quarta-feira, 6 de abril de 2011

O SABOR DA INCERTEZA


Um olhar desapaixonado mas atento sobre os resultados das sondagens, saídas durante o último mês, quanto aos possíveis resultados das próximas eleições legislativas em Portugal, mostra um cenário incerto. No quadro dessa incerteza, a hipótese mais provável parece ser a de uma vitória da direita coligada, sem maioria absoluta do PSD. Mas o facto de essa vitória não ser certa é um garrote em volta do sonho sôfrego da direita de ir rapidamente ao pote. É uma aflição que a não deixará em paz até ao dia das eleições.


As oposições de esquerda estão de algum modo reféns do seu próprio êxito relativo de terem atingido um patamar estável de intenções de voto em torno dos 15%. O modo como têm feito oposição torna quase impossível conceberem sequer uma aliança, seja de que tipo for, com o PS. Mas a distância que as separa dos 45% que lhes dariam uma maioria para governar, torna caricato que se posicionem como se esse objectivo fosse possível. Resta-lhes o disco cansado de um discurso de protesto, realmente alheado da disputa institucional, vagamente perfumado por um milenarismo difuso, cada vez mais exausto pelo peso crescente da sua própria inverosimelhança. Milenarismo irremediavelmente marcado por uma indisfarçável ausência de caminhos que dele algum dia nos pudessem aproximar.


Por isso, as oposições de esquerda sofrem, dia após dia, o assédio sufocante de um dilema incontornável: ou radicalizam o seu discurso anti-PS, na senda que têm vindo a percorrer, e correm o risco de desempenharem objectivamente o papel de guarda-avançada da direita, podendo vir a sofrer duramente no futuro um castigo político pelo seu próprio êxito; ou arrepiam caminho, dando vida a uma auto-crítica viva do modo como têm feito oposição, e arriscam-se a que o seu eleitorado reconheça o bem fundado dessa auto-crítica e tire daí desde já consequências eleitorais, para elas, gravosas. Talvez tentem ficar a meio do caminho, mas , como sabemos, nunca é seguro ficar sentado entre duas cadeiras.


O "iceberg" que podemos usar como metáfora para descrever o conjunto de todos os poderes que configuram a direita, cuja pequena camada visível são os partidos políticos que a representam institucionalmente, passa por algumas confusões, sofre algumas aflições, atravessa algumas perplexidades. E a maior de todas elas talvez seja o facto de nele perpassar uma persistente dúvida quanto ao acerto, em face dos seus interesses de médio prazo e às suas dificuldades imediatas, dos seus partidos terem provocado agora a actual crise política. Talvez, por isso, em vários tons e de diversas maneiras, desse "iceberg" têm surgido vozes recorrentes que generosamente abrem ao PS as portas do Governo, mesmo que tenha acabado de sofrer uma derrota eleitoral. Tanto largueza de espírito deve fazer sorrir. Mas não deixa de evidenciar objectivamente que na base do "iceberg"se confia pouco ou nada na competência do pessoal de turno que ocupa a cabeça dos partidos da direita, cuja volatilidade, inconstância e inconsistência, certamente assusta.


Não é um pecado do PS que no "iceberg" da direita os poderes de facto o achem confiável, como corresponsável na gestão dos negócios correntes, se por isso não tiver que pagar o preço incomportável da perda de apoio da sua base social e eleitoral. Mas se o PS não tem que arcar com o peso simbólico de qualquer pecado, deve ficar mais atento do que desvanecido. E o ponto de partida dessa indispensável atenção é ter como assente de que, se é importante para a economia portuguesa a sobrevivência saudável dos bancos, não o é menos para a democracia portuguesa a sobrevivência saudável do PS. E não é exigível ao PS pôr em risco a sua própria vida, para salvar dos resultados das suas próprias lógicas, e da alguns vigaristas de estimação, os abastados figurantes do capital financeiro, bem como os seus bancos e o seu poder.


A ironia do destino ou a volatilidade da conjuntura fazem com que o PS seja simultaneamente o alvo predilecto de todos os ataques e o suporte mais crível do que possa restar de esperança, não só em todos os que o apoiam, mas também em muitos dos que o atacam. Talvez por que, no fundo, os portugueses sabem que a dramatização política brusca das dificuldades que atravessamos se deve muitíssimo mais às oposições do que ao PS e ao Governo.


Assim, seja qual for o resultado das eleições legislativas, o PS estará no centro da política portuguesa nos próximos anos, com um papel directo na qualidade da democracia portuguesa e com uma influência decisiva no modo como irá decorrer a evolução económico-social. Por isso, mais uma vez insisto em que a necessidade natural de desempenhar bem as tarefas imediatas não pode servir de justificação para que se não iniciem já as movimentações estratégicas e de longo prazo, de que o PS precisa para reunir as condições necessárias ao cumprimento da sua função histórica , para poder estar à altura da sua vocação futurante, para se poder inscrever no futuro como recurso ao dispor de todo o nosso povo.


É como se o PS tivesse que caminhar para dentro do seu próprio coração, para dentro das suas emoções mais espontâneas, aproximando-se mais do essencial da sua identidade histórica, credibilizando-se como horizonte e comprometendo-se como proponente de caminhos, sem com isso se desresponsablizar da procura de soluções conjunturais e imediatas.



Tudo isto é talvez pouco, é talvez vago, é talvez inconsistente, mas desertar por completo do terreno destas preocupações é seguramente amarrar o PS á volatilidade imprevisível do dia a dia, deixá-lo inerte nos braços de um destino que incorpora inevitavelmente um risco de catástrofes.

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