sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A caminho de lado nenhum...




Muitas são as perspectivas a partir das quais se podem encarar os dois grandes episódios políticos ocorridos ontem em Lisboa: a manifestação de protesto contra a política do Governo e a cimeira europeia que aprovou o tratado renovado da UE.É possível questionar-se a política do governo que tornou possível uma tão significativa manifestação de protesto. É possível inquirir-se sobre o acerto do tom, do tempo e do modo da manifestação. Mas não é possível fugir ao peso que os factos objectivamente têm para ambos os lados lados.

Um governo de esquerda, que queira ser um factor de transformação social no sentido da justiça e da liberdade, não pode, sem prejuízo da sua eficácia política, dispensar um robusto apoio sindical, nem a capacidade de ter na rua a apoiá-lo uma grande parte do seu eleitorado e dos trabalhadores portugueses. Um movimento sindical não pode menosprezar a fragilidade política que lhe advém de ter como correspondente política mais directa o conjunto de dois partidos que no máximo tem valido 15% do eleitorado, sendo hegemonizado apenas por um deles, cuja força eleitoral não tem chegado aos 10%.

Este desfasamento, entre hegemonia política e hegemonia sindical, é agravado pelo facto de o partido de esquerda que supera os 40% de votos ter uma expressão sindical reduzida, em termos de potencial combatente e de eficácia reivindicativa, ao mesmo tempo que a tendência sindical dominante é liderada por uma força política que tem apenas um quarto do eleitorado do partido de esquerda predominante. É um desfasamento histórico, mas é um desfasamento que tem prejudicado muito a evolução de Portugal.

Tudo o que agrave esse desfasamento é especialmente negativo para todo o povo de esquerda, para todo o movimento sindical, para todos os partidos da esquerda. E uma das consequências disso é, precisamente, a intransigência com que cada parte procura imputar à outra toda a responsabilidade pelo que se passa e com que se mostra indisponível para tentar sequer compreender as razões da outra parte.

No imediato, cada uma delas pode festejar pequenos êxitos ou sentir-se reconfortada com os pequenos fracassos da outra. Mas que não haja ilusões, a médio prazo, ambas caminham para o desastre. Um desastre que irá muito para além de um possível descalabro eleitoral. Um desastre que marcará profunda e negativamente as vidas de todos os portugueses que não estejam abancados na estreita mesa dos mais ricos.

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