No imaginário cultural que sustenta a recusa de uma visão apologética das sociedades actuais, aflora recorrentemente a memória do célebre filme de Visconti, “O Leopardo”, que, aliás, se baseia no não menos importante romance com o mesmo título,de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957).
Para além da fusão magnífica da história e das circunstâncias individuais, da poeira do tempo que corrói as cores que se vão perdendo, é a frase de Tancredi, dita por um exuberante Alain Delon, e mais tarde retomada, no essencial, pelo Príncipe de Salinas, materializado pelo talento sólido de Burt Lancaster, que mais vezes regressa á nossa memória: "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude."
Estávamos então nos relembrados anos sessenta do século XX. E hoje ?
Também não estão com Tancredi os “garibaldinos” que já não existem, mas estão os arautos de um pseudo-reformismo tonitruante, praticado como uma forte maquilhagem das estruturas capitalistas, de modo a dar a entender que rejuvenesce o que de facto apenas dura, à custa da infelicidade de milhões de seres humanos.
De facto, uma das maiores mistificações ideológicas do conservadorismo neoliberal, defesa estratégica do sistema capitalista como decretada eternidade histórica, é a girândola de reformas sofregamente proclamadas como se fossem a essência da novidade,quando afinal apenas reflectem o apego paroxístico a uma lógica lucrativista, que tritura sem piedade tudo o que realmente identifica a própria humanidade.
De facto, hão-de reparar que quase tudo aquilo que se mascara de reforma, dentro da ideologia dominante, tem como núcleo duro uma regressão social ou a concessão de novas rendas de situação aos detentores do capital, apontando afinal para um objectivo central, o de obstarem à única verdadeira reforma que pode fazer o mundo subir mais um patamar na qualidade de vida dos seres humanos globalmente considerados: a saída do capitalismo. Por isso, se assiste ao paradoxo de se apresentarem perante nós como os mais radicais reformadores aqueles que afinal são o extremo do mais intransigente conservadorismo.
Também eles não esquecem que : "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude."
É pois tempo de vigilância crítica, de atenção permanente às rotinas mediáticas ideologicamente dirigidas que nos inculcam a ilusão da mudança, para ocultarem o sopro violento do conservadorismo mais retrógrado. Hoje como ontem, os conservadores mais subtis são os que sabem usar a voragem das pequenas mudanças, triviais e estruturalmente secundárias, para nos afastarem do apego à verdadeira mudança, a mudança central, a mudança do tipo de sociedade.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
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