sábado, 2 de abril de 2011

SERÁFICOS PROPAGANDISTAS DE FEIRA

No programa de desqualificação permanente das instituições que relativizem ou contenham os poderes de facto, os protagonistas são diversos, com diferentes graus de acirramento e diferentes níveis de subtileza. Um dos rumores que se tem vindo a instalar sugere que a vida política é um oásis de mediocridade num deserto de virtudes. Dos intervenientes políticos seria de esperar todos os defeitos, dos outros, todas as virtudes. A campanha que a explosão da crise política conducente a novas eleições desencadeou é um bom terreno de observação. De facto, sem que isso seja o único elemento que conta na avaliação dos diversos partidos, ficou claro que vai ser um tema central do combate político na campanha eleitoral a questão de saber quem causou a queda do Governo.

Certamente, que o facto de ter sido o PSD em conjugação com todas as oposições o seu agente determinante, nem faz recair sobre ele a totalidade da responsabilidade , nem lhe retira os méritos que possa ter noutros aspectos da sua política. O mesmo se diga dos outros partidos da oposição, mesmo sabendo-se que cada um deles teve um grau de responsabilidade muito menor do que o do PSD. Algo de simétrico se pode dizer quanto ao PS: o facto de não ter sido, em última instância, o causador da crise não lhe retira por completo as responsabilidades que possa ter quanto a ela; nem apaga com isso quaisquer outros deméritos que lhe possam ser inputados. No entanto, constatar que foi a votação dos partidos da oposição, em bloco, o que fez cair o Governo, quando chumbou um conjunto de medidas e de propostas, objectivamente indispensáveis, para o Governo poder responder no imediato às dificuldades urgentes do país, é reconhecer uma evidência ostensiva.

Mas , apesar disso o PSD tem proclamado como verdade a absurda fantasia de que foi Sócrates quem se derrubou a si próprio numa maquiavélica manobra cujo estranho objectivo seria o de perder o poder. Os mesmos megafones ambulantes diziam e dizem que Sócrates e o Governo estão agarrados ao poder como lapas. Em que ficamos ? Em registos erráticos, ora mais claros ora mais discretos, ora por intermédio de porta-vozes formais, ora através de arautos informais, os outros partidos da oposição, sem prejuízo de alguma diferenciação quanto aos modos como o fazem e ao tom que usam, têm feito coro com o PSD.

Compreende-se. Após a consumação da santa aliança parlamentar anti-PS, que nem se deu ao trabalho de se tentar conjugar numa solução conjunta que a corresponsabilizasse numa solução melhor do que aquela que chumbou, o cerco da especulação financeira internacional apertou-se dramaticamente. Tendo-se verificado que os avisos do PS e do Governo, quanto aos enormes riscos de degradação da conjuntura económica que adviriam de um derrube do Governo, se estão a confirmar na prática, o PSD entrou em pânico, possuído pela angústia de que os eleitores o castigassem no voto e o dispensassem de, como sonha, "ir rapidamente ao pote". Daí esse estrebuchar de dislates dirigidos a tentar trasnformar uma ficção aburda numa verdade de pedra.


Ora, sendo certo que se pode compreender sem que tenha que aceitar como certo, que no calor da luta haja partidos cujas vozes percam o norte, já é mais difícil compreender que se acumulem no espaço mediático tantas vozes vindas das seráficas palavras de alegados independentes com pose senatorial, fazendo coro com o PSD mas fingindo nem dar conta disso. E alguns deles integram esse pequeno núcleo dos renegados de luxo que se comportarem como cachorrinhos mansos, em face do PS, quando isso lhes foi conveniente, mas que passaram a morder-lhe fortemente nas canelas quando lhes pareceu que o PS já não tinha nada para lhes dar.

Muitos deles subiram já ao duvidoso pódio dos que se julgam investidos do olimpíco poder de enxovalhar os políticos no activo, como se apenas eles próprios fossem mestres únicos de inultrapassáveis virtudes. E, no entanto, eles aí estão, mostrando inadvertidamente na praça pública, que não é apanágio exclusivo de políticos no activo a desonestidade intelectual e a má fé política. Também entre os mui sábios trovejadores dos espaços mediáticos, abunda essa rafeiragem etico-política, cuja exclusividade eles próprios, hipocritamente, tentam imputar em exclusivo aos políticos .

Sem comentários: