sábado, 6 de fevereiro de 2010

Jardim e o regresso da coligação"canguru"


Do Diário de Notícias de hoje, retirei o extracto que a seguir transcrevo, referindo uma posição de Alberto João Jardim, preconizando que o Presidente da República tenha em conta a coligação “canguru” ontem verificada na AR, assumindo-a como solução de um novo Governo para Portugal. Eis o extracto:

“ A partir de agora há uma hipotética alternativa desenhada, não pode o Presidente da República pensar que não há outras soluções de governo até maioritárias, haja é bom senso", reforçou.
"Ponho esta em cima da mesa sabendo que posso atrair sobre mim fúrias ainda mais fundamentalistas, mas ficou demonstrado pela primeira vez que era possível um compromisso histórico em Portugal", apontou Jardim, considerando que o comportamento adoptado por Cavaco Silva nestes últimos dias foi "perfeito e impecável".”

Repetidas vezes neste blog tenho referido esta coligação anti-PS, expressa ao longo dos últimos anos em várias circunstâncias, como um deslize objectivo para uma hipótese de concertação política, suficientemente duradoura para poder ser suporte de uma solução governamental que, no actual quadro parlamentar, beneficiaria do tonus estabilizador de ser maioritária. Também tenho sustentado que pela relação de forças objectivamente verificada, no seio do espaço “canguru”, ela será naturalmente hegemonizada ou até liderada pelo PSD. Mas confesso que nunca me passou pela cabeça que esse espaço se viesse um dia a congregar politicamente sob a égide improvável de Alberto João Jardim. Mas o impensável aconteceu, ilustrando que a operacionalização do espaço “canguru” pode afinal ser mais fácil do que os mais cépticos imaginavam. Eis a inusitada bênção do próprio Alberto João Jardim , para o sublinhar fortemente.

Compreendo que esse espaço político descontínuo, que exprime um salto de canguru por cima do PS, seja difícil de interiorizar no plano psicológico e até ético para os dirigentes do subespaço que dentro dele será objectivamente subalterno (ou seja, o subespaço constituído pelo BE e pelo PCP). No entanto, dificilmente se pode fugir ao dilema de se ter que considerar que: 1) ou esse mal-estar interior é uma simples sombra de um anacronismo ideológico, e está certa a caminhada rumo a essa virtuosa aliança;2) ou esse mal-estar é o saudável sobressalto de uma consciência política sobrevivente e atenta, e estão errados os comportamentos de construção desse espaço político atípico que se têm verificado.

Caberá a esses partidos uma decisão final. Por mim, como militante do PS e membro da corrente de opinião Esquerda Socialista, penso que o PS devia pôr em cima da mesa a seguinte alternativa. Ou as oposições se responsabilizam pela projecção no plano do Governo das suas alianças conjunturais e o PS aceita como legítimo um governo “canguru”, prometendo ser uma oposição firme, mas leal; ou as oposições reconhecem a sua incapacidade para transformarem as suas concertações anti-governo numa plataforma de governo e então cessam a guerrilha sectária contra o governo.
Se a oposição não fizer nem uma coisa, nem outra, acho que o Governo se deve demitir de imediato, pois é um suicídio inútil aceitar ser um governo minoritário perante a constante incerteza sobre a questão de se saber se a concertação de hoje se converte ou não amanhã numa ruptura, ao sabor dos humores ou das conveniências dos partidos da oposição. Caberá então à actual maioria parlamentar de obstrução decidir se que quer ser uma maioria de governação, ou se prefere conformar-se com as eleições tão depressa quanto possível.

O que o PS não pode admitir é uma responsabilidade política global na constância de uma guerrilha mediática e institucional, onde desaguam todas as cumplicidades , que mina de caso pensado a credibilidade de Portugal, na sofreguidão de imputar ao PS a exclusividade da culpa, por tudo o que de negativo acontecer, sem renunciar a ostentar uma partilha de méritos, por tudo o que de positivo ocorrer.


Não menosprezemos a qualidade do Dr. Jardim como barómetro político, aprendamos a olhar para a coisa política como ela objectivamente vai sendo. A sua defesa do que ele curiosamente chama “compromisso histórico”, nos termos em que é feita está muito longe de se poder reduzir a uma simples “boutade”.


E precisamente, por poder vir aí um tempo em que teremos que ser sozinhos oposição a um governo “canguru”, não posso deixar de estranhar que a actual direcção do PS se conforme com o estado de adormecimento político em que deixou cair o Partido. É como se no horizonte se prometesse uma batalha, ao mesmo tempo que num dos exércitos o estado-maior continuasse fechado no quartel-general, talvez desenhando planos, mas esquecendo que os soldados impacientes não sabem, entretanto, o que hão-de fazer. E na política a luta pode ser de baixa ou de alta intensidade, mas nunca pára, por completo.

2 comentários:

jgama disse...

As oposições, concretamente as da esquerda, dirão que não fazem aliança com a direita; neste último episódio é como se fossem em viagem na mesma estrada, com duas faixas de rodagem, no mesmo sentido, e a esquerda gritasse: alto lá, nós circulamos pela esquerda!
De resto, não podemos estranhar que, quer à esquerda quer à direita, se pretenda o enfraquecimento do PS, pois cada dirigente desses partidos pensará que a redenção virá com a vitória das suas causas. O que é mais estranho é que o PS e os seus dirigentes contribuam para o seu próprio enfraquecimento.

Anónimo disse...

Não concordo que quer à esquerda , quer á direita não seja de estranhar que se pretenda o enfraquecimento do PS.

Ou melhor, só concordaria se as forças que repartem a esquerda com o PS tivessem alguma hipótese de se instituirem como pólo de poder alternativo autónomo, o que manifestamente não acontece.
Desistiram objectivamente da via insurrecional, e estão distantes de poderem almejar em tempo útil a uma maioria parlamentar.

Pelo que , ou conseguem ser um outro tipo de oposição, ou por pouco ou nada que o desejem subjectivamente, tenderão cada vez mais objectivamente a serem simples instrumentos de combate da direita.