos, as estratégias de sobrevivência contam-se pelos dedos duma mão: mendicidade, tráfico de droga, roubo. E acabam por colocar a questão: prostituir-se ou não? Para estes homens heterossexuais, frequentemente pais de família, o dilema é devastador. Os que caem nem sempre se levantam. Os que sobrevivem interrogam-se se são ainda homens.
“Compreendi isso muito bem: para que alguns vivam, outros devem morrer”. A última frase do filme, pronunciada como uma sentença de morte por Mehmet, jovem curdo, retido em Calais, incapaz de alcançar a Inglaterra, depois de milhares de provações de sobrevivência que, dia após dia, o obrigam a abandonar-se um pouco mais.


Informamos que o programa do ciclo, bem como todos os documentos até aqui produzidos, podem ser consultado no sítio: http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int.

Sem outro assunto e certos da vossa atenção e aguardando a vossa presença nestas sessões assim como a divulgação deste evento cultural, apoio este que antecipadamente agradecemos, apresentamos os nossos cumprimentos.

Pela Comissão Organizadora

Júlio Mota

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Devem mandar os povos ou os petroleiros?



Quando um político está paralisado pela perplexidade, perante acontecimentos que parecem abater-se sobre ele, um dos caminhos por que de imediato costuma enveredar é o da imaginação da acção. Ou seja, incapaz de agir, por não saber o que fazer, o político inventa uma iniciativa que, revestindo a aparência de uma acção, não se traduz em qualquer medida concreta com reflexos palpáveis, apenas provocando a ilusão de que não se está parado.

É o que, até certo ponto, parece estar acontecer com o nosso Governo, quanto ao preço dos combustíveis. Procurou esbater as consequências mais dramáticas, mas auto-paralisou-se no combate às causas. E, no entanto, ao propor à União Europeia que nela se discutisse o problema do preço dos combustíveis, em vez de ter deparado com uma amável complacência desinteressada, recebeu um caloroso elogio. Ou seja, a União Europeia está exactamente como o Governo Português: não sabe muito bem o que há-de fazer. E assim a ideia de tomar como medida a proposta de uma discussão revelou-se um verdadeiro balão de oxigénio.

E, no entanto, pelo menos em Portugal, parece claro que a única medida com alguma hipótese de produzir efeitos práticos é o controle político dos preços. Não será suficiente, é certo, exigindo-se também uma concertação internacional que pode começar pela União Europeia, mas será, provavelmente, indispensável.

E não venham balir os mansos adoradores da livre concorrência, considerando sacrilégio beliscar essa moderna divindade. Aliás, nem é de livre concorrência que se trata. Trata-se de escolher entre ser o poder político democrático a regular os preços, tendo em conta o interesse nacional, a justiça e a equidade; ou serem as oito grandes petroleiras , únicas associadas da estrutura que representa o sector. Deveremos deixar a economia portuguesa ser sangrada por essas oito grandes companhias, ou devem os representantes do povo cumprir o seu dever moral perante o povo e o país ?.

Impossível, dirão. Esse caminho contraria os dogmas da economia de mercado. Pois é, esse é o nó do problema. Os poderes instalados, alguns dos governos, os centros financeiros que sugam o mundo, estão a ver que não podem dominar esta desfilada selvagem de especuladores, sem romperem com os dogmas neoliberais.
De facto, por enquanto, parecem dispostos a pagar qualquer preço para salvarem o dogma, já que temem, mais do que tudo, que fique demasiado claro que nos têm impingido pseudo-verdades, que apenas representam as conveniências de alguns, mas que põem em risco a felicidade de todos.

Minoremos os sofrimentos dos mais fracos, cortemos os abusos, ponderemos cuidadosamente as medidas que forem sendo tomadas, mas acabemos com a paralisia perante os dogmas neoliberais, passando a encarar a lógica do mercado como um instrumento e um auxiliar, que deveremos relativizar sem esquecer e valorizar racionalmente. Encerremos o ciclo da religião neoliberal, para valorizarmos todos os factores que devem ser ponderados, pondo os seres humanos no centro das políticas.

Não podemos admitir no país ou no mundo sermos reféns de petroleiros e de especuladores
.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Croquetes de Maio de 68


1. Quarenta anos sobre um evento perdido no emaranhado das memórias são uma tentação irresistível para os empalhadores de notícias.

E assim, perante plateias de ouvintes algo espantados, foram-se espalhando imagens de um Paris de há quarenta anos, com umas tantas pedradas, com polícias e jovens com ar alucinado a correr de um lado para o outro. Fileiras de circunspectos pensadores grisalhos iam sendo convidados para nos dizerem o significado do que tinha acontecido. E assim se foi gerando uma estranha mistura de filósofos e de papagaios, que em conjunto representaram folcloricamente o papel de comentadores.
Lá foram construindo e mastigando as memórias, até que tudo somado se chegou a um insólito croquete de memórias, imagens, ideias e dislates, que reduziram o Maio Francês de 1968 a um insólito croquete de delírios, no meio do qual de quando em vez como um náufrago sem esperança aflorava uma ideia interessante e uma memória relevante.

2. Dito isto, imaginando-me um espectador distante dessas memórias a olhar para a superfície variegada que lhe foi mostrada, com inocente curiosidade, vou descrever a confusão que a superfície mediática poderia ter induzido no meu espírito.


De facto, uns sujeitos já entradotes e umas matronas devastadas pela idade, foram chamados a contar na televisão, a um difuso conjunto de atónitos espectadores e de saudosos recordadores dos velhos tempos, o que na verdade aconteceu em França, em 1968.

E foi assim que uma louraça, ligeiramente passada, misturou a pílula com umas pedradas em Paris , falou do seu médico católico, dos filhos nascidos à razão de dois por ano. Pôs em tudo isso um vago perfume francês e num gesto displicente deu a entender que isto era tudo uma grande choldra.

Um magano de bigode acinzentado falou vagamente nos sonhos dos estudantes de há quarenta anos e acusou os políticos actuais de serem umas bestas e de terem estragado tudo.

Um comentador científico de eventos triviais deu uma pitada de De Gaulle ao cozinhado francês da época, consentiu que alguns operários espreitassem discretamente na história dos eventos, tendo assegurado que, sem o Maio de 68, nem o Sarkosy se tinha divorciado.
Um professor já encarquilhado que ensinara em Paris, ameaçando ver os seus oitenta e tal anos desmoronarem-se a qualquer momento, gabou-se da grande desforra do professorado, por ter continuado a dar lições magistrais.
Foi então que uma jornalista, levemente aflausinada, culpou rudemente os desgraçados dos estudantes de 68 de terem vivido estes quarenta anos a estragar tudo o que tinham conseguido. Embora não se tivesse dado ao trabalho de revelar, nem o que conseguiram, nem como o estragaram.
Um filósofo pós-moderno, que foi a Paris em Junho do mesmo ano, proclamou que começou em Maio de 68, em Paris, a crise do marxismo; e que o muro de Berlim levou no Arco do Triunfo, nesse ano, o seu primeiro abanão.
A Dª Miquelina garantiu que o grande culpado de terem engravidado a Mariazinha do rés-do-chão direito foi o Maio de 68. Concordando com ela, o Coronel Felismino atribuiu uma grande dose de culpa aos comunistas e aos arruaceiros que, lá como cá, detestam a ordem e a disciplina.


