sábado, 30 de julho de 2011

MANIFESTO PARA UMA RENOVAÇÃO SOCIALISTA

Um conjunto de quarenta e cinco militantes do Partido Socialista, constitui o grupo de subscritores iniciais de um Manifesto Para uma Renovação Socialista, que foi tornado público no passado dia 13 de Julho, em conferência de imprensa realizada em Coimbra. Um exemplar do documento foi entregue a António José Seguro, por um dos subscritores seu apoiante, um outro exemplar foi entregue a uma representante da candidatura de Francisco Assis, por um dos subscritores seu apoiante. Entre os subscritores iniciais há militantes de diversos concelhos do país, mas a maioria é de Coimbra.


Como é dito na nota de abertura do documento, ele não pretendeu intrometer-se na campanha para a eleição do SG do PS, estando já a ser preparado antes das eleições legislativas. Entre os seus 45 subscritores iniciais, há apoiantes quer de Seguro, quer de Assis, bem como camaradas que nem apoiaram um nem outro. A estrutura do manifesto projecta-o no médio prazo, fá-lo englobar algumas questões de fundo que estão em aberto no mundo em que vivemos e são decisivas para um aprofunadmento da identidade socialista. Não esquece a Europa.


Numa primeira fase, pretendemos congregar todos os militantes do PS que se sintam suficientemente em consonância com o essencial do documento para o subscreverem publicamente. Está em causa, nesta primeira fase, dar força às posições assumidas no texto, para as valorizar como contributo para uma evolução positiva do PS. Sabemos que há outras perspectivas dentro do nosso partido. Não as menosprezamos e estaremos sempre abertos ao diálogo com todas elas. A pluralidade interna do PS não é um embaraço, mas um inestimável recurso. Afirmar o que pensamos através de um Manifesto é um contributo para que esse diáçlogo aconteça e seja mais vivo e contribua desse modo para que o PS seja, mais forte, mais ágil e mais abrangente.


Logo que achemos que está terminada a primeira fase, será dada a todos os subscritores, que até então tenham apoiado publicamente o Manifesto, a oportunidade de se congregarem num clube político, semelhante a muitos outros que já existem (ou existiram) dentro do PS. Sublinhe-se, no entanto, que qualquer dos subscritores pode, com toda a legitimidade, querer apenas subscrever o Manifesto. Quanto a estes últimos, ficarão sempre abertos canais de informação e contacto, que serão por eles usados se e quando quiserem. É claro que qualquer decisão, como seria, por exemplo, uma possível criação de um clube político, será sempre precedida de uma consulta democrática a todos os subscritores do Manifesto.


Vou hoje, transcrever a Nota de Abertura do Manifesto e a sua Introdução. Quem desejar conhecer o texto integral do documento e a lista dos seus subscritores iniciais, pode clicar sobre a imagem que se situa na coluna lateral deste mesmo blog, já que desse modo poderá aceder ao blog do próprio Manifesto. Quem, sendo militante do PS, quiser subscrever o Manifesto, basta deixar nesse outro blog um comentário em que afirme a vontade de ser um dos subscritores, o nº de militante e o concelho a que pertence. Eis pois os extractos do manifesto atrás mencionados:


Manifesto para uma renovação socialista


Nota de Abertura

Este manifesto estava já a ser elaborado, antes de se abrir o processo de substituição do Secretário – Geral do PS. Não se destina , por isso, a intervir nesse processo. Pelo contrário, querendo contribuir para uma profunda mudança do PS, parte da ideia de que ela só é possível através de um percurso de transformação prolongado. Por isso, não procura nem apoiar nem combater qualquer dos actuais candidatos à liderança do Partido. Isso não impede os seus subscritores de, individualmente, tomarem nesse aspecto a posição que entenderem. Não se pode também deixar de considerar um sinal positivo, a atenção que seja prestada a este manifesto no decurso da actual disputa. De facto, no mundo actual, o imediatismo excessivo, com a sua correspondente desconsideração pela vertente estratégica dos problemas, pode acabar por se traduzir, afinal, numa incapacidade para os compreender.


1. Introdução

1.1. A deriva neoliberal do capitalismo aumentou o risco de catástrofes económicas e sociais, bem como o de um agravamento suicidário da degradação ambiental.


1.2. O peso das inércias predadoras próprias do sistema capitalista será tanto maior quanto mais ampla for a autonomia das estruturas económicas multinacionais, relativamente aos Estados nacionais e quanto mais longe estivermos de um mundo guiado por um poder político universal, justo e democrático.


1.3. Para se caminhar para uma sociedade nova são importantes, mas não são suficientes, as alavancas político-institucionais. Por isso, só uma sinergia ininterrupta entre a acção do Estado e a dinâmica de movimentos sociais, projectada num horizonte alternativo, o pode conseguir.


1.4.Cabe ao PS em Portugal e ao PSE na Europa prepararem-se para pilotar esse processo de transição, sob pena de se correr o risco de implosão da própria democracia.


1.5. Para isso o PS tem que viver uma metamorfose conducente a um novo tipo de partido, com uma nova atitude perante a sociedade, orientações políticas renovadas nos aspectos propulsores da transformação social, novo tipo de protagonismo na construção europeia e um forte activismo em todas as instâncias internacionais que procurem um horizonte socialista.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

DUAS CARAS

A habilidadezita como estilo é apanágio do novo Governo.

Por exemplo: hoje, com voz enérgica, Passos aparentemente disse que em 2012 as pensões mais baixas iam ser actualizadas, de acordo com a inflação.

Mas o que realmente disse foi que para o ano todas as pensões iam ser congeladas, apenas com a excepção das mais baixas.

É como se tivesse dito: "Para o ano o Governo não vai agredir os mais fracos."

Mas eu pergunto: "E é legítimo agredir todos os outros ?"

quinta-feira, 28 de julho de 2011

CONFIAR NOS DEPUTADOS DO PS !

Uma promessa formalmente cumprida: Seguro vai dar liberdade de voto aos deputados do PS.

Uma acto que dignifica o novo Secretário-geral do PS e uma mensagem dirigida à opinião pública que prestigia objectivamente os deputados do PS.

Nos corredores subtis das notícias que se transformam em boatos, e dos boatos que afinal são informação, foi detectado pelo menos um nome, o de Vitalino Canas, como provável futuro líder parlamentar do PS. Não fiquei entusiasmado, mas admito que outros camaradas tenham deitado foguetes. Se o fizeram, foi, afinal, antes da festa…

De facto, a notícia estava ligeiramente exagerada: só em Setembro será escolhido o novo líder parlamentar do PS.

Já agora uma sugestão ao S-G do PS, para completar a liberdade de voto: deixe o grupo parlamentar escolher livremente quem prefere como respectivo líder.

Ou será que os deputados do PS foram declarados dignos da liberdade de voto, mas não são dignos da liberdade de escolherem quem os deve liderar ?

quarta-feira, 27 de julho de 2011

CUIDAR DOS VIVOS

Os vivos, os que trabalham, sabem que a vida é uma imensa partida de xadrez jogada em vários tabuleiros. Por isso, ocupam neles os seus lugares e lutam. Sentam-se de mãos nuas com a sabedoria imensa do seu próprio sofrimento, sem tratados e sem bússolas, mas não desistindo do futuro.

Mas os outros, aqueles que conservam, ciosamente como coisa sua, o trabalho morto e os frutos da mãe-terra, só querem jogar no seu próprio tabuleiro uma partida eternamente igual em que já sabem ser os vencedores. E dizem: “É aqui que tudo se decide. Aqui é o único lugar de todo o jogo”. Os seus sábios numerólogos, esforçados fabricantes de um destino fechado, há muito decidido, acenam rigorosamente com a cabeça, a dizer que sim , a dizer que sim, que é aqui no tabuleiro viciado que habitam a virtude e a verdade.

Caros irmãos vivos, é certo que não podemos deixar deserto o tabuleiro em que a nossa derrota está inscrita. Também aí teremos que lutar. Mas poderemos deixar vazios todos os outros ? Podemos consentir que os de cima joguem apenas no seu próprio campo ?

É tempo de um verdadeiro pacto entre os de cima e os de baixo: jogaremos lealmente no tabuleiro deles, mesmo viciado, mas eles terão de se sentar do outro lado em todos os tabuleiros desta vida. Jogaremos aberto, sem fronteiras, com nossas mãos polidas pela luta, com as palavras de todos os poetas e com a cólera fria dos justos.

