quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Manoel de Barros - grande poeta brasileiro




Numa das minhas recorrentes peregrinações por livrarias, quase por acaso, já lá irão uns bons dez anos, deparou-se-me "O Livro das Ignorãças". Uma descoberta e uma surpresa: um poeta realmente inesperado e diferente. Complicadamente simples. Límpido pelo modo como parecia pôr as coisas dentro dos poemas através de um sedução enorme por palavras. Depois foi a procura dos outros livros de Manoel de Barros: um agora, outro no ano seguinte, até os reunir quase todos. Mas foi a Quasi, essa editora poeticamente cosmopolita de V.N. Famalicão, que verdadeiramente trouxe o grande poeta para os leitores portugueses.E culminou essa tarefa em Junho passado, editando os 14 livros já antes saídos no Brasil, num único "Compêndio para Uso dos Pássaros"( Poesia reunida 1937-2004).


Em homenagem a Manoel de Barros, permito-me transcrever dois poemas, retirados desse compêndio:


Os dois

Eu sou dois seres.
O primeiro é fruto do amor de João e Alice.
O segundo é letral:
É fruto de uma natureza que pensa por imagens,
Como diria Paul Valéry.
O primeiro está aqui de unha, roupa, chapéu
e vaidades.
O segundo está aqui em letras, sílabas, vaidades,
frases.
E aceitamos que você empregue o seu amor em nós.



A pedra

Pedra sendo
Eu tenho gosto de jazer no chão.
Só privo com lagarto e borboletas.
Certas conchas se abrigam em mim.
De meus interstícios crescem musgos.
Passarinhos me usam para afiar seus bicos.
Às vezes uma garça me ocupa de dia.
Fico louvoso.
Há outros privilégios de ser pedra:
a − Eu irrito o silêncio dos insectos.
b − Sou batido de luar nas solitudes.
c − Tomo banho de orvalho de manhã.
d − E o sol me cumprimenta por primeiro.

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