Carlos de Oliveira foi um dos poetas do neo-realismo que mais fundas marcas deixou na tradição poética portuguesa. Se lermos hoje os seus poemas, com a fraternidade de quem com ele partilha horizontes que não se perdem, podemos sentir como sofria profundamente as palavras com que esculpia os seus versos, tensos de beleza e amargura.
Vou recordar três dos seus poemas, homenageando-o. A ele e à própria poesia.
1. Cantiga do Ódio
O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?
2. Elegia de Coimbra
Gela a lua de março nos telhados
e à luz adormecida
choram casas e os homens
nas colinas da vida.
Correm as lágrimas ao rio,
a esse vale das dores passadas,
mas choram as paredes e as almas
outras dores que não foram perdoadas.
Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra herança:
o oiro depositado
nas margens da lembrança.
3. Soneto
Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.
Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.
Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.
A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.
1 comentário:
Caro Rui será capaz de me indicar a referencia bibliográfica destes poemas do Carlos de Oliveira? muito agradecia. Um abraço
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