Nem todas as batalhas ganharemos, mas na grande partida que jogarmos nos vários tabuleiros desta vida, mais cedo ou mais tarde venceremos.

terça-feira, 26 de julho de 2011

POEMA PARA A NORUEGA

Em homenagem às vítimas do terrorismo negro na Noruega, partilho na blogosfera este poema em dois tempos, que hoje escrevi.


Poema em dois tempos para a Noruega

1. Oslo

As rosas choram em Oslo,
Choram-se em Oslo flores.

Oslo, palavra colhida,
Jardim de cinza, tristeza.

Oslo, lágrima suspensa,
Palavra desmoronada,
Silêncio, cólera fria.

Em Oslo, choram-se rosas.
Apenas rosas…

2. A Ilha

No meio-dia de todos os desastres,
Um gesto foi suspenso.

Luzes acesas de pequenas esperanças
Faziam numa ilha aberta e limpa
Uma oração de futuro.

Sem medo e ainda sem saudade,
Passavam a limpo a luz da tarde,
Intuindo na sombra dos segredos
As palavras que escrevem o mistério.

Mas o gelo foi súbito e fatal,
Uma noite sem tréguas nem perdão,
Um ódio desbragado, torpe, sujo,
Um deserto, sem tempo nem miragens.

Na ilha há um silêncio denso
E frio, como as folhas caídas…

[ Rui Namorado]

NÃO FICÁMOS DE FORA !

Um bandido norueguês, que a si próprio se olha como um cruzado, odeia o marxismo, o islamismo e a democracia, massacrou dezenas de compatriotas seus. Na sua lista de ódio, onde estava escrita a morte de dezenas de milhares de seres humanos, o bandido incluiu dez mil portugueses. Fui assim indirectamente colocado nessa trágica e honrosa lista dos odiados, fomos, todos nós portugueses inscritos nesse quadro de honra dramático.Um bandido norueguês de extrema-direita tornou-me irmão de todos noruegueses mortos e de todos outros cidadãos do mundo cuja morte foi prometida. Foram os jovens trabalhistas noruegueses. Podiam ter sido portugueses. Podiam ter sido cidadãos do mundo. Não é tempo de medo. É tempo de solidariedade e de revolta. Mas, sem o saber, o bandido norueguês deu-nos a honra de nos inscrever na sua lista de ódio.

Num outro tempo, um grande poeta alemão que se opôs aos nazis escreveu um poema de que me lembrei. Assim, em homenagem aos que foram assassinados, vou relembrar, na sua versão portuguesa de Paulo Quintela, esse poema de Bertolt Brecht :


A QUEIMA DOS LIVROS


Quando o Regime ordenou que queimassem em público
Os livros de saber nocivo, e por toda a parte
Os bois foram forçados a puxar carroças
Carregadas de livros para a fogueira, um poeta
Expulso, um dos melhores, ao estudar a lista
Dos queimados, descobriu, horrorizado, que os seus
Livros tinham sido esquecidos.
Correu para a secretária
Alado de cólera e escreveu uma carta aos do Poder.
Queimai-me! escreveu com pena veloz, queimai-me!
Não me façais isso! Não me deixeis de fora! Não disse eu
Sempre a verdade nos meus livros? E agora
Tratais-me como um mentiroso! Ordeno-vos:
Queimai-me!

[Bertolt Brecht]

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A MENTIRA TEM PERNA CURTA

O episódio “um deles mente”, protagonizado pelo actual Primeiro-ministro e pelo actual director do semanário “Expresso”, a propósito de uma alegada utilização ilegal dos Serviços Secretos levada a cabo pelo Governo, está longe de estar encerrado. [Veja-se neste mesmo blog "Um deles mente!", de 19 de Julho passado]

Perante a insistência do referido Director, na verdade da sua versão e consequente mentira do Primeiro-ministro, este com estranha mansidão, insistindo na sua própria versão, limitou-se a prometer um trivial “rigoroso inquérito”.

Em resposta a Passos Coelho, num texto publicado no semanário "Expresso" de sábado passado, o referido director Ricardo Costa escreveu : “Há uma semana, o ministro Miguel Relvas foi muito rápido a desmentir "categoricamente" que o Governo tenha pedido às secretas informações sobe Bernardo Bairrão. Os desmentidos dos governos neste tipo de notícias são normais. São, aliás, obrigatórios, porque os governos não podem confirmar o que é secreto, muito menos o que pode configurar uma ilegalidade.”

Se reflectirmos um pouco sobre estas duas atitudes, verificamos que elas só são compreensíveis, se de facto o director do “Expresso” estiver a dizer a verdade e o Primeiro-ministro a fugir dela. Se não vejamos.

Acham natural que um Chefe do Governo, a quem imputam falsamente o recurso aos Serviços Secretos, pedindo informações sobre alguém convidado para o seu Governo, as quais teriam conduzido ao seu desconvite, reaja tão molemente à imputação? Tão molemente que se limitou a reiterar a sua versão (considerada falsa pela outra parte) e a resmungar vagamente a habitual laracha do rigoroso inquérito. Acham natural uma tal mansidão, quando lhe está ser imputada uma ilegalidade grave, sobre a qual, ainda por cima, se afirma que ele mentiu pública e oficialmente, negando algo que afinal o Governo fez?

E, pelo lado de Ricardo Costa, acham que, se ele não estivesse absolutamente certo e se não tivesse provas firmes do que afirma, insistiria, uma vez mais, alegando como verdade a sua versão e considerando mentira a versão do Governo ? Acham que o director do semanário, cujo principal proprietário é um fundador do PSD , insistiria na sua versão, sem estar bem estribado em provas irrefutáveis?

Penso que não. E, se lermos com atenção a sua frase acima transcrita, percebe-se perfeitamente que ela é escrita por quem se sente na mó de cima. E de tal modo assim é, que até se dá ao luxo de conceder que o Governo mentiu, mas a mentira não só não é grave como é até uma espécie de tique de função, próprio de qualquer Governo .

Ora, o testemunho de Ricardo Costa, quanto à veracidade do que afirmou, é decisivo, mas o seu juízo de valor, quanto à gravidade política e ética daquilo que apurou, vale o que vale a opinião pessoal de qualquer cidadão. E, ao contrário do que deixa entender , não estamos perante um pequeno tropeção sem importância.

Pelo contrário, estamos perante uma ilegalidade gravíssima , uma vez que reflectirá, se tiver sido consumada, uma utilização dos serviços secretos pelo Governo, à margem da legalidade. Ora, nós sabemos que a proibição absoluta de desvios desta natureza é um elemento constitutivo de qualquer democracia. De facto, se o Governo puder usar relativamente aos cidadãos nacionais, para fins que sejam da sua conveniência, os serviços secretos, nós estaremos tão desprotegidos perante uma arbitrariedade dessas, com estávamos perante a polícia política durante a ditadura salazarista. Por isso, a hipótese de isso ter acontecido não pode ser simplesmente varrida para debaixo do tapete. Há que exigir completo esclarecimento do acontecimento, o que não poderá ser o resultado de qualquer mini-inquérito, no qual basicamente se irá perguntar a uns tantos agentes, se eles fizeram alguma maldade. Para depois, perante a sua óbvia negativa, se vir garantir publicamente que a legalidade democrática foi rigorosamente respeitada. Exige-se pois uma investigação crível e não um arremedo de inquérito, para enganar papalvos. Por isso, permito-me perguntar: Onde pára o Ministério Público?

Por outro lado, quando está em causa um governo da responsabilidade de um partido em que pontificam as monjas e os monges da verdade mais pura, com o seu temível dedo apontado para as mais discretas imperfeições dos outros, não pode apagar-se, de ânimo leve, essa nódoa indelével de um Primeiro-ministro que talvez minta, que tudo indica estar a dizer coisas muito distantes da verdade. E, se mentir, ele nunca poderá fazer menos do que ir de corda ao pescoço apresentar-se à terrível Verdades Ferreira Leite, para que ela o remeta olimpicamente para os infernos ou consinta magnanimamente no purgatório, de acordo com o que o seu alto critério e Belém disserem.
E não posso deixar de estranhar, como fecho, que, neste caso, quando das oposições se esperaria uma barragem devastadora de críticas, apenas se tenha ouvido até agora o modesto ruído de bombas de carnaval.

domingo, 24 de julho de 2011

O TERRORISTA INCONVENIENTE

A chuva das declarações formais de solidariedade para com os noruegueses, a intensificação do discurso oficial contra o terrorismo, não conseguem esconder por completo uma subtil contenção, a sombra de uma levíssima complacência para com um criminoso branco, nórdico, louro, conservador e cristão, com fortes pinceladas de extrema-direita. Ou seja, um terrorista com características inconvenientes. Tão inconvenientes que o jargão mediático disponível para estas situações ficou um pouco estremunhado e tarda a encontrar o registo adequado.


