domingo, 17 de abril de 2011

17 DE ABRIL DE 1969


O tempo vai tingindo com os tons sépia da saudade a memória daquele dia. Alguém foi mandatado para se levantar e levantou-se. Com ele se levantaram nos meses seguintes milhares de estudantes de Coimbra, fiéis a si próprios e às coisas limpas da vida.

Pedindo-se pouco, queria-se tudo. Mas a generosidade juvenil desses milhares, que arriscaram tanto, não estava fechada nas legítimas ambições de cada um. Queria-se tudo para o povo português, que apenas se olhava como um irmão de outros povos.

A palavra dos estudantes que o Presidente da Associação Académica de Coimbra pediu que fosse ouvida naquele dia era principalmente a voz da nossa liberdade recusada, indisponível para mais silêncio. A Universidade Nova que tão claramente foi exigida naqueles meses não era um Olimpo onde quiséssemos ser tratados como deuses. Era um sinal desejado de um país novo, realmente livre e justo.

A implacável censura do fascismo salazarista escondeu e distorceu repetidamente o que se estava a passar então em Coimbra. Num tempo sem a tecnologia de comunicação hoje existente, apenas os irredutíveis canais da comunicação pessoal directa ficavam ao nosso alcance. Mesmo assim os portugueses foram sabendo o que se passava em Coimbra; a Europa e o mundo também, conquanto mais difusamente.

Nos meses de combate desigual com o aparelho de Estado fascista não faltou a solidariedade de muitos portugueses, entre os quais a de alguns inesquecíveis Professores da nossa Universidade. A Academia de Coimbra foi durante alguns meses o lugar simbólico da resistência e através dela a Universidade de Coimbra eximiu-se à sombra comprometedora de uma excessiva cumplicidade e de uma conotação expressa com o regime salazarista.

Em cada momento de luta os que então estiveram presentes nunca esqueceram que em anos anteriores, em épocas anteriores, outras gerações se haviam erguido como eles num mesmo ímpeto de liberdade e de justiça. Foi também a essa tradição de luta que souberam ser fiéis.

Pela força das coisas, a luta não pareceu vitoriosa. No imediato o governo continuou. Mas não foi esmagada, já que para normalizar a vida universitária o governo foi forçado a extinguir todos os processos disciplinares, administrativos e criminais contra estudantes; a reabrir a AAC com realização de eleições; a nomear um Reitor que tivesse a confiança dos estudantes; a substituir o Ministro da Educação por um outro ostensivamente menos autoritário. Hoje, pode ver-se com clareza que em 1969 em Coimbra foi dado um decisivo empurrão para o fim do fascismo que viria a ocorrer cinco anos depois, também em Abril.

O tempo desliza implacável sobre as memórias, mas não apaga a ideia cada vez mais viva de que, sendo embora a luta universitária de 1969 uma enorme honra no passado de todos os que nela participaram e uma honra irremovível da Academia de Coimbra, está fundamentalmente inscrita no futuro. Compreendermos isto, cada vez melhor, é a homenagem que lhe devemos.

3 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Caro Rui,
Faço link... e agradeço!
Um grande e solidário abraço.

Peres disse...

Estava lá mas não entrei na Faculdade pois fui preso pouco tempo antes quando distribuía comunicados na escadaria monumental.......

Como o tempo voa !

Luis Peres

José Veloso disse...

Olá Rui, como sempre um belo texto!

É bom recordar para nunca esquecer; e que importante esta luta foi para a formação intelectual e humana de uma geração de jovens!

E continuo a acreditar que os jovens de hoje saberão lutar, contra um poderoso, insaciável e dissimulado "inimigo" neo capitalista que até muda de nome para "mercado"; aos jovens e ao povo nada mais resta do que a luta consequente, como em 69, contra as "fatalidades" que os instalados hoje no poder querem fazer crer serem o nosso destino.
Um abraço de revolta, esperança e amizade do José Veloso