segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Aprendizes de feiticeiro


1. Uniram-se numa tempestade política, para tentarem fragilizar o actual primeiro-ministro, secretário-geral do PS. Uma estranha mistura, de magistrados imprudentes, de jornalistas sôfregos, de fazedores de opinião radicados nas oposições, ao lado dos partidos políticos que as representam, lançou um alarido público, onde abundaram alegações não provadas e uma catadupa de insultos, concentrada numa pessoa e num Partido, como há muito não via. Os mais frontais atacam sem rebuço, os mais hipócritas insultam dizendo que só querem saber.


Um imbecil qualquer chegou mesmo a mostrar numa estação televisiva um carimbo “VISADO PELA CENSURA” usado no salazarismo, como ilustração da existência de uma providência cautelar metida por um particular numa instância civil. Mas, pior do que isso, um dirigente de um dos partidos da oposição também resolveu publicamente imputar culpas políticas ao governo por mais esse atentado à liberdade de informação que essa providência cautelar representaria, afixando no rosto uma gravidade de grandes ocasiões. Não há desculpa, para alguém responsável politicamente que desça a um tal nível de mistificação que não pode deixar de ser consciente. Assim, corremos o risco de, no campo da luta política, virmos a cair no grau zero da decência e de atingirmos o ápice da desonestidade intelectual.


Várias outras figuras públicas, também com responsabilidades políticas, não se inibiram de afirmar publicamente que este governo não tinha condições para continuar, exigindo inquéritos parlamentares, béu-béu-béu, béu-béu-béu. Houve mesmo um conselheiro de estado que, associando-se à lancinante uivação colectiva, teve o desplante de indicar os nomes entre os quais o PS poderia escolher o substituto de Sócrates, à frente do Governo.


Sublinhe-se que esta campanha de hostilidade para com o PS tem sido acompanhada por uma total incapacidade, por parte de quem a integra, de se assumir como solução alternativa ao governo contra o qual combate. Ou seja, as oposições e os seus "chiens de garde", por um lado, comportam-se como se quisessem que o governo do PS caísse, por outro, mostram ter consciência de que não há nenhum outro governo possível, no actual quadro parlamentar, dada a sua própria incapacidade para o gerarem.


Não é assim? Se não é assim, para quê tanto barulho? Basta apresentarem uma simples moção de censura e transformarem a vossa maioria de bloqueio num maioria de governo. Não são capazes? E que culpa tem o PS da vossa inconsistência? Nenhuma, por isso, nem pensem que, alguma vez, vos deixaremos decidir quem nos deve liderar, quem nos deve representar no governo.


Tenho dito, repetidamente, neste blog: nunca apoiei Sócrates em nenhum Congresso do PS, mas nem me passa pela cabeça admitir que nos venham dizer de fora do Partido quem o deve substituir. Se querem outro governo, formem-no. Se nem querem este governo, nem são capazes de gerar uma alternativa, vamos para eleições.


E repito: na Comissão Política que discutisse essa questão, se ela se viesse a pôr, seria absolutamente contra qualquer substituição de um primeiro-ministro do PS, por outro, sem novas eleições.

Os jornais falam nuns alegados resmungos internos mal identificados que mostrariam que, dentro do PS, se estaria a discutir a hipótese levantada pelo improvável duo Jardim-Capucho. Cheira-me a boato provocatório.


Mas se, por absurdo, o não fosse, muito estranharia que quem se acomodou ao silêncio no último congresso, deixando-nos sozinhos em torno de uma moção alternativa, tendo então tomado a defesa entusiasta de Sócrates e da sua moção, desembainhe, agora, no veludo dos corredores, o punhal insidioso do resmungo crítico.


2. Já depois de ter escrito as linhas anteriores, vi na televisão um sujeito, com ar de trauliteiro suave, dizer com aparente subtileza, que, quando do interior do PS se reagia à campanha miserável que o tem vindo a enxovalhar, desafiando-se os promotores dessa campanha a apresentarem uma moção de censura, se estava apenas a usar a oposição para obrigar Sócrates a dizer não sei bem o quê.

Acontece que essa distorção grosseira do óbvio está longe de ser uma subtil habilidade retórica de um político arguto; é, pelo contrário, uma manifestação inequívoca e objectiva de uma profunda desonestidade intelectual. E é essa ave que ameaça vir a liderar o maior partido da oposição.

1 comentário:

JGama disse...

Subscrevo o teu texto, Rui. Só nos faltava que um governo fosse substituído pela pressão indecente de certa comunicação social que, de forma totalitária, pretende substituir os cidadãos. O coro das oposições é outro sinal de que a política não está a ser feita com jogo limpo. Para além do que é visível e pode ser dito, parece haver muita coisa no ar que esconde o que ainda não será visível e ainda não é possível dizer. Os poderes fácticos que não controlamos democraticamente (e que nem terão Pátria) estarão novamente a movimentar-se? Que estranhos ciclos de ataque ao PS!
No entanto, como podemos ficar tranquilos com tão espertos e precoces administradores, pelos vistos a exercer funções com total aval político por parte de quem os deveria conhecer bem?
Que cuidado político estamos a ter com a "respública"?
Cada um de nós nunca poderá prever com total certeza se alguma pessoa em quem confiamos entra em fraqueza de comportamento. Mas há casos e situações que parecem ser inqualificáveis.