domingo, 28 de fevereiro de 2010

A jarra quebrada


Na esquerda, desde sempre se confrontaram posições entre si diferenciadas. Em alguns períodos o confronto atravessou até fases dramáticas, mas mesmo então talvez tenha havido sempre a perspectiva de uma reaproximação futura. E nesses períodos a intensidade da crispação, em regra, subiu mediante forte impulso de grandes dinâmicas e clivagens internacionais.

Hoje, não nos chega de fora qualquer estímulo comparável para o encarniçamento dos confrontos, no seio da esquerda. No país a conjuntura política não é dramática, embora a situação económica e as suas sequelas sociais sejam preocupantes. Nada disso, contudo, justificaria, por si só, uma crispação como a que hoje se vive.

E pode perguntar-se : se chegasse a um acordo, uma coligação PCP/BE teria, no horizonte de uma década, alguma probabilidade de chegar a uma maioria parlamentar? O PS já conseguiu essa maioria. Qual a probabilidade de a repetir, na próxima década? Parece claro, que é mais provável uma resposta reconfortante para o PS, do que para os outros dois partidos.

Mas, se a ruptura entre estes dois campos for realmente irrecuperável, pode estar tranquila a direita, durante muitos e muitos anos. E não deixo de estranhar que, sendo um dos grandes desígnios estratégicos da direita portuguesa inviabilizar coligações do PS com o PCP e o BE, estes dois partidos, sabendo disso, aceitem ser actores estrategicamente subalternos da grande cruzada contra Sócrates e o PS que a direita está a protagonizar. Estranho, porque, como tenho dito, se essa cruzada dizimar realmente o PS em termos políticos e eleitorais, entre as vítimas duradouras desse hipotético desastre estaria sempre a esmagadora maioria dos eleitores desses dois partidos de esquerda.

Compreendo que no ambiente de crispação já instalado seja difícil, a cada um de nós, medir com rigor, até que ponto está a passar os limites politicamente aceitáveis, à luz dos seus próprios desígnios estratégicos. Talvez nos pudéssemos ajudar a nós próprios, se cada um de nós conseguisse tomar apenas as posições públicas, susceptíveis de se traduzirem em acções ou em processos políticos realistas, em cujos objectivos cada um se reconhecesse.

As metáforas são expressões imperfeitas na descrição da realidade, mas quase sempre sugestivas. Dentro desses limites, podemos comparar a convivência política, no seio da esquerda, a uma jarra de cristal. Uma vez quebrada , não mais se recomporá.

E que não haja ilusões , se isso vier a acontecer, de pouco adiantará encontrar culpados. O que aliás será difícil, pois cada um há-de, convictamente, imputar todas as culpas aos outros lados. Aliás, de um modo ou de outro, mesmo que se viesse a apurar um culpado, o que seria improvável, a jarra não voltaria a ficar inteira.

6 comentários:

Anónimo disse...

Já aconteceu!

A esquerda a pensar na esquerda tal como a querem pintar, já foi, como agora se diz.

Aconteceu da 1ª Internacional para a 2ª Internacional, como desta para uma 3ª Internacional.

A 4ª Internacional "inconclusiva" anda por aí a apanhar os trapos das outras.

Como ainda há dias alguém apareceu por aí a proclamar uma 5ª Internacional...Fico naquela do "haver vamos como dizia o ceguinho do Pinhal Novo"

A unidade da esquerda, (mas quais esquerda?) passa pela ideologia e uma pratica sensível e racional objectiva e de verdade. Estou seguro disso!

E essa ideologia tem, futuramente, de se demarcar de quaisquer compromisso com a direita.

As radicalidades dos partidos ditos de esquerda têm de prefazer uma engenharia política e humana de forma que não haja jamais partidos ditos de esquerda a governarem à direita ou simplesmente com a mão da direita...

É triste, para quem viveu as jornadas gloriosas do 25 de Abril, assistir hoje à tirania dos novos ricos.

È triste verificar a nível internacional políticas viradas para a guerra implementadas por partidos "socialistas" e alguns "comunistas"

Quero crer que há possibilidades não remotas de aprofundar o conhecimento do que é ser de esquerda e do que não é.

Já não tenho idade para assistir a isso. Mas tenho idade suficiente para combater a ignorância de certos dirigentes, a soberba esquerdista e a tacanhês ou o medo das bases desses partidos ditos de esquerda.

Até aqui cada partido de esquerda
tem o seu congresso, a sua convenção.
E o povo de esquerda quando o fará!

Aveiro e S. Pedro de Moel não deixaram marcas nenhumas?

As jornadas republicanas foram só "Lírios do Campo"?
Vamos lá a ver..!
De "O Catraio" com respeito

Carta a Garcia disse...

Caro Rui,
Excelente post.
Fiz link para "A Carta a Garcia".
Obrigado.Abraço.
OC

Anónimo disse...

Calma! Não vamos já para a politica á Americana com 2 partidos ou seja o Bloco Central eternizado. Ao menos o BE e o PC e de certa maneira o CDS, sempre arranjam umas zangas, mais ou menos sérias, entre o PS e PSD que nos dão a ilusão de que o dito Bloco Central tira férias por instantes.
MAs nao se assustem, não há jarra de cristal em politica. Vejo cada cambalhota de um dia para outro.

Raimundo Narciso disse...

Caro homónimo RN muito bem. belo post. A situação está muito preocupante. Trata-se dos mecanismos políticos da governação numa situação de dificuldades económicas e financeiras e trata-se da questão central: apropriação de riqueza. Está muito mal distribuida em Portugal. Li com muito interesse no livro do Paul Krugman "A Consciência de um Liberal" que Roosewelt a seguir à grande crise de 29 aproveitou o ensejo e criou a classe média dos EU colmatando o fosso entre uma classe riquíssima e uma esmagadora maioria na pobreza com alguns instrumentos de uso corrente. Impostos de vária ordem muito, mas muito progressivos. E diz que a partir dos anos 80 a partir de Reagan a grande desigualdade do princípio do sec. XX foi recriada. Em Portugal é necessário e urgente redistribuir a riqueza. Sem ter de ir à antiga Moscovo. Indo aos EUA de Roosevelt. Obama talvez quisesse mas não me parece que consiga.
Abraço

Anónimo disse...

Caro Raimundo, gostei sinceramente do seu comentario, mas que não fique implicita qualquer comparaçao entre Rossevelt e Socrates pois isso ofenderia qualquer um, até o Socrates.

Raimundo Narciso disse...

Caro anónimo das 16,20 mas como poderia comparar uma coisa e outra se os resultados estão à vista e apresentam-se tão dissemelhantes?
Apenas manifesto uma ambição. Aumentar o nº dos querem outra repartição de riqueza. O problema é que os "barrigas ao sol" desconhecem muito mais o que poderão ganhar do que os muito ricos sabem o que podem perder.