Um historiador do desporto assegurou que o fenómeno desportivo sofreu um poderosos impulso cosmopolita com as barricadas no Quartier Latin. E, inquirido sobre a influência do Maio de 68 em Portugal, um sociólogo muito em voga disse, ao fim de cinco minutos de reflexão, que não sabia. Acrescentando, no entanto, que ele se ouvira então, em Portugal, como um ruído longínquo.

Um velhote um tanto alucinado, a quem perguntaram se tinha estado em Paris, disse que evidentemente e deu como certa uma ligação entre o Maio de 68 e a queda do Salazar de uma cadeira, quando contava barcos a olhar o Tejo.

Numa roda erudita, um entrevistador procurou arrancar uma relação qualquer entre Mao Tse Tung e o Maio francês, no que foi imediatamente apoiado por um ex-futuro expoente do maoísmo português, que assegurou que o que desencadeou a revolta dos estudantes franceses foram os poemas de Mao e o livro vermelho dos guardas da revolução chinesa. Uma morena intelectual e anafada recordou, entretanto: " O Idiota Internacional"; mas a loura esquelética que se sentava em frente sustentou firmemente a importância do: "Viva a Revolução!".


Ficou, entretanto, muito mal visto um sindicalista que veio para a televisão falar numa greve geral e nos acordos que foram conseguidos. O jornalista deu mesmo a entender que a classe operária se vendeu ao patronato, tendo ficado muito longe da irreverência heróica de dois estudantes que mijaram numa estátua de Napoleão, alegando tratar-se de um general burguês.

Uma estagiária de jornalismo assegurou num inquérito de rua ao interpelar um passante sobre Maio de 68 que o Conbandit foi um industrial que inventou a pílula, sendo agora Ministro da Saúde da Dinamarca.


Um jovem comentador de política internacional sugeriu que o Maio de 68 foi um conluio entre a CIA e o KGB, para lixarem o De Gaulle. Um pouco embaraçado o jornalista perguntou-lhe se isso teve alguma coisa que ver com o desaparecimento do General, durante alguns dias. Ao que o especialista respondeu que ele foi raptado para que a esquerda pudesse tomar o poder, mas que os comunistas não se entenderam com os socialistas e tiveram que ir buscar outra vez o De Gaulle, deixando-o ganhar as eleições para que o poder não caísse na rua.

Um jovem sacerdote católico garantiu que a revolta dos estudantes franceses foi um surto de satanismo incentivado pelo Sartre e sua mulher, que o piedoso clérigo garantiu chamar-se Simone Signoret.


Um filósofo brasileiro, muito reputado,o garantiu que o Maio de 68 lhe fazia lembrar o Lula, sugerindo que a Igreja brasileira era um antro de ateus que deviam ser excomungados por Roma.

Um céptico exigente, que costuma desprezar toda a gente, disse que em Maio de 68 não se passou nada de importante. Foram apenas uns filhos-família que querendo-se deitar com as namoradas ficaram irritados por terem sido proibidos de tal labor, tendo desatado aos gritos e às pedradas. A isso, retorquiu um especialista que as pedradas foram em Paris, mas o caso das namoradas foi em Nantes, devendo ainda sublinhar-se que o namorado impaciente não era o Cohn-Bendit , mas o irmão.

Para acabar com as discussões o actual Presidente da República Francesa fez uma proclamação solene ao povo francês dizendo que todas as dificuldades por que a França está a passar hoje no mundo se devem, em grande parte, ao Maio de 68.

E um irrequieto jornalista, claramente do século XXI, comparando o Maio de 68 em França com a actualidade política portuguesa, afirmou, peremptoriamente, que se os candidatos à liderança do PSD, estivessem em real consonância com o Maio de 68, ter-se-iam seguramente despido durante o último debate.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Combustíveis, cereais e capitalismo


Se fosse possível assistir ao modo como tem ecoado em Portugal, a crise dos combustíveis, com a serenidade com que se assiste a uma boa peça de teatro, talvez nos fosse evidente o carácter trágico que têm assumido os falares veladamente assustados dos mais qualificados declamadores das receitas tradicionais da ideologia económica dominante.

Perante prenúncio sérios, traduzidos principalmente na escalada dos preços do petróleo e dos cereais, de que a máquina mundial de concentração das riquezas e de disseminação da pobreza parece em vias de mais uma brutal aceleração. Perante a alta probabilidade de que o preço de um escandaloso luxo e de privilégios, para uma fatia muito estreita de cidadãos, seja uma cadeia incontrolável de miséria, fome e explosões sociais. Explosões sociais que podem ser desespero em carne viva, desespero daqueles a quem roubaram o futuro e que pode destruir as sociedades que temos.

Perante tão trágicos anúncios de sofrimento e tempestades, pateticamente, os angélico oráculos do sistema, quase com os olhos em alvo, piedosamente invocam o deus da concorrência para que tudo venha remediar, como se estivesse ao alcance de tão frágil divindade, um tão hercúleo cometimento.

Podem os cidadãos sucumbir ao peso de dificuldades crescentes, podem as empresas ser sugadas pela sede insaciável dos petroleiros, podem acumular-se os sinais de tumultos de desespero, entre os mais pobres dos pobres, que os sentados nas cadeiras do poder não conseguem ir mais longe do que proclamar a força do mercado, como reservatório infalível de todas as esperanças.

Entretanto, esmoendo como jibóias o doce sabor dos lucros, os violinistas da especulação, confraternizam com seráficos banqueiros, com os sôfregos petroleiros, modorrando todos docemente numa sesta tranquila. Uma sesta que se limita a fruir a aprazível sombra das sacrossantas leis do mercado, pelas quais, aliás, a concorrência e a competitividade disseminam um piedoso incenso.

É nessas alegres cavaqueiras que se riem dos amanuenses da política que cumprem, como se fossem tábuas de uma religião científica, as suaves leis do capitalismo. Leis que, aliás, cumprem por completo a sua generosa função: enriquecer os ricos, tornando os pobres mais pobres, de uma maneira tão subtil que os convença de que a riqueza dos ricos nada tem a ver com a pobreza dos pobres. Mas que, evidentemente, vão continuar a mostrar uma completa inutilidade, como instrumentos susceptíveis de resolver os problemas dos povos, dos países, dos cidadãos.
Leis que, paradoxalmente, os seus beneficiários tratam com a desenvoltura de quem, conhecendo-lhes o sentido e a razão de ser, as manipula e relativiza como simples instrumentos, enquanto alguns dos que se julgam adversários da finalidades delas, as veneram como se fossem o mais objectivo acervo de evidências e verdades científicas que alguma vez foi conhecido entre os homens.