Ontem, por exemplo, um esforçado especialista em assuntos nórdicos,daqueles que pululam na nossa velha Lisboa, forte de um primo que lhe vive na Suécia, espremia-se desesperadamente perante uma jornalista curiosa, para tentar compreender o porquê da acção terrorista. Dada a infeliz coincidência do jovem terrorista, já confesso, nem sequer ser muçulmano, ou simpatizante do IRA ou da ETa, ou solidário com os anarquistas com os altermundialistas ou com qualquer sensibilidade verde mais radical, não podia ser nele nem no seu posicionamento político que se devia procurar qualquer explicação. Muito menos nas organizações que o protagonizam esse posicionamento político. E, no entanto, num único golpe o terrorista loiro causou mais baixas do que a ETA causou em dezenas de anos da sua actividade, finalmente terminada.


Por isso, talvez a raiz do mal estivesse neste caso na vítima, na própria Noruega, nos abastados (conquanto viciosamente democráticos) noruegueses. E o homem o especialista na televisão, continuava a espremer-se. Espremia-se quase pedindo desculpa por não encontrar uma explicação que nos ajudasse a compreender por que estranha razão um pobre militante da extrema-direita fora impulsionado a assassinar quase um centena de noruegueses, a maior parte dos quais ainda por cima pertencentes à juventude do Partido Trabalhista Norueguês.


Hoje, na página do DN, levantava-se uma ponta do véu.:”A polícia deteve um norueguês de 32 anos, identificado como Anders Behring Breivik, que já confessou a autoria dos ataques, considerando que foram "cruéis", mas necessários”.


Por mim, fiquei sem dúvidas: ou muito trivialmente vemos no miserável crime um acto de brutalidade terrorista de um militante de extrema-direita, agindo sozinho ou como braço armado de uma organização dessa área; ou, se queremos ir para uma explicação mais funda, encaremos então o atentado como uma metáfora viva que simboliza o essencial da lógica dominante, na fase histórica que atravessamos. Na verdade, todos os dias os divulgadores de más notícias, há uns tempos a esta parte denodadamente sorridentes, nos comunicam que foram ou vão ser tomadas medidas cruéis mas necessárias.

sábado, 23 de julho de 2011

ERRAR

Das três esquerdas, uma é infalível. Nunca erra. Por isso, não precisa de explicar nem reconhecer o que para ela não existe: o seu próprio erro.

Das outras duas se poderia esperar que, tendo em conta a natureza de cada uma delas, fossem ágeis no conhecimento dos erros que cometem. Mas não são. Os respectivos mestres tendem para a excelência, quando se trata de explicar os erros cometidos, mas parecem tolhidos, quando se trata de reconhecerem tê-los cometido. E, dentro do pequeno leque dos erros reconhecidos, quase todos são admitidos apenas como erros de explicação ou de comunicação. E, quando raramente os admitem, é mais fácil aceitarem ter cometido erros tácticos do que erros estratégicos.

Ora, como o essencial dos actuais bloqueios que afligem as esquerdas são estratégicos, compreende-se que tudo se passa como se, no fundamental, as esquerdas se recusassem a pensar-se. O imediato tende a absorvê-las, separando-as do futuro; o exacerbamento do pormenor tende a potenciar a crispação entre elas, impedindo sinergias. Cada uma procura mover-se na perfeição no respectivo dia a dia.

Mas será que a preocupação quanto ao modo como andamos nos pode dispensar de ligar ao acerto no caminho ?

TRISTE GLOSSÁRIO ELEITORAL



Falcatrua – fraude eleitoral cometida por adversários.

Anomalia – fraude eleitoral cometida por aliados.

Tendência – vociferar contra as falcatruas e esquecer as anomalias.

Equívoco – quem prejudica o partido é quem protesta contra as fraudes e não quem as pratica.

Esperança – que as falcatruas e as anomalias sejam erradicadas para que fiquem definitivamente reduzidas a meras sombras, dispersas na neblina do esquecimento.

Imperativo – um aperfeiçoamento dramático das regras democráticas que estruturam as eleições internas, de modo a que sejam pelo menos tão exigentes como as regras democráticas projectadas pela nossa Constituição e a que uma ética democrática irrestrita seja principalmente o modo de se comportar de cada militante e não apenas o reflexo esforçado de estatutos e regulamentos.

Risco insuportável – consentir que tudo fique na mesma, depois de algumas piedosas palavras de lamento e não volta a acontecer.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

PARA UMA RENOVAÇÃO SOCIALISTA !

Hoje, dia 22 de Julho, é dia de eleições dentro do PS, para Secretário-Geral e para delegados ao Congresso Nacional. Duas candidaturas, a de Assis e a de Seguro. Ambos os candidatos estão agora melhores do que aquilo que estavam, antes desta campanha interna. Foram obrigados a superar-se e a chegarem aos seus limites. Seja qual for o vencedor, esta campanha traduziu-se já numa experiência insubstituível. Mas ela também constituiu uma oportunidade única de o partido tomar o pulso a si próprio. Hoje, os militantes do PS sabem que os ocasos por que passaram e a derrota que sofreram não os transformaram num colectivo de saudades. Estão despertos e ambiciosos de futuro, de um futuro para todos os portugueses, que o seja realmente.


Sem os dois candidatos, sem que ambos jogassem o seu destino no tabuleiro de uma luta difícil, não teria havido campanha. Mas sem os militantes socialistas que se envolveram na campanha, também não. E pôde perceber-se que o PS pode ser mais do que uma agremiação de frequentadores de jantares, de habitantes de plateias veneradoras e obrigadas perante os poderes de ocasião, ou mesmo uma mera assembleia, de oradores livres mas dispersos, incapaz de atingir resultados visíveis. O PS pode ser um movimento vivo de socialistas despertos que não disfarçam as suas diferenças, mas não desistem de agir no quadro de uma mesma organização. De socialistas que sabem que a sua força está no exercício efectivo da sua liberdade e na determinação com que lutem politicamente.


Para mim, o prolongamento mais fecundo desta dinâmica, a sua transformação numa jornada ainda mais ambiciosa, será assegurado com uma vitória de Francisco Assis. Mas não ignoro que mesmo um outro resultado pode ser compatível com um futuro do PS mais promissor do que aquilo que tem sido o seu o passado. Não por que ache que esse passado possa e deva ser renegado, mas por saber que em todos os anos da sua existência o essencial da acção de cada socialista foi contribuir para que o PS fosse sendo melhor. Isso nem sempre foi conseguido, mas nunca deixou de se inscrever no horizonte de todos como um objectivo.


Por isso, passada a eleição e o Congresso, não podemos deixar-nos adormecer, não podemos hibernar até nova pugna, não podemos ficar passivos perante este poder tosco e arrogante de uma direita incompetente. Por isso, nenhum de nós pode ficar em casa, hoje e amanhã, quando devia votar; ou não votar de acordo com a sua consciência. E se é inerente, à força das convicções de cada um, tentar persuadir os outros de que tem razão, desvia-se por completo da ética democrática todo aquele que pressione qualquer camarada para que vote por arrastamento, por reconhecimento ou por seguidismo. Estas eleições não podem ficar manchadas pela sombra de qualquer dúvida, quanto à sua completa transparência, quanto à sua conformidade plena com a legalidade democrática e estatutária. Se elas forem realente decentes, o que de positivo já teve esta campanha para o PS será potenciado. Se assim não for, tudo o que já se ganhou, em prestígio público, pode vir a perder-se. Cada um de nós, desde as lideranças de topo até aos militantes de base, deve estar bem ciente disso, deve sentir-se responsável pela qualidade destas eleições. Por tudo isso:

Apelo ao voto em Francisco Assis !

Apelo ao voto na Lista B, na Secção dos Olivais (Fed. de Coimbra), que tenho a honra de encabeçar!

