terça-feira, 15 de abril de 2008

Os últimos são os primeiros !



Era uma vez um país muito contente, onde aconteciam muitas eleições.


Um dos partidos mais concorrentes, com largas tradições na vida do país, tinha, por isso mesmo, muitos notáveis. Havia os notáveis realmente notáveis, os notáveis de bicos de pés, os notáveis de sindicatos de votos, os notáveis para a mamã e para o papá e até os auto-notáveis, que alguns achavam um tanto narcisos. Dizer que eram muitos é, por isso, pouco. Eram imensos.

Eis se não quando foi dada a tarefa de fazer as listas de candidatos a um famoso ilusionista.Ágil, finório, esperava desembaraçar-se da tarefa com uma perna às costas.


Em breve, se desiludiu. Em poucos dias, os potenciais candidatos aos lugares cimeiros empanturravam irremediavelmente a lista. Se todos pudessem ficar nos primeiros quatro ou cinco lugares numa multiplicação sem fim que deixasse desertos todos os outros, numa espécie de ex-aequo sem limites, tudo se resolveria. Mas fazer descer um notável para baixo do sétimo, ou mesmo ( desgraça das desgraças) abaixo do décimo, seria um verdadeiro terremoto político.

O irrequieto ilusionista andava murcho, não dormia, perdera o apetite, tinha acessos de fúria.

Uma noite , já de madrugada acabou por adormecer exausto e desanimado.
Foi então que lhe apareceu em sonhos um sujeito bem vestido com um fato antiquado, cara rapada e fala subtil, que lhe disse.

"Se os notáveis se convencerem que os lugares de honra são os últimos, estás salvo. Correm para o fim da lista e deixam-te fazer em paz a lista que quiseres."


O nosso ilusionista acordou bem disposto, lembrando-se muito bem do sonho que tivera. Aliás, mais tarde haveria de encontrar ( sem espanto), numa gravura antiga, o sujeito com que sonhara. E pensou para consigo : "Logo vi. Sonhei com o Maquiavel."

Começou então uma lenta caminhada para a nova arte de fazer listas .

Uma exclamação aqui. Uma sugestão ali. Um elogio hoje . Uma palmada nas costas no dia seguinte. Até que, numa reunião que viria a ser decisiva, o ilusionista explodiu:
“ O nosso Partido tem memória. Honra os seus notáveis. Não esquece o que todos lhes devemos. E é por isso que, desta vez, reservámos na lista para eles, os lugares de honra. Os lugares que marcam verdadeiramente uma lista, aqueles que representam os seus alicerces, a solidez que suporta e dá força aos que ficam nos primeiros lugares , frente ao inimigo."

Um dos notáveis, sujeito fino e algo manhoso, teve uma estranha sensação de estar a ser levado que não conseguiu perceber por completo, hesitou ainda. Mas, perante o contentamento beato de todos os outros, acabou por deixar também mostrar-se toda a sua alegria e todo o seu reconhecimento.

Desde então foi muito mais fácil fazer listas : os notáveis acumulam-se nos últimos lugares deixando os topos para os que se assumem como modestos principiantes, aceitando estoicamente o incómodo e o sacrifício de ocuparem os primeiros lugares nas listas.

E foi assim que um ilusionista sonhador inventou um método de conciliar politicamente a muita importância com os poucos lugares.

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