Os que parecem esquecidos do que queriam (e julgavam) ser, para se deixarem aprisionar pela servidão do imediatismo quotidiano, apenas se preocupando em gerir honestamente as sociedades que temos, ajoelham perante os novos deuses de uma nova ciência oculta que, arvorando-se em indutora de enriquecimento, mais não consegue do que ir fabricando um pequeno número de ricos à custa de uma enorme expansão de pobres.

E, cada vez mais assustados, começam a perceber que esse capitalismo, que se confessou racional, progressista e liberal, prometendo a exuberância das riquezas como primeiro passo para uma partilha posterior, sucessivamente adiada, é no essencial um implacável predador.
De facto, é como se estivesse, na sua própria natureza, ser um permanente exagero de si próprio, numa desfilada que a cada momento se acelera. Por mais que os governos do mundo se prestem como cordeiros a sucessivos sacrifícios, nunca satisfarão a sede desse deus sem limites.

É por isso que os aplicados sargentos da governança parecem, em todos os níveis, cada vez mais cegos quanto ao óbvio e cada vez mais esperançados em horizontes vazios.

No caso português, está em curos uma farsa ridícula, que os seus encenadores procuram revestir das cores solenes do drama. Um rasgado ministro perguntou a uma autoridade, ultra-especializada e hiper-neutral, se realmente há cartel entre os petroleiros portugueses, entre os oito hiper-petroleiros que se reuniram numa estranha associação, que apenas os alberga a eles próprios.


Ora, o perspicaz ministro quer saber da boca do sábio regulador, se os oito associados da petrolíssima associação terão combinado entre si alguma coisa que, podendo convir-lhes, não convenha a ao país. Estranha pergunta, difícil resposta...

domingo, 25 de maio de 2008

Trabalho, governo e sindicatos




Cezar Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deu uma entrevista à revista brasileira CartaCapital, da qual transcrevemos alguns extractos.
(… … …)
CartaCapital: A reforma trabalhista é um dos itens da pauta de reformas. Qual é o alvo das mudanças?

Cezar Britto: O que se quer, na verdade, é aumentar a competitividade das empresas globalizadas. Os direitos dos trabalhadores estariam impedindo os lucros, lucros maiores. Isso entrou em jogo desde o governo Fernando Henrique Cardoso.

CC: Os direitos trabalhistas entram no leilão da competição.

CB: Essa é exatamente a lógica. Por ela, o custo do trabalho atrapalha a competitividade. Onde se paga menos, mais atrativo se torna para o investimento do capital. Isso entrou em discussão com o neoliberalismo e ainda não foi abandonado.

CC: Não foi abandonado no governo Lula?
CB: Não foi. Tanto é que, já no governo Lula, foi aprovada a lei de recuperação das empresas. Uma lei que segue essa lógica. Ela revogou alguns princípios que eram fundamentais para o trabalhador.
CC: No governo de um ex-operário metalúrgico, a contradição fica maior?

CB: Fica maior. O espírito da lei de recuperação das empresas é o mesmo que se espalha por vários países. Fui convidado para fazer uma palestra em Moçambique, cujo tema foi exatamente essa lei. Ela já vigora na Argentina, no Panamá.

CC: O que ela muda concretamente na relação trabalho e capital?

CB: Havia um entendimento que o trabalhador não era responsável pela gestão da empresa da qual não aufere lucros. Por isso, se convencionou que ele também não poderia ser responsabilizado pela má gestão ou pelo desvio de verbas nas empresas. Quem tem responsabilidade é quem tem o lucro, o empresário. Nessa lógica, o patrimônio da empresa servia para garantir o salário do trabalhador.

CC: Não é mais?

CB: Depois dessa lei, apenas uma pequena parte se destina aos direitos do trabalhador. O segundo credor passaram a ser as instituições bancárias. Outra mudança fundamental, que simboliza bem este momento do conflito capital–trabalho, é o fim da “despersonalização” do patrimônio da empresa, que, antes, garantia também a indenização do trabalhador. Hoje, em caso de processo de recuperação da empresa, o patrimônio é distribuído a um conselho de credores. Um bom exemplo disso é o da Varig. A parte boa do patrimônio foi passada à Gol, a parte ruim ficou para garantir os créditos trabalhistas.

CC: Como foi a trajetória dessa mudança no Brasil?

CB: Ela nasceu no governo Fernando Henrique e foi aprovada no governo Lula. O governo Lula, no início, acertou ao fortalecer os sindicatos. Fortes, eles têm um bom sistema de negociação com a classe patronal. Mas a reforma apresentada, discutida em um fórum com empregados e patrões, dorme no Congresso. Não avançou.

CC: O que é bom na proposta de reforma trabalhista?

CB: Ela permite que os sindicatos se unam, como dizemos, “do poço ao posto” no ramo da produção. Hoje, os sindicatos são constituídos por categorias profissionais. Às vezes, uma empresa tem cinco, seis ou sete sindicatos. Isso dilui a negociação e fragiliza os empregados. Essa proposta permite a união dos sindicatos. Acaba a unicidade sindical.

CC: E a questão da contribuição sindical?

CB: A contribuição sindical nasceu para premiar os sindicatos mais atrelados ao Estado. Os sindicatos precisam ser mantidos pelo reconhecimento da categoria e não pela distribuição do dinheiro feito pela contribuição. Talvez fosse o caso de se fazer uma redução paulatina.

CC: A Justiça do Trabalho funciona?

CB: A Justiça do Trabalho cresceu muito nos últimos anos e foi modernizada. É uma das mais ágeis do Brasil, e que responde mais rapidamente às demandas. A competência da Justiça trabalhista foi ampliada e absorveu um mundo de questões novas, como as referentes às greves e às indenizações decorrentes de acidente de trabalho, entre outras.

CC: Isso tem favorecido os empregados, já que se trata de uma justiça feita para equilibrar as relações entre o capital e o trabalho?

CB: Esse é o grande diferencial da Justiça do Trabalho. A grande força dela, ao ser criada, foi a compreensão de que esses dois mundos são desiguais. Ela trata diferenciadamente pessoas que não são iguais: o empregado e o patrão. É diferente do princípio que norteia a Justiça comum, que é o da igualdade contratual. Isso significa que todas as pessoas diante dela são iguais e, sendo iguais na relação contratual, têm de ser tratadas da mesma forma.

sábado, 24 de maio de 2008

Números : azar ou ironia ?


Acabaram, mesmo agora, as votações no Festival da Eurovisão. O destino divertiu-se com Portugal, que acaba de ficar em 13º lugar, com 69 pontos.