Apelo à participação de todos os militantes, seja qual for a sua posição.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

PALAVRAS ESCRITAS

1. Hoje, vou transcever três pequenos poemas e um poema um pouco mais extenso. Comecemos pelo mais extenso, que foi retirado da antologia de poesia japonesa, "Cem Haiku", publicada pela editora Vega, em 1984, traduzida do inglês por Ana Mafalda Leite e José Manuel Lopes, da autoria de Kyoroku[1656-1715] :


Tempestade de Outono


A tempestade no Outono

começa quando o vento

faz cair os espantalhos.


Arrastar espantalhos pelo chão

é o que a tempestade

faz primeiro.

[Kyoroku - 1656-1715]


2. Em seguida, publicarei dois poemas extraídos da Antologia "Os cem melhores poemas brasileiros do século" , organizada por Italo Moriconi, publicada em 2001, no Brasil, pela Editora Objetiva do Rio de Janeiro. O autor do primeiro é Manuel Bandeira [1886-1968] e o segundo é Francisco Alvim [1938-].


Poema do Beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?

- O que eu vejo é o beco.

[ Manuel Bandeira ]


Argumento

Mas se todos fazem

[ Francisco Alvim]


3. Por último, vou recordar um poema de Joaquim Namorado [1914-1986], meu tio, por quem sinto uma imensa saudade, extraído do seu livro "Incomodidade" ( 1945).


Aventura nos Mares do Sul

Eu não fui lá...

[ Joaquim Namorado]


A propósito deste último poema, uma pequena história. Carlos Wallenstein, grande actor, de que alguns ainda se recordarão, era também um bom declamador de poesia, e amigo de Joaquim Namorado. Um dia, lá para meados do século passado, o referido actor meteu-se no combóio para Coimbra, vindo-se encontrar com o meu tio. E aí mostrou a sua determinação em declamr o poema que acima transcrevi, mas, querendo ter a aprovação do autor, foi fazendo sucessivas tentativas para obter a sua aprovação. Sem resultado, uma atrás da outra, no entanto, todas as tentativas foram esbarrabndo no juízo negativo do autor. E, ao fim da tarde, o grande actor acabou por regressar a Lisboa, sem ter conseguido encontrar uma maneira de declamar o poema que obtivesse a aprovação do autor.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

PS COIMBRA - OLIVAIS

A lista que agora apresentamos e que segue abaixo é a única representante na sua secção da candidatura de Francisco Assis a Secretário-geral do Partido Socialista, radicada na moção “A Força das Ideias”.

Reconhecemo-nos no conteúdo dessa moção, revemo-nos na liderança do respectivo candidato e identificamo-nos com o sentido que ele tem imprimido à sua campanha.

Esta lista resulta de uma conjugação de vontades de militantes socialistas apoiantes de Francisco Assis, com quem partilhamos a determinação de contribuirmos para que o PS se renove profundamente. Na verdade, só assim ele atingirá uma robustez política suficiente para poder enfrentar com êxito as tarefas políticas que inevitavelmente o vão esperar num futuro próximo.

Com Assis, estamos cientes da necessidade de se iniciar já um caminho de profunda mudança. Mas seria trágico que apenas se mudasse à superfície, subsistindo em profundidade o que há de mais gravoso nos actuais bloqueios. Com Francisco Assis não correremos o risco de ver apenas corrigidos os pequenos defeitos. A mudança será real.

De facto, as suas propostas são objectivamente incompatíveis com a perpetuação do que há de estagnado no PS. E é nelas que se inscreve inelutavelmente um futuro realmente novo para todo o nosso partido.

Votem Francisco Assis.

Votem lista B!

Efectivos
· Rui Namorado
· Carlos Veiga
· Elisabete Lemos
· Pedro Vieira Alberto
· José Alberto Moura e Sá
· Maria Fernanda Campos

Suplentes
· João Silva
· Victoriano Nazareth
· Emília Gil
· Bárbara Figueiredo
· Mário Campos
· Américo Figueiredo

Cordiais saudações socialistas,
Rui Namorado

terça-feira, 19 de julho de 2011

UM DELES MENTE !

1. Em pouco tempo, com uma nitidez cujo grau me surpreende, o modo como no espaço mediático tem sido tratado o actual governo, em comparação com o modo como o anterior o foi, encerra um conjunto de lições que não devem passar despercebidas. Essa discrepância atingiu uma intensidade tal que a sua ocultação ou o seu disfarce tornaram-se impossíveis. Alguns dos episódios em que ela se materializa invadem o território do humor. Mas um deles, ainda em curso, reveste-se de características escandalosas.


2. Todos se recordarão, certamente, de como diversos actores políticos, alguns expoentes mediáticos e um punhado de barões do empresariado, regougaram compulsivamente no espaço público reiteradas insinuações, afirmações ou acusações, que convergiam na sugestão de que o primeiro-ministro do governo anterior, faltando à verdade repetidamente, era um verdadeiro mentiroso.


De facto, tranformaram possíveis erros de apreciação ou avaliação, bem como pontos de vista diferentes dos acusadores em mentiras, converteram a discordância ideológica numa alegação de falsidade.E todos estão, decerto, recordados do alarido ensurdecedor da direita, a propósito de um alegada diferença entre uma frase dita pelo primeiro-ministro e algo que ele tinha dita a um amigo ao telefone numa conversa particular, uns tempos antes. Com o escandaloso picante de essa conversa ter sido obtida numa escuta de duvidosa legalidade, causada pelo envolvimento do interlocutor de J. Sócrates na causa da escuta. Essa nunca demonstrada discrepância deu declarações dramáticas , atravessou inquéritos parlamentares, encheu os écrãs televisivos de angélicos rostos compungidos de figuras amantes da verdade, que esconjuravam essa hipotética, nunca demonstrada e pecaminosa mentira.


3. Os meses passaram, as eleições precipitaram-se, a direita chegou finalmente ao que ela encara como se fosse o pote. O primeiro-ministro e os seus acólitos instalados nas várias cadeiras do poder pertencem agora à virtuosa família dos verdadeiros. Eis se não quando, no modesto episódio da preparação do governo, um jornal, alegadamente de referência, do qual é proprietário um dos fundadores do PSD, insuspeito de qualquer sombra de esquerdismo, revela que no célebre drama cómico do secretário de estado que nunca chegou a sê-lo, Passos Coelho pediu aos serviços secretos para investigarem o tal proto-secretário de estado. Passos Coelho veemente desmente. Ricardo Costa, director do jornal, responde confirmando a veracidade da notícia. Passos Coelho insiste em negar.


4. Entretanto, os esforçados priores e as inefáveis sacerdotisas da verdade que meses antes se desfizeram em trovões contra José Sócrates, a propósito daquela brisa nunca provada de um descoincidência de versões, dormem agora no remanso de ligeiros murmúrios dificilmente audíveis perante o ruído insuportável do seu silêncio. Um doutíssimo e popular comentador políticos que já foi líder do PSD, refugiou-se na subtileza de dizer que comentava mais tarde, como se estivéssemos perante a hipótese de uma simples gota, insignificante, no mar das coisas importantes. Ou seja, pelo sim pelo não, calou-se, não fosse o diabo tecê-las.


Mas não estamos perante um detalhe , perante uma gota minúscula, uma sombra sem espessura. Estamos perante a hipótese de um gravíssimo escândalo político. Uma hipótese suficientemente consistente para ter que ser esclarecida. Esclarecida, e não embrulhada em declarações de fé , ou em juízos de probabilidade, recolhidos por pacíficos jornalistas na curva de um corredor ou entre duas trincadelas numa sanduiche. Esclarecida, para que seja absolutamente certo : 1º) que o Primeiro-Ministro não abusou da sua posição para fazer um pedido ilegal aos serviços secretos; 2º) que o Primeiro-ministro não mentiu ostensivamente sobre um assunto de Estado sobre o qual foi perguntado, directa e expressamente. O inquérito é urgente, a resposta tem que ser inequívoca e as consequências têm que ser exemplares. O Presidente da República não pode fingir que esta a fruir uma merecida sesta e a Assembleia da República não pode espreguiçar-se de hesitação.


Seja qual for o resultado, já fica irremediavelmente registado o escândalo da bonomia da nossa comunicação social, perante um tema desta gravidade. E todos nós percebemos também que um resultado absolutório de Passos Coelho não terá qualquer credibilidade se, juntamente com ele, não for anunciada a demissão do responsável do jornal que insistiu na veracidade da notícia.


Nós, socialistas, mas certamente o resto da esquerda também, temos que aprender, reforçando-nos com persistência e inteligência, para a prazo conseguirmos recuperar o actual espaço mediático, transformado hoje num terreno de caça e de recreio da direita. Recuperá-lo de modo a que possa vir a ser um espaço de liberdade de informação com credibilidade, insusceptível de ser instrumentalizado por quem, dispondo de dinheiro e poder, vem transformando a verdade num bem escasso e a mentira num hábito impune.

domingo, 17 de julho de 2011

CONTRA A BALANÇA TORTA

Se tivesse sido dada a notícia, na vigência do governo anterior, de que um ministro havia dado um involuntário empurrão numa criança, derrubando-a, uma onda de censuras teria certamente varrido, numa tempestade justiceira, o espaço mediático público, com a veemente exigência da imediata demissão desse ministro, por insensibilidade social. E desprezo pelas crianças.

Mas, se um ministro do actual governo atropelasse uma criança, por condução imprudente, tudo aponta para que no espaço mediático viesse apenas a perpassar uma notícia mole, sobre um atropelamento com a intervenção de um ministro e de uma criança, destacando-se que o ministro ia com muita pressa para o trabalho e que a criança se comportara com imprudência. Mas, com a graça de Deus, apesar de tudo estava viva, apenas com uma perna partida.


Um dos comentadores de domingo, casualmente de direita, arranjaria maneira de dizer que o ministro andava com azar. E não seria até de excluir que algum expoente mediático da direita mais trauliteira, arranjasse maneira de insinuar que o pai da criança era de esquerda, para depois deixar pairar a ideia de ter sido ele, vistas bem as coisas, o verdadeiro culpado.

Com estes exemplos não narrei quaisquer factos, mas penso ter traduzido fielmente a diferença que todos sentimos entre dois climas: o de antes deste governo e o de depois deste governo. Por isso, podem dizer-me, com alguma razão, que a direita em todos o seus estados está a transformar, aceleradamente, o país numa anedota ambulante. Mas não podemos deixar de nos lembrar que a direita nunca faz nada gratuitamente.

De facto, ela parece sonhar, com intensidade crescente, com uma sociedade em que uma casta de senhores (a estreita camada dirigente da direita ) oprima e explore uma multidão de cidadãos, mas fazendo-os sentir como os únicos culpados por tudo aquilo que sofram. Pelo contrário, eles, os de cima, apresentam-se como quem, sem ter feito nada para isso, mas apenas por ter sido tocado por uma fortuita sorte ou pela excelência, é vítima das circunstâncias. E assim sofre contrariadamente com os seus privilégios, com o seu poder e com a sua riqueza, vivendo a desgraça de os ter que aproveitar. Tudo isto, melifluamente, sorrateiramente, gradualmente, mansamente; e, quando absolutamente necessário, muito santamente.

sábado, 16 de julho de 2011

NUDISMO, AMBIENTE E AR CONDICIONADO

A Sr.ª Ministra não gosta de gravatas, tendo por isso ordenado o seu não uso entre os seus subordinados. Nalguns templos de certas religiões, os fiéis descalçam-se para poderem entrar. A partir de agora, será decerto uma imagem corrente ver os visitantes desembaraçarem-se das gravatas, despirem os casacos, para entrarem em mangas de camisa para a reunião com a Sr.ª Ministra.


Talvez a Sr.ª Ministra tenha escondido uma antipatia "freudiana" ancestral pela gravata, por detrás da piedosa intenção de poupar no ar condicionado. Mas deixemos as especulações e fixemo-nos nas realidades.


Como primeiro efeito colateral perverso, registe-se desde já, a perda do monopólio no que concerne à des-sofisticação programada, por parte de uma certa esquerda radicalmente elegante e sub-repticiamente snob. Como segundo efeito, este muito mais fracturante, perfila-se a adopção de um novo princípio: quando o calor apertar, não ligue o ar condicionado, dispa-se.


De facto, se dermos o devido valor ao que objectivamente está em causa, seria de uma grande ingenuidade pensar-se que uma importante ministra da corte do Dr. Paulo Portas se ergueria como adamastora perante o império das gravatas, para logo soçobrar tibiamente perante o reino dos casacos, dos vestidos, das saias, das blusas ou mesmo perante a república popular dos quentes soutiens. Não seria lógico. Não estaria à altura da cultura simbólica deste governo e muito menos da sua inequívoca densidade épica.


Por isso, se houvesse entre nós verdadeiros oráculos, à altura dos que pontificaram na Grécia do primeiro Sócrates, certamente nos teriam já mostrado o auspicioso futuro dos ministérios tutelados pela nossa encalorada ministra. Certamente, que teriam já feito desfilar, perante os olhos atónitos da nossa imaginação, esse episódio supremo que irá seguramente coroar a longa saga da ministra contra o ar condicionado.

O episódio protagonizado por um aliciante grupo de homens e mulheres, de todas as idades, uns expondo um perfil ossificado e seco, outros deixando explodir à luz do dia o luzidio aspecto de uma carnação generosa, poucos devidamente esculpidos em músculos e curvas, pela esforçada ginástica de todas as manhãs. Um episódio histórico, em que uma jovem senhora, algo distinta, embora ligeiramente rechonchuda, com altivez puxou a bandeira nacional que cobria uma placa comemorativa, onde agora se podia ler: “Ministério do Ambiente – zona de nudismo”; e, mais abaixo, em letras mais pequenas: “território livre de tudo o que faça calor”; e, por último, em baixo em letras ainda menores: “campanha nacional contra o ar condicionado”.


Consta, como cereja no bolo, que o próprio Álvaro da Economia está criteriosamente a estudar a melhor maneira de rentabilizar a inovação como atracção turística, dispondo-se , talvez, a colocar no roteiro turístico, a seguir aos Jerónimos e ao Museu dos Coches, a visita ao referido ministério que passaria a ser designado, a título de promoção, como Ministério do Ambiente e do Nudismo.

A ILUSÃO DOS IMPLACÁVEIS

Há neste planeta agitado quem julgue que, por apoucar ferozmente os outros, se torna grande. Puro engano. Só precisa de apoucar os outros, tornando-os mais pequenos do que aquilo que são, quem, achando-se desesperadamente insignificante e sabendo que não deixará de o ser, anseia por companhia.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

UM DESVIO COLOSSAL !

O irrequieto primeiro-ministro declarou haver um desvio colossal entre o défice anunciado pelo governo anterior e a realidade das contas agora verirficada.

Como nos diz o DN, o sábio ministro das finanças declarou que o que o primeiro -ministro devia ter dito era : "Foram detectados desvios e o cumprimento das metas orçamentais vai exigir-nos um trabalho colossal".

Como se pode ver há um desvio colossal entre as duas posições. E perante isso, o que me parece colossal é a irreposabilidade destes governantes.

PIRATARIA E EQUIDADE

Amanuenses de uma misteriosa numerologia, os actuais ocupantes das cadeiras do poder político delegaram num deles, um sujeito hirto mansamente engomado, a tarefa de embrulhar o assalto que nos vai ser feito numa algaraviada tecnocrática que escondesse o mais possível o significado autêntico da captura de uma parte do nosso subsídio de Natal.


Mas, realmente, o que o sujeito das finanças nos disse, foi que os rendimentos do trabalho iam ser agredidos e os rendimentos do capital nada tinham a temer.


Ou seja, os cidadãos de cujo trabalho se alimentou o capital, vão pagar pela parte da riqueza essencialmente gerada por eles, que lhes foi devolvida; mas os cidadãos que beneficiaram com o crescimento do seu capital essencialmente por força do trabalho dos outros nada têm a pagar pela parte (do fruto do trabalho dos outros) que retiveram.


