quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Partido Socialista - o tempo urge


1. O Governo parece assoberbado com problemas que se acumulam, mesmo se os compensa com alguns êxitos que não devem ser desvalorizados. Mas o que talvez seja mais irónico ( mas não menos preocupante) é que o seu problema maior não parece dar-lhe qualquer cuidado.

E o seu problema maior é o de que parece convicto da eficácia dos remédios com que tem querido curar as mazelas desta nossa sociedade, sem se preocupar com o facto de alguns desses remédios não serem seus,pelo que ao administrá-los pode estar a negar-se a si próprio e a pôr em causa a sua própria identidade histórica.
De facto, o PS parece esquecido de que os males essenciais da nossa sociedade estão radicados na sua própria natureza, numa natureza assente na desigualdade e na injustiça estruturais. E assim , quando parece querer atacar o fundo das questões com arreganho, pode afinal estar a limitar-se a ser um instrumento involuntário do aumento das vantagens relativas dos que já estão por cima, acabando sempre por falhar no essencial: o aumento do bem estar dos portugueses, de todos e não de alguns. Fuja-se, uma vez por todas, do engodo dos grandes números que escondem muitas diferenças e justificam muitas mistificações, abandone-se a corrida atrás do meio por cento, para nos preocuparmos, em primeiro lugar, com o bem-estar das pessoas concretas, com a vida das pessoas, especialmente daquelas que vivem pior.

O irónico, aliás, é que é provável que o governo esteja a agir a partir de uma visão distorcida das próprios problemas da sociedade, que esteja a usar instrumentos económicos vocacionados, principalmente, para avaliar o grau de satisfação dos interesses particulares dos grupos que já beneficiam com a lógica do sistema. Instrumentos , no entanto, inúteis para ser avaliado do grau de melhoria da vida dos portugueses; daqueles cuja vida precisa realmente de ser melhorada. É como se o governo enchesse diligentemente de água um balde furado, em vez de radicalmente cometer a tarefa óbvia de tapar os furos.

2. Que um governo socialista pague uma factura política por falhar numa governação radicada nos seus valores e nos seus objectivos históricos estratégicos, é um risco inerente ao combate político; triste mas compreensível. No entanto, se um governo socialista for punido eleitoralmente por fugir à sua própria identidade histórica, corre o risco de fazer implodir todo o seu campo político.

E no caso português, isso pode traduzir-se na abertura de um tempo de caos social e político que pode diminuir muito a qualidade da própria democracia.
Por isso, é indispensável que o PS deixe de estar anestesiado, vagamente hesitante entre acreditar no estereotipado discurso oficial e em assumir criticamente a necessidade de mudanças claras no caminho seguido, exigindo uma outra política, compatível com a sua natureza sócio-política e com os seus objectivos históricos.

Por isso, temos que discutir organizada e sistematicamente dentro das estruturas do PS. E não estou a falar de encenações mediáticas, em que os monólogos dos dirigentes e dos notáveis caiam sobre nós como pedradas ou como afagos, a que só podemos reagir com aplausos ou com silêncios. Falo de debate sério,profundo, aberto e sistemático, susceptível de permitir a troca de ideias e a obtenção de conclusões. Um debate prolongado em que o governo participe admitindo que pode, nalguns casos, ser convencido a mudar, para que, por sua vez, esteja em posição de convencer os militantes de que, noutros casos, há mais acerto na governação do que aquilo que antes admitiam.

É urgente esse diálogo. Por um lado, para se poder evitar que os militantes menosprezem a oportunidade e o valor da sua contribuição, na luta por uma sociedade mais justa, potenciados pelo facto de integram um Partido de governo, sob pena de podermos cair numa conjuntura minada pela impotência política e por um desespero estéril. Por outro, para se levar o Governo e a direcção do PS a porem-se em causa perante a crítica dos militantes, evitando assim um auto-isolamento muito perigoso que, a prazo, pode até levar à implosão de toda a nossa área política.

Aceitemos todos um debate sem sobrancerias nem anátemas; e, talvez, possamos chegar a 2009 com um partido forte e com um governo optimista.

A iniciativa cabe à direcção do PS. O tempo urge.

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