Educação pública e mecenato



1. Os fantasmas do neo-liberalismo que infestam as chamadas organizações económicas internacionais, fazendo-se eco de um mundo que já não tem condições objectivas para continuar a existir, insistem em dar conselhos aos vários países, opinando também, frequentemente, em matéria de educação.
Funcionários da ideologia oficial, outorgam para isso, a si próprios, as credenciais necessárias para serem aceites como distribuidores de receitas, sobre seja o que for.

Perdidos no labirinto contabilístico das suas ilusórias certezas “científicas”, esforçam-se por empurrar o Estado para fora da educação.
Chegam mesmo a reduzir a educação a um serviço como outro qualquer. E, lançados nesse atalho suicida, não hesitam em oferecê-la, como terreno de caça, ao comércio privado.


2.Não é este o momento para discutir esse interessado primarismo. Todavia, não há dúvida de que ele se adequa à tentativa de atenuar as despesas públicas com a educação, substituindo o Estado pelo incerto recurso a mecenas privados.

Ora, valorizar, como um dos eixos estratégicos da educação pública, o mecenato privado, é uma lesão dramática da completude do poder político democrático.
De facto, em regra, só quem tem dinheiro se dispõe a ser mecenas. Os cidadãos pobres não têm meios para serem mecenas de coisa nenhuma.
E a médio e a longo prazo, quem é importante no fornecimento de meios financeiros, há-de ter um poder correspondente na vida das instituições apoiadas. Desse modo, o poder dos que têm dinheiro suficiente para serem mecenas vai substituir-se ao poder dos cidadãos que têm apenas o poder democrático de votar.

Se os mecenas fossem levados a pagar a mais ao Estado, a título de imposto, o equivalente aos apoios financeiros que viriam a dar a instituições públicas de educação; e se o Estado encaminhasse o resultado da cobrança desses impostos para financiar a educação, nenhuma hipótese haveria de que o poder na educação pública fosse exercido à margem da delegação democrática dos cidadãos.

Se o Estado, pelo contrário, fugir à sua responsabilidade pela educação pública, aligeirando, na mesma medida, os impostos pagos pelos potenciais mecenas, para assim lhes dar oportunidade de usarem uma parte do que deixarem de pagar, no apoio a instituições públicas de educação, verá, a prazo, diminuído o seu poder sobre a escola pública, partilhando-o, naturalmente, com os co-financiadores.
E assim alguns ricos (ou delegados seus), passarão a partilhar, de algum modo, o poder sobre as escolas públicas. Uma vez que eles, fundamentalmente, darão aquilo que deixaram de pagar como impostos, estamos perante um verdadeiro privilégio, vedado, em absoluto, a quem não for rico. O Estado fica mais anémico e a sociedade mais injusta.

3. Se esse Estado corresponder a um país relativamente subalterno, como o nosso, com uma dimensão geográfica reduzida e um potencial demográfico muito pouco significativo, essa deriva terá riscos acrescidos.
Se um Estado com essas fragilidades, corresponder a um povo que esteve na origem de uma das línguas situadas entre as dez mundialmente mais faladas, tendo por isso na educação um elemento com uma importância suplementar, enquanto lugar estratégico de valorização dessa língua e da respectiva cultura, essa deriva passaria a ser um sintoma alarmante de irresponsabilidade política.
Seria sinal de que esse Estado não é governado por políticos, mas por amanuenses do dia-a-dia, que, verdadeiramente, não sabem bem o que andam a fazer, por mais ungidos que se imaginem por uma cientificidade, de que realmente carecem.


4. É claro, que esta alergia ao mecenato na educação, em todos os seus níveis, incide apenas no mecenato que o Estado encara como seu sucedâneo.
Não envolve, naturalmente, os processos de cooperação entre as escolas (incluindo as de ensino superior) e as instituições da sociedade civil (sejam elas empresas ou não).
Quando as empresas e outras entidades privadas, movidas pela sua própria lógica, convergem c0m escolas fiéis a si próprias, estão a ser tecidos laços que induzem, naturalmente, situações de mecenato. Quando isso acontece, estamos apenas a assistir algo que deve ser encorajado: exploração virtuosa de sinergias.

As instituições educativas, nestes casos, embora sejam, naturalmente, beneficiadas, podem relacionar-se , em pé de igualdade, com os mecenas, já que no essencial a sua vida corrente e a sua subsistência não dependem deles.
Concomitantemente, em termos objectivos, nenhum mecenas poderá, nestes casos, impor seja o que for a uma entidade que não está colocada perante si, em qualquer estado de necessidade, o que acontece nos outros casos.

Está assim a ver-se que tudo isto é qualitativamente diferente das situações em que o Estado não assegura a vida normal de uma instituição, alegando que ela deve conseguir os mecenas que compensem a perda desse apoio.
Neste caso, realmente, estar-se-á a enveredar pelo equívoco caminho que acima se comentou.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Última hora!


Todos os canais de televisão abriram o Jornal da Tarde, informando que o filho de sete anos de um segundo primo de uma tia de Cristiano Ronaldo tinha feito xi-xi na cama.

Os canais mostraram uma mancha amarelada num lençol e um jornalista, mais rigoroso, chegou mesmo a cheirá-la, tendo assegurado aos telespectadores que exalava um cheiro ácido, alegadamente desagradável.

Instado a pronunciar-se sobre o evento referido jogador recusou-se amavelmente a tecer comentários. Um dos repórteres atribuiu a recusa a ordens expressas do seleccionador.

Os amargos frutos da terceira via




O Sr. Brown foi massacrado recentemente nas eleições municipais inglesas. Agora, o falecimento de um deputado trabalhista forçou uma eleição isolada, no respectivo círculo. Era um feudo trabalhista há muito tempo. Nas eleições anteriores, haviam triunfado por cerca de sete mil votos. Em sentido inverso, uma diferença próxima dessa separou-os, desta vez, dos conservadores.


Quando a esquerda se esforça para ser suportável aos olhos da direita, arrisca-se a tornar-se desconhecida, para os seus eleitores.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Cooperativismo e Economia Social


27 e 28 de Junho de 2008


FEUC
Coimbra
Colóquio



Cooperativismo e

Economia Social

- olhares cruzados



Organização:

Centro de Estudos Cooperativos da
Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra


Neste Colóquio, o cooperativismo e a economia social vão ser encarados através de diversas perspectivas disciplinares e a partir de vários pontos de vista. A quase totalidade dos conferencistas e intervenientes formais radica os temas do colóquio na realidade portuguesa. Mas a sua Abertura será da responsabilidade do Prof. Rafael Chaves, destacado professor espanhol da Universidade de Valência, especialista internacionalmente reputado, com destaque para o seu protagonismo nas instâncias europeias.
Os universitários, especialistas e práticos de nacionalidade portuguesa , pela sua experiência e pela qualidade do seu trabalho legitimam as melhores expectativas quanto ao interesse do Colóquio.
Os debates que certamente ocorrerão serão um importante factor da vivacidade que se espera como potenciadora do interesse pelos temas abordados.