Ora, apesar disso, o tal sujeito engomado não hesitou em empoleirar-se com desfaçatez na palavra equidade, para tentar justificar este esbulho.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

QUEM FICA EM CASA QUANDO A LUTA COMEÇA

São dias de um chumbo aveludado, mas asfixiante. As vozes parecem veladas. Os gestos parecem tolhidos. As sombras ditam a lei, como se estivessem vivas. Os prégadores numerogam a desgraça, ficcionado-a como neutra. A maré lenta dos povos agita-se ao longe. A Europa é um outono melancólico que se recusa a andar. Ministros deixam os olhos perderem-se no Tejo como navios sem regresso. Aspiram um poder de fim de tarde com a volúpia constragida de quem não sabe muito bem se tem alguma coisa que possa fazer. Neste crepúsculo indolente, resolvi recorrer uma vez mais a Bertolt Brecht, sempre na sua versão portuguesa de Paulo Quintela:


QUEM FICA EM CASA QUADO A LUTA COMEÇA


Quem fica em casa quando a luta começa

E deixa os outros combater p'la sua causa

Tem que ter cuidado: pois

Quem não partilhou da luta

Partilhará da derrota.

Nem sequer evita a luta

Quem evita a luta: pois

Lutará p'la causa do inimigo

Quem não lutou p'la própria causa.


[Bertolt Brecht]

terça-feira, 12 de julho de 2011

O FANTASMA DA MARGEM ESQUERDA

Num sentido apelo de António Fonseca Ferreira (AFF), dirigido aos elementos da Corrente de Opinião Esquerda Socialista ( COES) à qual pertence, para que se empenhassem a fundo no apoio a António José Seguro, integrando as suas listas, li há pouco a seguinte frase:

"Muito em sintonia com o que nós – Clube Margem Esquerda e Corrente de Opinião Esquerda Socialista – vimos defendendo e pelo qual temos lutado persistentemente, em condições difíceis, nos últimos seis anos: reorganização, democratização e modernização do Partido, um processo de profunda regeneração, um processo de refundação".

Esta frase obriga-me a um esclarecimento. O AFF pode falar em nome da COES, com a qual nada já tenho a ver, e dizer o que lhe apetecer. Mas não pode falar em nome do Clube Político Margem Esquerda (ME), pela simples razão de que tal clube não se reúne há vários anos, não tendo, antes disso, delegado, nem em AFF nem em ninguém, a legitimidade para o representar ou se expressar em seu nome publicamente.

Ora, se nunca me passou pela cabeça investir-me a mim próprio na qualidade de intérprete fiel da medida em que os socialistas, que fizeram parte da Margem Esquerda, se reconhecem nas posições assumidas posteriormente pela COES, também não reconheço, nem ao AFF nem a qualquer outro camarada, legitimidade para o fazer. De facto, por exemplo eu, acho que a COES se desviou do caminho que a ME percorreu e por isso saí dessa corrente . E, certamente, não estarei sozinho nessa posição, como não estive sozinho nessa saída. Aliás, a maior parte dos actuais membros da Esquerda Socialista nem sequer alguma vez pertenceu à Margem Esquerda; e basta ler o manifesto identificador da ME e a mais recente moção de orientação, apresentada pela COES no congresso do PS, para se perceberem as diferenças.

Portanto, enquanto se não reunirem de novo os membros do Clube Político Margem Esquerda, para que se possa apurar o que realmente pensam, ninguém tem legitimidade para dizer o que o clube pensa ou não pensa, sobre qualquer assunto; ou para atrelar a ME a quaisquer outras entidades, ficcionando uma identidade de posições entre elas, mesmo que essas iniciativas tenham nascido do clube.

De facto, eu, tal como certamente vários outros membros fundadores da ME, não temos a mais remota intenção de nos comportarmos como se esse clube nos tivesse pertencido apenas nós, mas não estamos dispostos a consentir que outros se comportem como se isso ocorresse com eles. E muitos membros fundadores da ME, tal como eu, nada têm já a ver com a COES, considerando que esta corrente, na sua fisionomia actual, tem muito pouco a ver com aquele clube. Alíás , quando sairam da COES, em Abril passado, todos os seus elementos de Coimbra, eles disseram o seguinte:" Pela nossa parte, estamos a elaborar um documento político que projecte no presente o que de essencial é a herança ideológica e política da “Margem Esquerda”, para, com base nele, constituirmos um novo clube político ou uma nova corrente de opinião dentro do PS". Assim, pelo menos, esses socialistas não consideram que a COES continue a correspoder a uma continuidade efectiva e completa do caminho trilhado pela ME, senão não teriam achado necessário sair dela para trilharem esse caminho.

Continuo a achar bem que todos os antigos membros da desactivada Margem Esquerda, possam no futuro cooperar entre si, quando pensem dever fazê-lo. Mas não ficarei de braços cruzados, perante qualquer tentativa unilateral de se invocarem as posições assumidas pela ME, modelando-as de modo a podê-las aproximar artificialmente daquilo que alguém possa ter feito (ou que alguém possa ter passado a pensar), já depois da Margem Esquerda ter entrado em hibernação.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

A DIREITA PASSOU-SE !

A direita passou-se. Doutores e engenheiros, empreendedores e seus colaboradores, escribas das mais variadas extracções, verdadeiras e falsas marquesas, comendadores e artistas de verbo ágil, jornalistas e donos de jornais, alguns frades e um pouco de cardeais, três curas de aldeia e um verdadeiro bispo, um ex-primeiro ministro e o Presidente da República, todos se erguerem num relâmpago de patriotismo, para bombardearem ferozmente com uma chuva de impropérios as agências de "rating"que ousaram enxovalhar-nos chamando-nos lixo. E logo agora, que o pupilo do senhor engenheiro está ao leme de um governo impecável, de uma direita legítima , integrada no PPE como mandam os cânones do pensamento afunilado.


Aplaudi. Há meses e meses que aqui tenho escrito textos nesse mesmo sentido, pelo que só posso aplaudir e aplaudir. Mas confesso que me surpreendi, já que as mesmas criaturas, que agora tanto gritam, quando o governo era do PS, perante cachorradas idênticas, praticadas pelas mesmas "ratinzanas", apontaram o dedo a Sócrates como causa única de todos os males, absolvendo assim ronronantemente as agência de "rating"que agora vituperam. Enfim, mais vale tarde do que nunca...


É certo que se ficou a ver que afinal todo o alarido, todos os insultos lançados contra o anterior governo do PS, eram uma campanha de agressões gratuitas , lançada por essa mesma gente, agora tão nervosa. E das duas uma : ou eles sabiam que estavam a atacar quem realmente não era o culpado principal pelo agravamento da crise; ou enganaram-se, atacando, como se fosse o principal culpado, quem hoje se vê com clareza que não o era.


Se agiram com má fé falta-lhes a ética que os tornaria críveis; se agiram por erro, carecem da capacidade que os tornaria críveis. De uma maneira ou de outra, à luz do que deveria ser um desígnio português e europeu de dignidade, liberdade e justiça para todos, estamos perante aves de fraco voo, mais próximas dos frangos de aviário do que das águias, estamos perante verdadeiros amanuenses de uma política com letra pequena, aprisionada na teia das conveniências pequenas, das ideias anquilosadas , do conservadorismo pé-ante-pé. Estamos perante as velhas sombras da direita portuguesa e europeia, melífluas e desleais, hipócritas e parciais, pusilânimes e perigosas.

sábado, 9 de julho de 2011

QUEM É O TEU INIMIGO ?

"Quem é o teu inimigo?". Boa pergunta, neste tempo de sombras e embustes, neste entardecer de labirintos e ilusões, nesta manhã de espantos.
Na versão portuguesa de Paulo Quintela, ouçamos mais uma vez, alguém que nos ajude a responder, o poeta BERTOLT BRECHT:



QUEM É O TEU INIMIGO ?

Ao faminto que te tirou

O último pão, olha-lo como inimigo.

Mas ao ladrão que nunca passou fome

Não lhe saltas às goelas.

PELA NOSSA RICA SAÚDE:

Disse um fantasma dos dias futuros (deveria dizer passados ?) que o Estado deve delegar a prestação dos cuidados de saúde, se os não puder garantir.

Naturalmente, essa sombra difusa englobava também as organizações com fins lucrativos no bloco dos delegatários. E é quanto a essas que me assalta uma incómoda dúvida.
Por que razão o Estado poderá não garantir a prestação dos serviços de saúde necessários? Certamente, que por falta de dinheiro.
Por que razão uma entidade estruturada para obter lucros se irá abalançar a prestar cuidados de saúde em vez do Estado? Certamente, que para ganhar dinheiro.

