domingo, 28 de fevereiro de 2016

Dissonâncias e convergências.


Dissonâncias e convergências.

A energia com que nos envolvemos na vida política é em geral um sintoma de vitalidade. Mas não é prudente renunciar ao permanente uso de um filtro crítico, com o qual sopesemos sempre o nosso entusiasmo, a nossa virulência e o nosso grau de atenção.

De facto, exacerbar as diferenças políticas quer entre os socialistas, quer, numa perspetiva mais geral, dentro do conjunto das várias esquerdas, pode não ser completamente saudável. Na verdade, se nos limitarmos a valorizar apenas questões operacionais, organizativas e táticas, isso implicará objetivamente, por si só, secundarizar as questões estratégicas. Secundarizar questões estratégicas implica perder de vista, no dia a dia, o horizonte onde se inscreve o pós-capitalismo rumo a uma sociedade alternativa. A paixão excessiva pelo imediato, independentemente das intenções dos apaixonados, deixa necessariamente na sombra a paixão por uma verdadeira transformação da sociedade.  

Se os que entendem que o capitalismo não é compatível com a democracia, nem com a justiça, nem com a felicidade, nem com a dignidade da pessoa humana, nem com uma esperança razoável na sobrevivência da nossa espécie, não se preocuparem em combatê-lo através da luta política, pelo menos tendo-o em conta em tudo o que propuserem, podem tornar-se seus cúmplices objetivos. Ou seja, podem tornar-se peças, quiçá inconscientes, do dispositivo politico-ideológico de conservação histórica do capitalismo.

A inércia estratégica e prospetiva dos que se sentem seus inimigos é um dos seus mais eficazes meios de defesa. E essa quietude estratégica e prospetiva não é compensada pelo entusiasmo que alguns desses inertes eventualmente possam pôr numa qualquer luta implacável guiada por ódios intensos, mas irremediavelmente confinada a  causas paroquiais e pequenas. Grandes cóleras contra pequenas coisas são certamente um desperdício.

Realmente, se o socialismo é uma democracia em constante aperfeiçoamento e a projecção emancipatória de uma sociedade justa em que a liberdade seja um respiração colectiva por todos vivida e que, portanto, não é negada a ninguém, então ele é não só uma razão de vida, mas também uma condição de futuro. E não existindo um livro do destino, onde esteja escrito com as letras da esperança o futuro que identifica os socialistas, esse futuro depende das nossas ações e das nossas omissões. Aproximar-se-á com os nossos acertos, distanciar-se-á com os nossos erros. Que o horizonte socialista se torne mais ou menos provável depende de nós.

Queremos ser levados na torrente da história, como folhas de outono melancólicas e desesperadas? Ou preferimos ousar interferir na corrente da vida, como força que entra na disputa pelo seu rumo e que procura calibrar-lhe a intensidade? Pequena força? Talvez. Mas seguramente maior do que aquela que exerceremos se nos alheamos da História, conformando-nos a sofrê-la como um fado triste.

Talvez cada um de nós só possa fazer pouco. Mas se nos juntamos num partido, num sindicato, numa organização solidária, num movimento social ou cultural, numa explosão cívica bem medida, talvez possamos fazer mais qualquer coisa. Se nos juntarmos para agir em conjunto, prosseguindo o objetivo que nos congregou.

Parece óbvio, mas todos sabemos que não é fácil. Ou que é mais fácil dizê-lo do que fazê-lo. Seja como for, não deixa de ser objectivamente urgente. Muito urgente. Em Portugal, na Europa e no mundo, há uma ordem social injusta predadora da democracia que vai corroendo a sociedade e a Terra. A razão de ser dos socialistas é a transformação dessa ordem tão desordenada. Transformá-la rumo à liberdade, à igualdade e à fraternidade.

É compreensível, necessário e útil que cada um atue sempre com fidelidade plena àquilo que lhe pareça justo, desde que nunca esqueça que outros podem não pensar o mesmo. Estejamos perante grandes ou pequenas questões.

 Por outro lado, será altamente salubre que aprendamos a reservar os grandes ódios para as grandes causas, a guardar as grandes cóleras para lutarmos contra os grandes obstáculos, conta as injustiças gerais.