PROGRAMA

Sexta-Feira – dia 27 de Junho


-11.00 — Conferências de Abertura:

La economia social europea: entre tercer pilar del modelo social europeo e ignorancia.

— Prof. Doutor Rafael Chaves Ávila
(Universidade de Valência. Presidente da Comissão Científica do CIRIEC Internacional para a economia social e cooperativa).



Cooperativismo e economia social—um futuro inquieto
— Prof. Doutor Rui Namorado
(Centro de Estudos Cooperativos da FEUC e Centro de Estudos Sociais).




15.00 — 1ª Sessão: A economia social , o emprego e a pobreza.

A economia social–um caminho para vencer a pobreza?
— Prof.ª Drª Manuela Silva
( Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz. Membro do Conselho Geral do Montepio).



Novos empregos, novos pobres, trabalhadores pobres : uma visão económica.
— Prof.ª Doutora Margarida Antunes
(Centro de Estudos Cooperativos da FEUC).



Experiência Viva — Srª D.ª Ester Duarte
(cooperativa de artesanato Capuchinhas, Campo Benfeito)




17.15 — 2ª Sessão: A economia social e o mercado.


Renovação do terceiro sector e mercado–tópicos em torno da situação nacional
— Dr.ª Carlota Quintão
(Doutoranda em Sociologia da FEUC e Bolseira da FCT).



Medir e promover o sucesso das organizações do terceiro sector: o contributo dos referenciais da qualidade.
— Prof.ª Doutora Patrícia Moura e Sá
(Centro de Estudos Cooperativos da FEUC).



Experiência Viva — Sr. João Fernandes Antunes
(Cooperativa de Produtores de Queijo da Beira Baixa e Idanha-a-Nova).





Sábado – dia 28 de Junho.



10.00 — 3ª Sessão: A economia social e o desenvolvimento local.


Que condições para o desenvolvimento local?
— Dr. Bernardo Campos
(Comissão de Coordenação da Região Centro e Centro de Estudos Cooperativos da FEUC).


Desenvolvimento local, perspectivas para uma nova dinâmica da economia social.
— Prof. Doutor Manuel Belo Moreira
(Instituto Superior de Agronomia – Univ. T. Lisboa).


Experiência Viva — Dr. Miguel Torres

(Acert – Assoc. Cult e Recreativa de Tondela).



( Para mais informações pode consultar-se o site do Centro de Estudos Cooperativos da FEUC
http://www4.fe.uc.pt/cec/)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Algumas ideias, um pouco de futuro




Muitos aceitam, como evidente, que toda a realidade tem duas faces e que no seio dessa realidade interagem dinâmicas que exprimem cada uma delas. Poucos tiram disso as naturais consequências práticas. Poucos usam sequer essa evidência estrutural como guia. para ajudar a compreender os objectos, sobre os quais reflectem.

É também por se desconsiderar esse vector estrutural, no que diz respeito à política, que, por vezes, se cometem erros grosseiros ao vivê-la. Por exemplo, poucos têm a lucidez de perceber que, quando um lado vitorioso leva ao paroxismo da arrogância a sua vitória, tentando esmagar o adversário até ao ápice da humilhação, não está a esmagar o outro até à anulação total, mas a estimular fortemente as suas hipóteses de se retemperar.

Nessa medida, um dos elementos nucleares da arte da política é a capacidade para se chegar até ao limite da determinação e da persistência, sem se atravessar a linha fatal que as separa do fanatismo e do sectarismo. Por isso, nós vemos soçobrar igualmente, quer os pusilânimes incapazes de continuidade, quer os exaltados incapazes de ponderação. Nessa medida, é tão importante não cairmos no sono que nos afasta do que temos que percorrer, como evitar a sofreguidão que nos faz atropelar o que almejamos.

Vem isto a propósito da acção política, da vida política, da luta política, não na perspectiva do cientista, que se ostenta como frio observador de uma realidade que imaginariamente o transcende, mas do ponto de vista do cidadão e militante que procura compreender a sociedade para poder agir sobre ela, movido pela urgência pragmática da vitória. Vitória que, exactamente por ser urgente, não pode ser amarrada ao imediatismo apressado. Pelo contrário, é por ser urgente que tem que ser amadurecida.

E assim essa análise “científica” da realidade política é apenas uma pequena parte da reflexão de que necessita o cidadão-militante, para fazer coincidir, o mais possível, o resultado da sua acção com o horizonte que o motiva. Uma pequena parte que se tem que completar com o conhecimento aplicado à acção, o qual se dela afinal se alimenta, tornando-a mais racional e mais eficaz.


Tem, com tudo isto, uma grande proximidade a diferença entre o modo como devem estruturar-se e agir os partidos de esquerda e o modo como é natural que se comportem os outros partidos.
Neste mesmo registo, sem esquecer essa pertença estruturante à esquerda, pode-se compreender que haja particularidades, dentro deste conjunto, próprias, por uma lado, de um partido de governo; compreensiveis, por outro lado, num partido de esquerda com ambições de exercício do poder, que almeja conseguir e manter um apoio eleitoral muito vasto (nunca menos de 40 % do eleitorado votante) .

E se falamos de um partido de esquerda, eleitoralmente forte, com expectativas fundadas de chegar ao poder institucional, estamos necessariamente a falar num partido reformista. São muitos os aspectos a valorizar na construção, ou no fortalecimento de um partido reformista. O primeiro é, seguramente, o de assumir uma verdadeira identidade reformista, o que o tem que levar para bem longe de qualquer contra-reforma que lhe usurpe o nome, bem como do rendilhado das pequenas transformações aprisionadas no esquecimento da grande transformação.

Igualmente, se pode compreender que numa perspectiva reformista, apostada numa sociedade diferente, onde se viva em liberdade e com justiça, numa atmosfera solidária de criatividade individual, seja decisivo valorizar aquilo que cada povo conseguiu de bom na sua saga colectiva, à custa do seu próprio sofrimento, sem escamotear o que continua mal, o que se tenha vindo a tornar difícil de suportar. Insisto, criar a ideia de que tudo está por fazer é o mais eficaz antídoto da esperança. Sem uma convicção firme de que vale a pena lutar, de que vale a pena resistir a prepotências e injustiças, dificilmente se lutará durante muito tempo.

E não é exagerado dizer que, num certo sentido, o pessimismo nacional (ou regional, ou local) é mais uma temível arma de conservação social, de anquilosamento cultural e de reforço de privilégios, do que uma alavanca de progresso.