Se o Estado não aproveitar essa delegação para se retirar sorrateiramente de algumas das suas obrigações no campo da saúde, há-de pagar aos delegatários aquilo que antes gastava como prestador desses serviços. Mas se os delegatários com fins lucrativos lucrarem, como necessariamente tem que acontecer, das duas uma :1) ou hão-de prestar piores serviços do que prestaria o Estado, para poderem amealhar como lucro o que pouparam com essa degradação; 2) ou, se mantiverem o nível de qualidade dos serviços, antes prestados directamente pelo Estado, e obtiverem lucros, o Estado terá de lhes pagar mais do que aquilo que gastaria se fosse responsável directo pela prestação de serviços.

Ou seja, se a delegação da prestação de cuidados de saúde em entidades com fins lucrativos ocorrer, sem degradação da qualidade dos serviços prestados, os cidadãos ficarão na mesma, o Estado, se não perder, também não ganhará nada com isso. Só os delegatários privados movidos pelo lucro ficarão beneficiados.

Assim se percebe que música tocava esse fantasma .

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A MIRAGEM DOS ESPERANÇADOS

Viajar através da versão portuguesa de Paulo Quintela dos Poemas de Bertolt Brecht, abre sempre a porta a novas surpresas e a novas lições. Ajuda-nos muitas vezes a pensar, a proscrever uma eventual letargia, a compreender o que parece estranho. Ontem, quando um zumbido insalubre de numerologia financeira e predatória pairava no espaço mediático português, empreendi uma dessas viagens. Não posso deixar de partilhar com todos vós um poema então encontrado.



OS ESPERANÇADOS


Porque é que esperais?

Que os surdos vos ouçam

E que os nunca-fartos

Vos dêem alguma coisa!

Que os lobos vos alimentem em vez de vos devorarem!

Que por gentileza

Os tigres vos convidarão

Pra lhes arrancardes os dentes!

É por isso que esperais!

[Bertolt Brecht]

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O CLUBE DOS HOMENS ASSUSTADOS

-Meninos, saiam já debaixo da mesa.

- Pedrinho! Vitinho! Alvaríssimo ! Não se assustem. É só uma agência de rating.

HOMENAGEM

A notícia surgiu com o peso de todas as palavras que anunciam morte. Desta vez, foi a Maria José Nogueira Pinto. Estive ao mesmo tempo que ela na Assembleia da República durante uma legislatura. Era deputada pelo CDS. Inteligente, combativa e civilizada. Ideologicamente muito marcada pelo espaço a que pertencia, sem que isso a fizesse perder agilidade mental. Não cometo a injúria de a elogiar, agora que ela já não estará do outro lado da barricada. É-lhe devida a saudação que se dirige aos que lutaram.

Mas para com o ser humano que ela foi a minha solidariedade é total. Ninguém deveria ser obrigado a morrer. Apagar-se-ia quando quisesse no fim do seu tempo. Tal como ninguém merece a dor insuportável de perder alguém que lhe é querido. Também nesse campo não há limites para a minha solidariedade.

Por isso, não sobrecarrego a sua memória com algumas frases feitas que possam parecer tributárias da renda tranquila da sua ausência nas hostes que combato. Apenas digo que, se me fosse dado esse poder supremo, ela continuaria viva.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

AS MALFEITORAS DO RATING E O DILEMA

Esta última malfeitoria de uma das "malfeitoras do rating", apresentada publicamente com a mesma ligeireza com que um borda-de-água de trazer por casa diria ", amanhã vai chover", reveste-se de uma singular exemplaridade.


De facto, desde a direita mais institucional , com os seus partidos à frente, até aos mercenários bem falantes dos poderes fácticos e aos economistas pernósticos estrangulados em números preconceituosamente seleccionados, todos com maior ou menor habilidade, aquando das "malfeitoras do rating", praticadas na vigência do governo do PS, com menor ou maior subtileza, diziam ou davam a entender que a culpa das agressões que estávamos a sofrer era apenas de um governo exangue e sem credibilidade, sem o prestígio suficiente para conquistar o apreço dos senhores mercados. E permitiam-se até deixar fugir uma leve sugestão de que numa Europa regida pelo PPE só os seus braços portugueses ( ou seja, a direita, através do PSD e do CDS) reuniam condições para verdadeiramente serem acolhidos com carinho pelos irmãos de Berlim, Paris e Bruxelas.


E as eleições legislativas foram abordadas nesse registo de alarme. Se o PS fosse o partido mais votado, seria um desastre. E o PS não foi o partido mais votado. Se a direita não tivesse maioria absoluta, seria um desastre. E a direita teve maioria absoluta. Se a direita se não entendesse facilmente para formar um Governo, seria um desastre. E a direita entendeu-se facilmente para formar governo. E mais do que isso, movida pelo narcisismo de quem se sente seduzida por si própria, a direita resolveu prestar vassalagem à "troika" da maneira mais solícita que julgou haver : seguir a lógica da "troika" para ir além dela; ser submissa perante ela, excedendo-a.


E quando o afilhado do Sr. Engº Angelo Correia, rodeado dos seus engomados ministros e das suas escassas ministras, se aprestava a receber os doces agradecimentos e aplausos da finaça internacional, calorosa no apoio à prestação dos seus intérpretes, eis que uma "malfeitora do rating" rompe com tudo o que era esperado e zás: assesta mais um golpe na economia portuguesa, mordendo-a com ligeireza e ferocidade. As matilhas elogiosas que têm vindo a rodear o novo poder passaram por um arrepio de receio. O Pedro, o Miguel, o Vítor e o Álvaro, olharam-se como jovens a quem roubaram um berlinde. O oráculo de Belém murmurou uma frase enigmática. Os periquitos telivisivos de serviço ficaram entupidos.


Um dilema novo instalou-se irremovivelmente no nosso quotidiano: ou o nosso governo, de uma direita previsível, neoliberal e engomada, é considerado pelos seus congéneres europeus e pelos expoentes da finança internacional, uma circunstância irrelevante; ou a causa dos ataques, que vinham sendo desferidos contra Portugal na vigência do governo anterior, não estava nesse governo, mas nos instintos predatórios das "malfeitoras do rating" e dos seus aliados.

domingo, 3 de julho de 2011

O NÓ DO PROBLEMA DO PS

As duas narrativas implícitas nas moções de Assis e de Seguro podem ser semelhantes. Mas quando se trata de tentar surpreender diferenças, quanto à vontade efectiva de uma mudança profunda no partido, temos que procurar para além dos textos. Pelo menos nalguns distritos, é tal o peso dos pequenos poderes locais instalados, entre os apoiantes de Seguro, que só uma fé inexplicável nos pode fazer acreditar que por essa via se chegue a qualquer mudança de fundo no PS.


Mas este é, ainda assim, um aspecto secundário, se o compararmos com o que está a ocorrer quanto às eleições primárias como método de escolha dos candidatos do PS. De facto, elas implicam um conjunto de metamorfoses tão profundas que, por si sós, deixam muito para trás o conjunto dos sinais de renovação, dados pelas duas candidaturas em todos os outros campos.


E, no caso das primárias, enquanto Assis as trouxe decididamente para o centro do debate, comprometendo-se irreversivelmente com esse caminho, Seguro limitou-se a algumas fugidias promessas de que no futuro se preocuparia com isso. Podem ser muitas as razões que levem cada militante a optar por um por outro candidato, mas quem der centralidade ao imperativo de refundação do partido ( como preconizou Mário Soares) não pode deixar de escolher Assis.

A EUROPA EM CRISE !

Na página web do prestigiado diário francês Le Monde, li hoje um texto da autoria de Amartya Sen, prémio Nobel da Economia, recentemente doutorado honoris causa pela Universidade de Coimbra, através da sua Faculdade de Economia . O artigo tem um título sugestivo: "L'euro fait tomber l'Europe".

O seu autor nasceu na Índia em 1933, sendo professor em Harvard e tendo sido o primeiro universitário asiático a dirigir um dos colégios de Cambridge. O prémio Nobel da Economia foi-lhe atribuído em 1998, pelos seus trabalhos sobre a fome, sobre os mecanismos da pobreza e sobre a democracia.

