Recebi do Júlio Mota o texto que abaixo transcrevo. Informa-nos sobre mais uma etapa da notável sucessão de iniciativas que, ele próprio a Margarida Antunes e o Luís Peres Lopes, têm levado a cabo nos anos mais recentes. Mas se os méritos dessas realizações se impõem objectivamente, sem sequer precisarem já de ser mencionados,não devemos desconsiderar o texto transcrito em si próprio. De facto, para além de contextualizar e de mostrar o sentido desta nova sessão do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC, ele vale por si como um contributo crítico que merece ser lido com toda a atenção. O tema do ciclo deste ano é Economia Global e os Muros da Repartição do Rendimento. Esta sessão terá como tema específico A União Europeia, os Muros da Repartição e a Exclusão Social e como seu suporte o filme 93.
Apenas uma observação. Compreendendo o contexto circunstancial e aceitando como legítima a via seguida, penso que é cada vez mais urgente ir um pouco mais longe ou ser-se um pouco mais explícito, assumindo a complexidade acrescida daí resultante. De facto, diz-se no texto : "Neoliberalismo ou social-democracia, o debate está aberto e é neste debate que se irão situar estas conferências. As duas vias são objectivamente opostas, produzem efeitos sensivelmente diferentes, conforme o “equilíbrio” encontrado opere a favor da primeira ou da segunda destas duas vias". Não contesto, mas gostaria de ver este contraponto integrado num outro mais fundo: capitalismo ou socialismo. Sem excluir uma outra forma de exprimir esta última dicotomia: como aumentar as probabilidades de que o pós-capitalismo se inscreva num horizonte socialista ?
Mas vamos ao que interessa o texto a que me tenho estado a referir:
" O grupo de docentes da FEUC dinamizador e organizador (com a colaboração dos estudantes do Núcleo de Estudantes de Economia da FEUC) do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC vem com a presente dar a conhecer a realização da sexta sessão do Ciclo do presente ano, a decorrer sob o tema Economia Global e os Muros da Repartição do Rendimento, e que se realizará a 2 de Março.
A sexta sessão do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC é a iniciativa da Faculdade de Economia incluída na XII semana cultural da Universidade de Coimbra.
Esta sessão terá como tema específico A União Europeia, os Muros da Repartição e a Exclusão Social e como seu suporte o filme 93: Memória de um território, de Yamina Benguigui. Este filme será comentado por Sami Naïr, Joachim Becker, Carlos Fortuna e António Gama.
O documentário 93: Memória de um território é um pouco a história do departamento de Seine-Saint-Denis que se tornou, com o tempo, o sismógrafo das tensões sociais em França.
Fala-nos de uma história que vem de bem longe, uma história que põe em evidência a inépcia das decisões políticas que conduziram ao acantonamento de populações inteiras em verdadeiros guetos, a uma urbanização desumana concebida em termos de minimização de custos, a uma desindustrialização mal gerida que deixou ao completo abandono uma mão-de-obra pouco ou nada qualificada e os solos ultra-poluídos. Uma história que traça e regista erros de algum capitalismo apressado dos Trinta Gloriosos anos numa região industrial de referência em França, o Departamento 93, como as cidades construídas à pressa, as cidades dormitórios, as cidades guetos, as cidades de bairros pobres e mais tarde os bairros degradados.
A esta história somam-se as consequências económicas e sociais geradas pela dinâmica brutal das desigualdades em que assentou o neoliberalismo destes últimos 30 anos. É assim uma história baseada também na criação relativamente recente de desemprego em massa, de precariedade e de pobreza, e é assim a história da erosão do Estado Providência, temas estes que serão também o suporte do caderno de textos de apoio organizado para esta sessão.