Sendo militante do Partido Socialista, projecto, naturalmente, estas reflexões no caminho que ele tem para percorrer. Muitos são os vectores e os objectivos políticos que justificam reexame, ponderação e debate. E eu espero que se abra um processo ambicioso de debate interno, nos meses que precedem o próximo Congresso Nacional do PS.
Mas tudo isso deve ser pensado num contexto, onde estejam presentes várias ideias estruturantes, entre as quais poderei destacar algumas das que me parecem mais relevantes, com alguma conexão com o que atrás se disse.

-A realidade política é complexa e contraditória, mostrando-se muitas vezes como aquilo que não é, tendo-se por isso tornado crucial a luta ideológica.

- A política é uma luta democrática, pelo que os adversários nem podem ser demonizados como inimigos, nem angelizados como irmãos.


- Ser de esquerda está longe de ser uma jornada por um carimbo gasto, que perdeu a razão de ser. Pelo contrário, é a mais consistente intimidade com o futuro, a assunção do contraponto das sociedades actuais, que continuam a ofender e a pôr em risco a liberdade, a justiça, a solidariedade prática, a criatividade individual, a humanidade e a sua sobrevivência. Ser de esquerda faz compreender que o lado esquerdo é o lado dos injustiçados que não se conformam com a injustiça, dos oprimidos que não renunciam á liberdade. Faz com que esteja com naturalidade e sem reservas ao lado deles.

- Ser socialista é não cair no logro do fim da história, um logro que nos quer fazer crer que o capitalismo é eterno. E, assim, contribuir para que o pós-capitalismo se reforce no seio do capitalismo, e reforçando-se vá antecipando uma nova hegemonia.
-Ser socialista é, naturalmente, procurar contribuir para que o pós-capitalismo seja socialista, ao materializar numa sinergia virtuosa a concretização dos grandes valores humanistas que estruturaram o movimento socialista moderno, como sucessor de todas as lutas emancipatórias e de todas as práticas solidárias que foram acontecendo, ao longo da história.

- Agir como socialista, hoje, em Portugal é ser cidadão do mundo com a preocupação central de ajudar os portugueses a serem, na civilização humana, um parceiro activo. E é bom valorizar o ponto a que já chegámos como povo, para que possamos construir o resto do caminho com a confiança adquirida, por aquilo que percorremos.

- Estas e outras ideias gerais devem ser passadas pelo crivo da reflexão e do debate, para darem robustez aos aspectos programáticos da identidade do PS. De facto, só um rearmamento ideológico nos dará a necessária consistência para podermos ser uma força transformadora, nesta sociedade que, numa espiral mediática, nos procura confiscar o futuro, arrastando-nos par um pessimismo histórico, que, por mais coadjuvante, que possa parecer dos interesses dos poderosos do momento, apenas verdadeiramente aumenta o risco de futuras catástrofes sociais.

domingo, 18 de maio de 2008

A surpresa do candidato



Ó Patinha ! Antão ?

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Uma ligeireza circunspecta ?


Os Partidos Europeus da Internacional Socialista conversaram com os partidos latino-americanos da Internacional Socialista, para prepararem a cimeira que está a decorrer no Peru ?


Tentaram qualquer tipo de diálogo com outros partidos da esquerda latino-americana com responsabilidades de Governo com o mesmo objectivo?


Ou os seus responsáveis andam apenas a passear muito contentes, enquanto o Partido Popular Europeu trata das coisas sérias e se assume como o representante de todos os europeus ?

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O avesso e o direito : armadilha fatal ?


A campanha para a liderança do PSD está longe de ser o que parece. De facto, ela parece ser uma disputa para apurar quem vai dirigir o PSD nos tempos mais próximos.

Mas se olharmos com atenção para todos os sinais, verificamos que há uma conjugação de peculiaridades que nos alertam para a possibilidade de ela não ser aquilo por que se quer fazer passar.

Se nos lembrarmos do que era o PSD na véspera da retirada do Dr. Menezes e o compararmos com o que é agora, não podemos deixar de detectar algumas coisas estranhas. E a maior de todas elas é que o bloco que sustentou a ascensão do Dr. Menezes parece apostado em suicidar-se , premiando os mais acirrados dos seus críticos, com a vitória do seu candidato mais emblemático. Na verdade, parece cirurgicamente tentada a melindrosa operação de fazer com que os opositores da Drª Manuela, fiquem ambos muito próximos de a conseguir vencer, mas vencidos.

No entanto, toda esta estranha caminhada para o suicídio político do bloco que apoiou o Dr. Menezes, ganhará outro aspecto, se a procurarmos compreender com base numa outra lógica.

Suponhamos que o Dr. Menezes se convenceu que o PSD corre um enorme risco de ser derrotado pesadamente nas próximas legislativas, na medida em que as sondagens parecem indicar a sua escassa capacidade de seduzir os descontentes com o governo, ao mesmo tempo que mostram que esse descontentamento pode ser capitalizado pelos partidos de esquerda que estão na oposição ao Governo. Se assim for, das duas uma ou o Governo ganha folgo e o PS ganha as eleições, ou o Governo vê algumas das suas dificuldades agravadas e perde eleitorado para o PCP e o BE, ficando a direita em clara minoria e o PSD de mãos atadas.

Um surto de inusitado ruído público da “nobreza” laranja deu-lhe pretexto para dar o primeiro passo para a armadilha. Demitiu-se de surpresa, deixando pairar a dúvida sobre se o movera a vontade de surpreender e desorientar o “ baronato”, ou se apenas fora fiel aos superiores interesses do PSD, de ver a questão da sua liderança estabilizada a uma distância razoável das eleições. Essa dúvida faz parte da necessária atmosfera de ambiguidade necessária para o êxito da armadilha.


A partir daí Menezes, Santana, Jardim e Coelho entraram num esotérico bailado, de avanços e recuos, de amabilidades e crispações, de farsa e de tragédia, auxiliados até pela emergência de dois candidatos patuscos, do tipo daqueles que apenas reforçam o colorido destas eleições. Falta saber se algum dos candidatos é apenas figurante, não tendo participado no desenho da coreografia.

Tiveram um primeiro sucesso: atraíram a Drª Manuela à possível "Waterloo" da sua vida, com a particularidade de que nesta batalha ela só terá a derrota que os seus opositores querem se ganhar a batalha por pouco. Se ganhar a batalha, ficando bem claro que os seus apoiantes são minoritários no partido, em comparação com a soma dos que se lhe opõem, a sua derrota será completa. Aliás, eles têm deixado claro que ambos são contra a Drª Manuela. Não como pessoa, mas como expoente de todo um campo que querem bem juntinho a cair na armadilha. Um campo em que se pode pôr um carimbo múltiplo : cavaquismo-barrosismo-mendismo com uma pitada do sempre fugidio marcelismo.

Na dança a que temos assistido, por detrás da exuberância dos pequenos episódios, o real objectivo parece ser o de dar força a Passos Coelho e a Santana Lopes, de modo a que nenhum fique tão forte que possa ganhar, nem tão fraco que possa fazer recair no outro a dinâmica do voto útil, contra M. Ferreira Leite, o que implica desgastar fortemente a imagem da candidata de modo a que ela chegue à vitória cheia de mazelas; e distribuir os apoios pelos outros dois.