Quando o nosso espaço público está infestado por mercenários apologéticos do neo-liberalismo reinante, por numerólogos loucos alérgicos à complexa realidade da vida em sociedade, ou por papagaios mediáticos pura e simplesmente tontos, é aconselhável que nos esforcemos por conviver o máximo que pudermos com visões esclarecidas da realidade, que nos possam estimular e ajudar a manter vivo um pensamento crítico. Eis o texto de Amartya Sen:



"Quand, en 1941, Altiero Spinelli, Eugenio Colorni et Ernesto Rossi signèrent le fameux Manifeste de Ventotene, ils appelaient à une "Europe libre et unie". La déclaration de Milan qui suivit en 1943, fondant le Mouvement fédéraliste européen, réaffirma cet engagement pour une Europe unie et démocratique. Tout cela s'inscrivait dans le prolongement naturel de la quête démocratique de l'Europe inaugurée par le mouvement européen des Lumières, qui, à son tour, inspira le monde entier.

C'est pourquoi il est très affligeant que l'on soit aussi peu inquiet du danger qui menace aujourd'hui le régime démocratique de l'Europe, lequel se manifeste insidieusement par la priorité accordée aux impératifs financiers. La tradition du débat public démocratique est sapée par le pouvoir incontrôlé que détiennent les agences de notation qui de facto dictent aux gouvernements démocratiques leurs programmes, souvent avec le soutien d'institutions financières internationales.

Il convient ici de distinguer deux enjeux différents. Le premier concerne ce que le journaliste et économiste Walter Bagehot (1826-1877) et le philosophe John Stuart Mill (1806-1873) considéraient comme la nécessité d'un "gouvernement par le débat". Tant que les gardiens de la finance entretiennent une vision réaliste des actions qui s'imposent, l'espace public démocratique doit leur prêter l'oreille la plus attentive. C'est important !
Mais cela ne signifie pas qu'on doive leur accorder le pouvoir suprême ni qu'ils puissent dicter leur loi à des gouvernements démocratiquement élus, sans que l'Europe exerce aucune résistance organisée. Le pouvoir des agences de notation ne peut être contenu et encadré que par des personnalités politiques exerçant un pouvoir exécutif au niveau européen. Or pour l'heure, un tel pouvoir n'existe pas.
Deuxième point, on voit mal en quoi les sacrifices imposés par ces chevaliers de la finance à des pays en difficulté constituent le remède décisif pour assurer la pérennité à long terme de leur économie, ni même que ces sacrifices soient en mesure de garantir celle de la zone euro dans le cadre non réformé d'un système financier intégré et d'un club de la monnaie unique à la composition inchangée.

Le diagnostic des problèmes économiques tel que l'établissent les agences de notation n'a en rien le statut de vérité absolue, contrairement à ce que ces dernières prétendent. Pour mémoire, le travail de certification des établissements financiers et des entreprises accomplis par ces agences avant la crise économique de 2008 était si lamentable que le Congrès américain a envisagé d'engager des poursuites contre elles.
Puisque désormais une grande partie de l'Europe s'efforce de juguler au plus vite les déficits publics par le biais de coupes claires dans les dépenses publiques, il est essentiel d'étudier avec réalisme quelles seront les répercussions des mesures adoptées dans ce but, tant sur le quotidien des gens que sur la création de recettes publiques par la croissance économique. Ce qui manque à l'heure actuelle, outre un projet politique plus ambitieux, c'est une réflexion économique plus développée sur les effets et l'efficacité de cette stratégie de réduction maximale des déficits dans "le sang, la sueur et les larmes".

La noble morale du "sacrifice" a incontestablement des effets grisants. C'est la philosophie du corset "ajusté" : "Si madame est à l'aise dans celui-ci, c'est certainement qu'il faut à madame la taille en dessous." Mais si les appels à la rigueur financière se traduisent trop mécaniquement par des compressions brutales et drastiques, on risque non seulement d'imposer plus de privations que nécessaire, mais aussi de tuer la poule aux oeufs d'or de la croissance.

Cette tendance à ignorer le rôle de la croissance dans la production de recettes publiques devrait faire partie des premiers sujets à passer au crible de la réflexion critique et ce, de la Grande-Bretagne à la Grèce.

En Grande-Bretagne, il faudrait ainsi s'interroger sur la pertinence des mesures initiées par le gouvernement (sans que le débat public ait été vraiment encouragé, d'ailleurs), tandis qu'en Grèce, ce sont des mesures imposées de l'extérieur qui sont mises en cause, dans un pays dont les marges de manoeuvre pour contester les injonctions des caïds de la finance sont des plus minimes.

Ces réductions budgétaires poussées à leur maximum risquent de diminuer les dépenses publiques autant que les investissements privés. Si cela se traduit également par une réduction des stimuli de croissance, les recettes publiques pourraient, elles aussi, chuter douloureusement.

Le lien qui unit croissance et recettes publiques a été amplement observé dans de nombreux pays, de la Chine au Brésil en passant par les Etats-Unis et l'Inde. Là encore, des leçons sont à tirer de l'Histoire. De nombreux pays affichaient à la fin de la seconde guerre mondiale une lourde et préoccupante dette publique ; mais une croissance économique soutenue a permis d'alléger rapidement ce fardeau. De même, les déficits colossaux que trouva Bill Clinton à son entrée en fonctions en 1992 fondirent sous sa présidence sous l'effet, en grande partie, de la rapidité de la croissance.

Comment certains pays de la zone euro se sont-ils retrouvés dans une situation aussi calamiteuse ? La décision saugrenue d'adopter une monnaie unique, l'euro, sans plus d'intégration politique et économique a certainement joué son rôle dans cette crise, au-delà même des irrégularités financières commises par des pays comme la Grèce ou le Portugal (au-delà, également, de cette culture de "l'excès d'honneur" qu'a soulignée à juste titre l'ancien commissaire européen Mario Monti, et qui dans l'Union européenne permet à ces irrégularités d'être commises impunément).

A leur décharge, le gouvernement grec, et en particulier son premier ministre Georges Papandréou, font tout ce qu'ils peuvent envers et contre les résistances politiques, et il faut aussi saluer leurs efforts pour sortir la Grèce de cette culture de la corruption qui gangrène les entreprises et les relations économiques.

Cependant, ni les bénéfices à long terme des profondes réformes entreprises par la Grèce ni la bonne volonté douloureuse d'Athènes de satisfaire aux exigences des gardiens de la finance internationale ne dispensent l'Europe de s'interroger sur la pertinence des conditions - et du calendrier - imposés à la Grèce.

Aujourd'hui, l'austérité présente aux yeux des financiers des attraits de court terme ; mais il n'est pas certain du tout que ces gardiens perçoivent avec netteté comment la Grèce pourra renouer avec la croissance, quand pour l'heure elle connaît une récession plutôt brutale. Outre le freinage de l'économie induit par ces énormes compressions budgétaires menées dans le but de maintenir à tout prix l'appartenance de la Grèce à la zone euro, les caractéristiques mêmes de l'euro tiennent les biens et services grecs à des prix élevés et souvent non compétitifs sur les marchés internationaux.

C'est pour moi une piètre consolation de rappeler que j'étais fermement opposé à l'euro, tout en étant très favorable à l'unité européenne pour les raisons qu'Altiero Spinelli avait soulignées avec tant de force. Mon inquiétude venait notamment du fait que chaque pays renonçait ainsi à décider librement de sa politique monétaire et des réévaluations des taux de change, toutes choses qui, par le passé, ont été d'un grand secours pour les pays en difficulté. Cela permettait de ne pas déstabiliser excessivement le quotidien des populations au nom d'une volonté acharnée de stabilisation des marchés financiers. Certes on peut renoncer à l'indépendance monétaire, mais quand il y a par ailleurs intégration politique et budgétaire, comme c'est le cas pour les Etats américains.




La formidable idée d'une Europe unie et démocratique a changé au fil du temps et l'on a fait passer au second plan la politique démocratique pour promouvoir une fidélité absolue à un programme d'intégration financière incohérente. Repenser la zone euro soulèverait de nombreux problèmes, mais les questions épineuses méritent d'être intelligemment discutées (l'Europe doit s'engager démocratiquement à le faire) en prenant en compte de façon réaliste et concrète le contexte différent propre à chaque pays. Dériver au gré des vents financiers que souffle une pensée économique obtuse et entachée de graves lacunes, souvent proférée par des agences affichant de piteux résultats en termes d'anticipation et de diagnostic, est bien la dernière chose dont l'Europe ait besoin. Il faut enrayer la marginalisation de la tradition démocratique européenne : c'est une nécessité impérieuse. On ne l'exagérera jamais assez. [Traduit de l'anglais par Julie Marcot ]