O preço dessa erosão tornou-se evidente, de facto, já no fim do século XX e início do século XXI, com as violências urbanas na Inglaterra, em França, nos Estados Unidos, a expressarem o facto de os direitos sociais já serem claramente insuficientes para integrar cada homem numa sociedade onde a ideia de pertença social passa pela aptidão às conexões sociais, às solidariedades locais e nacionais, se não mesmo também globais. Dessas violências urbanas nos fala o filme, procurando dar-nos a lógica subjacente do descontentamento que elsa revelavam, mas estas violências, rapidamente estancadas, ninguém, ao nível das classes dominantes as quis ver e reparar. Em vez disso, estas classes dominantes trataram sim de dispor ao máximo de um capital social alargado e mostraram ser habilmente capazes de restringir os benefícios da sua utilização como vantagens para eles próprios, com consequência bem expressas na crise que estamos a atravessar.
Pode então estender-se que a resposta à crise actual passará, terá que passar, pela extensão generalizada da riqueza criada à parte “merecedora”, àqueles que dela têm sido sistematicamente excluídos. Ou melhor, trata-se de lhes voltar a dar de novo os meios de uma dinâmica económica e social, de trabalho, de pertença, de partilha. Trata-se de recriar sociedades entretanto desfiguradas. E este é um dos grandes desafios que as forças políticas, em particular as progressistas, terão que saber assumir nos próximos anos ou mesmo décadas e é desses desafios que os nossos conferencistas nos virão falar:
É destas histórias do capitalismo, é desses conflitos e destes desafios, é desta União Europeia que simultaneamente gera milhões de pobres e uma nova classe de assalariados, o precariato, que nos falará Sami Naïr, enquanto Joachim Becker nos falará da Europa de Leste, a quem nem o capitalismo lhes deram, e dos desafios que esta e a União Europeia enfrentam em conjunto.
Neoliberalismo ou social-democracia, o debate está aberto e é neste debate que se irão situar estas conferências. As duas vias são objectivamente opostas, produzem efeitos sensivelmente diferentes, conforme o “equilíbrio” encontrado opere a favor da primeira ou da segunda destas duas vias. No primeiro caso, os raros beneficiários, os utilizadores do capital social-,as multinacionais, os hedge funds, as sociedades de investimentos, bancos de investimento, bancos conmerciais, grandes negociantes de matérias primas e especuladores destes e de todos os outros mercados- não são passíveis de denúncia pelos outros, pelos excluídos na partilha do excedente económico que eles próprios criaram, e porque os maus resultados de cada um destes últimos são ideologicamente considerados não o resultado de más escolhas sociais ou colectivas, mas sim das suas decisões próprias e individuais de quem deve saber assumir o preço da liberdade que os mercados lhes conferem. Enquanto, no segundo caso os ganhos aparecem como a recompensa de um esforço partilhado para ultrapassar as fracturas da sociedade globalizada.
Não é assim que se perpetua, ao longo dos tempos, a distinção entre a desregulação dos mercados e a coordenação dos mercados, cada um com o seu “tempo” de acção e de gestão , onde o Estado deve aparecer afinal, como o senhor dos relógios,o relojoeiro, quem os afina para que no final tenhamos todos direito às mesmas horas? E este debate na sua matriz económica e social está também ele inscrito nesta sexta sessão, para a qual contamos com a vossa presença e solicitamos a sua divulgação.
Programa
Sessão 6: Os Muros da Repartição no Interior da União Europeia e os Mecanismos de Exclusão Social
2 de Março, 2010
Hora: 15 h
Local: Sala Keynes, Faculdade de Economia da Universidade Coimbra
Conferências:
Sami Naïr (Conselheiro de Estado em Serviço Extraordinário, Professor de Ciências Políticas na Universidade Paris VIII e Professor-Investigador Convidado da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha).
Joachim Becker (Instituto para a Economia Internacional e Desenvolvimento, Universidade de Viena de Economia e Gestão)
Comentários de
Carlos Fortuna (FEUC/CES)
António Gama (FLUC)
Debate
Hora: 21 h 15 min
Local: Teatro Académico de Gil Vicente
Documentário
93, Memória de um território, Yamina Benguigui, 2008, França.
Comentários e debate:
Sami Naïr
Joachim Becker
Carlos Fortuna
António Gama. "
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