Assim, se tudo correr bem, os três candidatos ficarão com votações muito próximas, tendo a candidata uma vitória de Pirro. Com essa vitória nos braços, ficará obrigada a vencer Sócrates, o que objectivamente, pelo que atrás se disse, será difícil, sendo certo que a pior a humilhação para o PSD não é falhar esse objectivo, porque Sócrates se safou, mas falhar esse objectivo, porque o falhanço de Sócrates foi capitalizado pelo PCP e pelo BE.

E assim quando a “ nobreza “ laranja, encabeçada pela sua máxima referência do momento, for desbaratada nas eleições, o “menezismo-santanismo-jardinismo” voltará à cena e varrerá de vez o "baronato" incómodo. E assim terão feito recair no “baronato” uma derrota eleitoral que parecia inevitável que viesse a recair sobre eles.

É claro, que a política não é uma sucessão de previsibilidades seguras, é antes uma cadeia de probabilidades. Assim a armadilha pode falhar, ou porque afinal a Drª Manuela nem chega a ganhar, ou porque inesperadamente o PSD pode restabelecer-se e ter um resultado bom . No entanto, se quisermos ser objectivos, hoje, o que parece mais provável é que a armadilha surta efeito.

E, assim, nesta estranha campanha, dentro do PSD, o pior que pode acontecer a M.Ferreira Leite é ganhar, e o pior que pode acontecer a qualquer dos seus adversários é que ela não ganhe.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O cigarro e os cães



Os mabecos são a hipérbole dos cães. Não os menosprezemos. Abocanham a presa sem piedade. E a presa só raramente sobrevive. Têm especial apetência para atacar tudo o que exiba a mais leve marca democrática. E se a marca tiver raízes numa eleição ficam particularmente enfurecidos. Estão programados para uma intransigência rosnante atenta ao mais insignificante sinal.


Curiosamente, estes animais só revelaram o seu rosto actual, depois do 25 de Abril. Alguns especialistas não hesitam em afirmar que os antepassados dos actuais mabecos eram aquela espécie de coelho manso que tremia na toca todos os dias, escondido prudentemente das intempéries políticas.

Eram coelhos, saíram da toca. São mabecos. Cuidado!

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Pixordices 13 - A difícil resposta


A simpática Drª Manuela é tida, pelo exigente baronato laranja, como o ápice do bom-senso e do equilíbrio emocional.

Um esforçado perguntador questionou-a sobre o sentido do seu voto nas eleições de 2005, na esperança ingénua de se ver recompensado, pela parca glória de a obrigar a dizer que votara no irrequieto Dr. Santana. Contudo, mostrando o seu apurado sentido de oportunidade, a arguta senhora retorquiu, engenhosa:


- Não digo! Não digo ! E não digo !



O perguntador, abatido pelo inesperado da resposta, correu pressuroso a dar conta ao Dr. Santana do despautério. Subindo a uma gravidade só habitual nos grandes dias, o " não-dito", qual Zeus furioso , arrasou a pacata senhora:


- É grave! É muito grave! É muitíssimo grave que uma candidata a chefe do grémio laranja tenha dado uma tal resposta. No mínimo, deve desistir de imediato da sua candidatura.

Como se um vulcão, antes adormecido, tivesse acordado dentro de si, a Drª Manuela convocou os megafones da comunicação social e explodiu definitiva perante todos:

- Só o Dr. Santana, em todo o santo Portugal, tem dúvidas sobre o meu voto. Eu seja ceguinha se não votei sempre no PSD!!

Entre perplexo e ousado, o perguntador foi mais específico: "Em 2005 votou no Dr. Santana Lopes ?".

Afivelando o sorriso cinzento das certezas fortes e da palavra firme, a Drª Manuela explodiu contida, mas quase em raiva:

- Não digo ! Não digo ! E não digo!

Foi então que um dos mais excelsos barões laranja, vocacionado para as mais altas palavras em sublimes ocasiões, deixou o seu verbo produzir as seguintes palavras: "Uma grande senhora"!


Se a um povo fosse concedida a suprema graça de suspirar de alívio, quando realmente se sentisse aliviado, o povo teria suspirado longamente de alívio.
Ou de receio ?

domingo, 11 de maio de 2008

Lobos ?


Quando a direita grita contra a miséria, a fome, a doença, a insegurança, a ignorância colectiva, o egoísmo social , a anemia da liberdade, é como se os lobos se juntassem e gritassem em uníssono:


- Fujam ! Vêm aí os lobos!

Equívoco e dificuldade


O grande equívoco do tipo dominante das sociedades actuais é julgar-se que elas se podem aperfeiçoar, levando até ao paroxismo a lógica que está na raiz dos seus problemas.


A grande dificuldade, para superar esse equívoco, está no facto de que os que aprenderam a paciência necessária, para participar com eficácia nas grandes transformações, tenderem a deixar esvair-se a vontade, a energia e a persistência, que seriam necessárias para as alcançar; mas os que conservam e reforçam essa vontade, essa energia e essa persistência tenderem a vivê-las com tal urgência que as impedem de amadurecer o suficiente para serem possíveis.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

José Dias - militante de cidadania

1. Começo pela notícia:

As Edições Afrontamento têm o prazer de convidar V. Exa. para as sessões
de apresentação do livro de José Dias

Memórias do cidadão José Dias

12 de Maio - Braga - Livraria Centésima Página;
13 de Maio - Porto - FNAC Santa Catarina;
14 de Maio - Coimbra - Livraria Almedina Estádio;
19 de Maio - Lisboa - FNAC do Chiado.

Todas as sessões terão início às 18.00 horas.

2. E digo mais qualquer coisa:


Há já alguns anos, aqui em Coimbra, o Zé Dias meteu-se dentro da palavra "cidadão" e resolveu dar-lhe vida. A palavra resistiu. Encolheu-se circunspecta nas suas rotinas. Torceu-se perante alguns desafios menos habituais. Tentou escapulir-se. Em vão. O Zé Dias arrastou-a sem piedade, para qualquer lugar onde pudesse despontar uma causa, aflorar uma efeméride cívica ou cultivar-se uma recordação. Arrostou vertical com a melancolia de salas despidas e não desistiu de as encher. Serenamente. Teimosamente.


Pôs a sua velha fibra de militante ao serviço da cidadania. Passado o tempo do espanto, a cidadania sentiu-se rejuvenscida. Hoje, a palavra, antes fugidia mistura-se alegremente com a sua amiga "militante" e conversam longamente, lembrando-se de coisas. E, o que é o mais importante, obedecem com naturalidade aos impulsos do Zé Dias. Seguem-no para todo o lado. Revêem-se nele.


