Podia também dizer, os nomes e as coisas, ou revelar-me, à procura das palavras perdidas. De um ou doutro modo, é talvez de um mistério que se trata. Ou alguém, na ânsia de salvar algumas das "coisas", lhes escondeu os "nomes".
De facto, se existisse um dicionário das palavras perdidas, ter-nos–ia dado conta de três desaparecimentos: nos subtis labirintos do discurso ideológico, extraviou-se o capitalismo, extraviaram-se os patrões e extraviaram-se os trabalhadores.
Quanto ao capitalismo, alguém o procurou apagar radicalmente, recusando-lhe a emergência de um sinónimo, por mais eufemístico que fosse. Deu-se força ao fenómeno da globalização, sublinhando-lhe fortemente a novidade. Sorrateiramente, reduziu-se a economia de mercado ao capitalismo, fingindo sempre que este nunca existira, tendo passado a colar uma imagem de arcaísmo aos incautos que deixassem regressar, mesmo que esporadicamente, a palavra escondida.
Quanto aos patrões, cobriu-se de uma oportuna neblina o seu lado de poder e empolou-se a vertente de criatividade e de iniciativa, passando a colar-lhes o nome de empreendedores, empresários ou de empregadores. Os velhos senhores, instalados no seu poder, na sua riqueza e nos seus privilégios, passaram a poder repousar mais tranquilamente nessa nova penumbra. Empregadores, sublinha-se: para que fique claro que são eles, e apenas eles, os generosos geradores de emprego, a quem os empregados devem ficar eternamente gratos e o poder público servilmente reconhecido. Greves? Lutas dos trabalhadores, por melhores salários e melhores condições de trabalho? Reivindicações? Tudo resquícios arcaicos de outras palavras.
Quanto aos trabalhadores, como actores subordinados num drama de que não são autores, como vendedores da única mercadoria sua a que se atribui valor nesta sociedade, foram envoltos numa generosa névoa, retirados do mundo frio das mercadorias, para serem acolhidos na calorosa esfera da colaboração produtiva. Os trabalhadores esvaíram-se e chegaram prazenteiros os colaboradores. Uma corporação idílica afirma-se no horizonte entre os generosos ex-patrões e os plácidos ex-trabalhadores.
Os nomes foram assim subtilmente trocados. E as coisas ? Bom, na verdade, as coisas parecem estranhamente resistir, continuando a funcionar como se nunca tivessem deixado de ser aquilo que as deixaram de chamar. E esse é o problema: a teimosa realidade, na sua desfilada indiferente, continua insensível ao ocultismo manhosos dos ideólogos.
Curiosamente, quando se julgaria que o capitalismo é um fantasma que apenas vive na imaginação dos arcaicos, tudo parece indicar que nesse campo quem verdadeiramente nada tem de virtual, nada tem de fantasma, é apenas o capitalismo.
Quanto às outras duas palavras, recorramos a Eça, com a segurança com que se recorre aos verdadeiros mestres e digamos, sem a sobriedade e a elegância de não nos repetirmos:
1º- Sob o manto diáfano dos empregadores, a nudez forte dos patrões.
2º- Sob o manto diáfano dos colaboradores, a nudez forte dos trabalhadores.
Nesta palavras perdidas, é natural que a direita encontre o seu ilusionismo estrutural, mas que à esquerda um certo enviesamento mordernaço, pimpão e seguro de si, reconheça neste ilusionismo a sua marca, é algo que me deixa perplexo.
Poderíamos lembrar o insuspeito Bossuet, a que recorri, quando escrevi na parede da minha "república", nos idos dos anos 60, a frase seguinte que aqui transcrevo de memória :
“ Não há pior desregramento do espírito do que tomar a realidade por aquilo que gostaríamos que ela fosse “.
4 comentários:
Como habitualmente, um belo e pertinente texto. Outra expressão que praticamente desapareceu foi a "luta de classes". Mas essa parece que desapareceu da própria realidade, ou pelo menos da sua ribalta. Hoje as lutas que ocupam a ribalta são as de polícias, procuradores e juízes, sempre apoiadas pelo PC, contra o Governo do PS. Serão aqueles a nova "vanguarda do proletariado"? E será o PS o novo "patronato"?
Isto anda mesmo muito confuso!
Caro Horta Pinto,
Não há luta de classes, não vanguarda do poletariado, existe sim a luta e a vanguarda do individualismo. Os policias, etc formam ajuntamentos temporários em prol da satisfação dos interesses pessoais circuntânciais. Depois destes estarem satisfeitos, essas formas desaparecem tal como apareceram.
RN entra na conversa:
1. A configuração das classes pode estar em mutação, os seus limites podem atravessar um período de maior fluidez, mas imaginar que numa sociedade com tão acentuadas diferenças sociais as classes sociais desapareceram parece-me de difícil sustentação.
2. Se o modo como se relacionam nas sociedades capitalistas do século XXI se caracteriza predominantemente como luta ou como conciliação, é um outro problema.
Ignorar que os patrões e os trabalhadores têm interesses conflituais parece pura misitifcação. Ignorar que pode ser do interesse de todos que essa conflitualidade possa ser contida através de estratégias de negociação compromissória, de modo a não inviabilizar o próprio processo produtivo, parece-me uma perigosa miopia política.
O problema está em saber até onde se deve sacrificar a parte mais fraca, em prol dos interesses da parte mais forte, sendo certo que a primeira arrisca a subsistência, enquanto a segunda, em última instância, arrisca a exuberância do supérfluo.
3. Carimbar, como individualistas, dinâmicas colectivas que atingem amplos sectores de vários grupos sociais de base profissional, parece-me cegueira pura e simples.
É certo que isso não converte esses grupos sociais em classe operária, mas não podemos deixar de valorizar o facto de se mobilizarem em nome de condições e remunerações do seu trabalho. Esses focos de incêndio podem ser insuficientes "para incendiarem toda a pradaria", mas podem suscitar sinergias que se mantenham adormecidas, até aparecerem inesperadamente em qualquer conjutura mais dramática, numa eclosão imprevisível.
Por exemplo, podem sancionar eleitoralmente o seu partido "habitual" se ele for autor de uma política dessas.
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