Será altamente salubre que não deixemos que as nossas emoções se dissipem num exacerbar de ódios e de cóleras, de grandes ódios e de grandes cóleras contra pequenas coisas, pequenas divergências, pequenas erros, pequenas causas. Realmente, seja qual for a nossa intenção, se ficarmos muito tempo fechados em problemas pequenos, esquecendo-nos dos grandes, acabaremos por ficar com a dimensão das coisas com que nos preocupamos.

E, como todos sabemos, se olharmos apenas para os nosso pés, mais difícil será encontrarmos o caminho.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A Europa do Nosso Descontentamento

O poema que reproduzo de seguida foi escrito em setembro de 2015, tendo sido depois  publicado como abertura do nº 22 da revista "Foro das Letras" da Associação Portuguesa de Escritores-Juristas.

 Resolvi evocá-lo neste blog na ressaca deste início tão deprimente do mais recente episódio britânico. Quando se trata de salvar bancos e sacrificar povos, os amanuenses tristes que dirigem hoje a Europa são decididos e rigorosos. 

Aliás, esta deriva sem norte e sem bússola mostra afinal com clareza  como os  alegados cristãos do partido popular europeu mais não são do que  caniches de luxo da grande finança mundial. 

Mas mostra também uma anemia política grave dos partidos que integram o partido socialista europeu e que parecem conformados com o triste papel de simples ajudantes dos capatazes do capital que acabo de referir. Desgraçadamente, as outras esquerdas, à escala europeia, não se têm mostrado capazes de compensar a anemia que mencionei, parecendo oscilar sem um rumo possível, entre um radicalismo vazio de horizontes e uma promiscuidade arriscada com agendas ancoradas num populismo nivelador e justicialista.

É nesta amargura profunda mas que não baixa os braços que inscrevi o meu poema. Aqui o têm.



Europa do nosso descontentamento

Cansada  do cansaço de não ser
mais do que a sombra do que já não é,
deixa o fado descer nas suas veias
como saudade, angústia, esquecimento.

Europa que foi grão, talvez caminho,
semente de luz no rio das trevas,
nevoeiro de sonhos ou viagem,
glória de si própria interrompida.

Quem são os algarismos que nos cercam
como se  a carne do tempo fossem números?
O que é esta frieza que nos gela,
como se após a noite fossem trevas?

Os braços que se erguiam sem limite,
esculpindo em sofrimento o fio da História,
descem agora como se morressem
no naufrágio de todos os caminhos.

Cansada do cansaço de não ser
a praia onde viviam as sereias,
Europa , deusa que não tem destino,
perdida na saudade de si própria.

Quem são estes fantasmas que nos movem,
como se o tempo já não fosse nosso?
Quem fez estas paredes que nos cercam,
erguidas contra o tempo, sem futuro?

Cansada do cansaço de não ser
a terra onde morria o nevoeiro,
Europa está fechada neste tempo,
como se fosse eterna e não durasse.

Venham as musas todas dos poetas
no combate supremo pelo sonho,
venham as cores de todos os  pintores
para a suprema cor de ser manhã.

Venha o secreto amor das sinfonias,
a dor que rasga o som dos violinos,
o murmurar sem tempo das guitarras,
a música do vento, o som da esperança.

No sossego das ruas indolentes,
 nas praças que perderam o clamor,
nas cidades esquecidas, já sem alma,
nasça de novo a imensidão dos povos.

E no museu das lendas despedidas
deixemos esta Europa sem destino,
deixemos esta cinza de não ser,
este outono que queima devagar.


 Rui Namorado                                            
(setembro de 2015)

domingo, 7 de fevereiro de 2016

O elogio da política



Em política, só se pode agir eficazmente com moderação, pensando-se radicalmente.

E só se pode dar cada passo com segurança, sabendo-se qual o caminho que se está a percorrer, por que razão se  escolheu e onde se pretende chegar ao percorrê-lo.


Por  isso, sendo o curto prazo a própria vida, esquecer o médio e o longo  prazo é optar pela escuridão.