sábado, 27 de fevereiro de 2010

Governo de Jornalistas


Aqui vai, com autorização sua, mais uma crónica do J.L.Pio Abreu, publicada como mais um afloramento do seu Estranho Quotidiano, que desta vez assumiu, no Destak de 25/2/2010, o rosto de uma proposta muito peculiar, um

Governo de jornalistas.


Depois do que tem acontecido, dei por mim a pensar no que seria um governo de jornalistas. Os governantes seriam conhecidos, quase íntimos, já que nos entram todos os dias pela casa dentro. O contacto diário com os cidadãos permitiria explicar e fazer aceitar as suas políticas. Nem teriam oposição, pois esta só poderia transmitir as suas mensagens através dos jornalistas, ou seja, através do governo.

Dir-se-á que os jornalistas são plurais nas suas opiniões e, por isso, não formariam um governo homogéneo. Mas o que se vê é que facilmente se põem de acordo uns com os outros. Defendem acima de tudo a liberdade de dizer o que lhes apetece sobre quem quiserem, um direito que lhes assegura a eficácia, pois qualquer opositor se pode transformar em bode expiatório.

Um governo de jornalistas podia poupar recursos. Trataria da saúde pela televisão, como se fez com as epidemias de gripe, e faria uma telescola que dispensasse os professores. O pesado e dispendioso aparelho de justiça seria substituído pelos julgamentos públicos sumários. Teriam apenas de manter polícias que fizessem escutas e outras invasões da privacidade, e talvez uns magistrados que escrevessem obras de ficção com impacto popular.

Um governo de jornalistas só teria um problema. Como eles não fazem auto-crítica, não diriam mal do governo, arriscando-se a ficar sem audiência. Sem audiência não teriam emprego e, portanto, não haveria jornalistas para formar governo. Ou seja: um governo de jornalistas tornaria impossível a existência de um governo de jornalistas.

[J. L. Pio Abreu]

1 comentário:

JGama disse...

Excelente este apontamento do Pio (como, aliás, todos os outros). Perante este "Estranho Quotidiano" qualquer mestre de lógica se sentiria um aprendiz.