domingo, 28 de outubro de 2007

Três poemas de Carlos de Oliveira




Carlos de Oliveira foi um dos poetas do neo-realismo que mais fundas marcas deixou na tradição poética portuguesa. Se lermos hoje os seus poemas, com a fraternidade de quem com ele partilha horizontes que não se perdem, podemos sentir como sofria profundamente as palavras com que esculpia os seus versos, tensos de beleza e amargura.


Vou recordar três dos seus poemas, homenageando-o. A ele e à própria poesia.



1. Cantiga do Ódio


O amor de guardar ódios

agrada ao meu coração,

se o ódio guardar o amor

de servir a servidão.

Há-de sentir o meu ódio

quem o meu ódio mereça:

ó vida, cega-me os olhos

se não cumprir a promessa.

E venha a morte depois

fria como a luz dos astros:

que nos importa morrer

se não morrermos de rastros?



2. Elegia de Coimbra


Gela a lua de março nos telhados

e à luz adormecida

choram casas e os homens

nas colinas da vida.


Correm as lágrimas ao rio,

a esse vale das dores passadas,

mas choram as paredes e as almas

outras dores que não foram perdoadas.


Aos que virão depois de mim

caiba em sorte outra herança:

o oiro depositado

nas margens da lembrança.



3. Soneto


Acusam-me de mágoa e desalento,

como se toda a pena dos meus versos

não fosse carne vossa, homens dispersos,

e a minha dor a tua, pensamento.


Hei-de cantar-vos a beleza um dia,

quando a luz que não nego abrir o escuro

da noite que nos cerca como um muro,

e chegares a teus reinos, alegria.


Entretanto, deixai que me não cale:

até que o muro fenda, a treva estale,

seja a tristeza o vinho da vingança.


A minha voz de morte é a voz da luta:

se quem confia a própria dor perscruta,

maior glória tem em ter esperança.

1 comentário:

juliacoutinho@gmail.com disse...

Caro Rui será capaz de me indicar a referencia bibliográfica destes poemas do Carlos de Oliveira? muito agradecia. Um abraço