São , decerto, conversas dessas e essa obediência que encontraremos neste livro. Estou cheio de curiosidade. Não estaremos todos ?

PS em Coimbra - à espera das primárias




Passou quase um mês sobre o dia das eleições para a Comissão Política Concelhia de Coimbra do PS. Uma quietude sombria parece ter-se apossado novamente da vida política interna. Apenas uma pausa natural para o render da guarda? Esperemos que sim.

O combate foi renhido. O vencido (Carlos Cidade) chegou aos 408 votos (43,6 dos votantes), conseguindo 27 eleitos. O vencedor (Henrique Fernandes) teve 528 votos, alcançando 34 lugares na Comissão Concelhia. Juntos obtiveram 936 votos; ou seja, menos de metade dos militantes inscritos no Concelho. Não é inédito, mas é um facto que não deve ser atirado para debaixo do tapete.

Tudo o que ocorreu na campanha, os seus resultados e os poucos sinais visíveis subsequentes, não me fizeram arrepender do não apoio a qualquer das candidaturas. Como durante a campanha escrevi neste Blog, foram na verdade duas candidaturas suaves. Em vários sentidos. HF protagonizou uma tentativa de suavizar o ónus da continuidade e CC não quis deixar de suavizar o gesto da ruptura. E entre as duas margens dessa suavidade não deixou de haver pontes.

Se as vozes sussurradas nos corredores do PS não são apenas fantasia ou contra-informação, depois das eleições foi já estabelecida uma ponte definitiva. Ora, se estas pontes são o subtil pão-nosso-de-cada-dia da política intra-partidária, não deixam também de assinalar objectivamente, pela dificuldade ou pela facilidade com que são lançadas, a distância que separa as duas margens.

Numa outra circunstância, toda esta atmosfera de relativização das diferenças, de superficialização das fracturas, podia ser um sinal de coesão partidária e um indício positivo de uma convergência desejável. Podia mesmo ter-se como natural que da campanha saísse, como primeiro resultado ostensivo, a decisão sobre quem seria candidato a Presidente e quem seria candidato a Vereador.


Mas a conjuntura que vivemos está longe de se poder comparar a um lago de águas calmas e sem surpresas. O provável é que estejamos fadados a viver em tempestade (ou sob a ameaça séria de tempestade) nos próximos tempos. E a primeira grande tempestade, para que nos temos que preparar, é a falta de confiança dos eleitores que votam habitualmente no PS, nas próximas eleições para a Câmara Municipal de Coimbra.

Falhámos no primeiro passo, que, como resulta do que tenho dito, na minha opinião, devia ter implicado uma ruptura profunda, ostensiva e radical (apenas no plano político e sem quebra da desejável convivialidade), saída de um combate em que se confrontassem, sem ambiguidades, a continuidade e a ruptura. Não houve base de apoio ou capacidade para se suscitar uma candidatura que, protagonizando uma ruptura sem pontes, obrigasse a continuidade a assumir-se em toda a sua extensão, de modo a provocar assim uma verdadeira clarificação interna, que pudesse mostrar, para fora de nós, objectivamente, a novidade radical de um novo tempo, ou a existência de uma forte expressão interna dessa ambição.


As coisas estão, portanto, neste ponto incerto, em que a novidade é tímida e a sombra do passado visível. De fora do PS, continuam a olhar-nos sem grandes expectativas. E isso eleitoralmente é muito arriscado.

Mas enquanto continuarmos num caminho, podemos sempre atenuar o que perdemos nos desvios ou nas paragens. Estamos nessa situação. Se os vencedores compreenderem que têm que conquistar o entusiasmo dos quase cinquenta por cento de votantes que foram vencidos; e que, para além disso, precisam de mobilizar a metade dos militantes que, por razões diversas, se mantiveram fora da pugna, perceberão que têm um difícil caminho a percorrer.

Uma simples ponte entre os duas quartas partes deixa a outra metade de fora. Uma simples ponte para repartir protagonismos pode arrefecer crispações, mas não suscitará novos entusiasmos. Pode ser um cachimbo da paz entre chefes, mas pode ser pouco para conquistar o coração dos eleitores.

Na verdade, só um golpe de uma ousadia limpa, que mostre um partido realmente aberto aos seus eleitores e forte do protagonismo empenhado e visível de todos os seus militantes, trará uma credibilidade real ao PS de Coimbra, enquanto colectivo, que assim mostre poder arcar de novo com a responsabilidade pelos destinos do Concelho de Coimbra.

E o rasgo possível, com o tempo de que dispomos, e como alicerce indispensável, é a opção de escolhermos o nosso candidato, às eleições para a Presidência da Câmara Municipal de Coimbra, em eleições primárias em que participem todos os militantes do PS e todos os seus simpatizantes.


No momento em que essa decisão for tomada, passarão a estar directamente envolvidos no processo, como sujeitos activos, todos os que estejam em condições para votar nessa primárias. As clivagens entre maioria e minoria, ou esbater-se-ão, ou serão transferidas para uma saudável competição entre projectos e entre rostos de projectos. Os socialistas que se abstiveram ficarão dentro do processo, que será ainda aberto aos simpatizantes.


Cada pré-candidato há-de ter um projecto, há-de ter ideias, há-de ter uma equipa. A campanha terá que ser democraticamente impecável e o combate, pela preferência dos socialistas, uma competição de perspectivas e de propostas. Uma competição que tem que ser rodeada de regras rigorosas que a protejam das tentações de sectarismo e de arregimentação, ou seja, de um tribalismo interno, fulanizado e estéril. Uma campanha que, se for séria, substancial e competente, poderá ser uma preciosa pré-campanha, no plano eleitoral geral.

De facto, qualquer pré-candidato forte só lucrará com esta prova de fogo , não havendo processo mais seguro, mais saudável e mais transparente, para suscitar a unidade dos militantes e dos simpatizantes, em tono de um vencedor.


Falando por mim, posso imaginar os outros. Apoiarei, sem qualquer reserva, o candidato escolhido em eleições primárias internas, desde que elas sejam limpas, leais e justas, mesmo que tenha sido outra a minha preferência inicial e por maior que seja a antipatia pessoal que ele me possa merecer.

Um processo destes é possível e desejável. Se houver consenso em torno dele, em termos gerais, não será difícil acertarem-se depois os detalhes.

Fora dele, será maior o risco de termos que enfrentar uma candidatura independente que nos dispute parcialmente o eleitorado. Será maior o risco de termos que engolir um candidato do PS imposto pela direcção nacional do partido. Será maior o risco de perdermos as eleições.

Henrique Fernandes tem a responsabilidade principal, Carlos Cidade tem alguma responsabilidade, os membros da Comissão Política Concelhia, no seu todo, têm legitimidade para seguir esse caminho.


Segui-lo, não garante a vitória, mas torna-a mais provável. Ignorá-lo, não conduz necessariamente à derrota, mas aproxima-nos perigosamente dela.