Era uma vez um coelhinho muito malandro. Os coelhões mais velhos seduzidos pelo seu verbo saltitante acharam-lhe piada e levaram –no para a Assembleia da República. O coelhinho cresceu, ganhou gorduras, foi gastando a surpresa que costumava rodear o seu verbo fácil, até que um dia foi surpreendido por dois, três, quatro coelhões, que com um bocejo de tédio responderam a uma das suas brilhantes ideias.
Uma ligeira névoa de preocupação começou a toldar-lhe a tranquilidade. Eis se não quando, o coelhinho, já um pouco coelhote, soube de uma presidência de Câmara Municipal que se lhe vinha oferecer como um alvo fácil.
Os habituais detentores da maioria camarária vinham sendo sangrados de eleitores, ano após ano, os que costumavam vir logo após apresentavam para candidato um quase Zé-ninguém sem notoriedade, sem fortuna, aparentemente desprovido da aura política de uma boa cepa. No que julgou ser um golpe de asa, o coelhote deu um passo em frente.
Em breve, se sentiu saboreador de vitórias. Foi mesmo à televisão numa pose omnipotente e voraz que reduziu os seus concorrentes à condição modesta e penosa de irremediáveis vencidos antecipados. E o desejado dia da vitória anunciada irrompeu irresistível e solar como se também ele celebrasse a glória de um coelhote já sem limites.
Porém a bruxa má do destino (ou se preferirem, a deusa fugidia da política) acordou mal disposta. Num golpe que terá sido de vassoura, seco e certeiro, evaporou radicalmente a vitória do coelhote, que assim se viu de novo reduzido ao papel triste de modesto coelhinho, apenas loiro.
Amargurado, mas decidido, resolveu inventar para si um deserto político adequado. Afivelou uma pose grave e compassada, passando a falar mais lentamente, e cometeu a ousadia de uma rentável carreira empresarial que gostosamente foi percorrendo, enquanto ia aferventando pacientemente umas ideias. Ia assim preparando o dia em que, caminhante temperado, sairia do deserto para modestamente colher o espanto dos mortais, ascendendo assim, de uma vez por todas, ao solene patamar de coelhão.
Descansava ele num oásis de circunstância, quando rebentou a notícia de que um João Semana vindo do norte metera no bolso um fogoso político ainda que ligeiro, que há muito dava cartas na capital do Império. O coelhinho (agora coelhote) teve um baque, sentiu mesmo um frémito de luz nos recantos da alma. Ao longe, bruxuleou mais forte a hipótese de um destino.
E quando, passado algum tempo, o servidor de Esculápio se começou a emaranhar numa floresta de dislates, distribuindo gaffes como quem come tremoços, sentiu que a sua hora se começava a aproximar.
Por intermédio de uma tia segunda, do lado de sua mãe, que era cunhada de um primo direito de um apresentador de uma estação televisiva, conseguiu ser chamado a um programa de grande audiência, para dizer de sua justiça.
Sentou-se com a pose, a um tempo decidida e humilde, de quem aprendeu com a vida, compassando as respostas com uma generosidade, só ao alcance dos grandes espíritos. Era um pensador tranquilo que oferecia aos mortais a luminosidade forte das suas propostas.
Mas quando das profundezas da sua alma política julgava retirar as sólidas ideias que construíra no deserto, já temperadas pelo avisado senso comum da experiência que julgava robusta, ia de facto debitando, embora gravemente, a mais previsível vulgata neo-liberal, que uma certa lentidão sorumbática tornava quase patética.
Passado o primeiro momento de surpresa o entrevistador revelou-se abismado. Via à sua frente um coelhinho, tirando-se a si próprio de uma inesperada cartola, pretendendo anunciar sem ironia o que seria este país, quando o actual governo se afundasse de vez. Tendo-se desembaraçado, entretanto, do antes luzidio João Semana, ascenderia ele finalmente ao doce palácio do poder. Quiçá assombrado com o que ia ouvindo, o locutor ousava de quando em vez a sombra de uma objecção. Como um elefante numa loja de brinquedos o coelho atrevido passava o país a ferro.
Como um “talon” da política o coelhinho ameaçava emagrecer o Estado, esmagar os impostos, minguar drasticamente as contribuições para a Segurança Social. As frases saiam-lhe fogosas e leves. Mas se estivesse a ouvir, o país estaria a tremer.
Uma ligeira névoa de preocupação começou a toldar-lhe a tranquilidade. Eis se não quando, o coelhinho, já um pouco coelhote, soube de uma presidência de Câmara Municipal que se lhe vinha oferecer como um alvo fácil.
Os habituais detentores da maioria camarária vinham sendo sangrados de eleitores, ano após ano, os que costumavam vir logo após apresentavam para candidato um quase Zé-ninguém sem notoriedade, sem fortuna, aparentemente desprovido da aura política de uma boa cepa. No que julgou ser um golpe de asa, o coelhote deu um passo em frente.
Em breve, se sentiu saboreador de vitórias. Foi mesmo à televisão numa pose omnipotente e voraz que reduziu os seus concorrentes à condição modesta e penosa de irremediáveis vencidos antecipados. E o desejado dia da vitória anunciada irrompeu irresistível e solar como se também ele celebrasse a glória de um coelhote já sem limites.
Porém a bruxa má do destino (ou se preferirem, a deusa fugidia da política) acordou mal disposta. Num golpe que terá sido de vassoura, seco e certeiro, evaporou radicalmente a vitória do coelhote, que assim se viu de novo reduzido ao papel triste de modesto coelhinho, apenas loiro.
Amargurado, mas decidido, resolveu inventar para si um deserto político adequado. Afivelou uma pose grave e compassada, passando a falar mais lentamente, e cometeu a ousadia de uma rentável carreira empresarial que gostosamente foi percorrendo, enquanto ia aferventando pacientemente umas ideias. Ia assim preparando o dia em que, caminhante temperado, sairia do deserto para modestamente colher o espanto dos mortais, ascendendo assim, de uma vez por todas, ao solene patamar de coelhão.
Descansava ele num oásis de circunstância, quando rebentou a notícia de que um João Semana vindo do norte metera no bolso um fogoso político ainda que ligeiro, que há muito dava cartas na capital do Império. O coelhinho (agora coelhote) teve um baque, sentiu mesmo um frémito de luz nos recantos da alma. Ao longe, bruxuleou mais forte a hipótese de um destino.
E quando, passado algum tempo, o servidor de Esculápio se começou a emaranhar numa floresta de dislates, distribuindo gaffes como quem come tremoços, sentiu que a sua hora se começava a aproximar.
Por intermédio de uma tia segunda, do lado de sua mãe, que era cunhada de um primo direito de um apresentador de uma estação televisiva, conseguiu ser chamado a um programa de grande audiência, para dizer de sua justiça.
Sentou-se com a pose, a um tempo decidida e humilde, de quem aprendeu com a vida, compassando as respostas com uma generosidade, só ao alcance dos grandes espíritos. Era um pensador tranquilo que oferecia aos mortais a luminosidade forte das suas propostas.
Mas quando das profundezas da sua alma política julgava retirar as sólidas ideias que construíra no deserto, já temperadas pelo avisado senso comum da experiência que julgava robusta, ia de facto debitando, embora gravemente, a mais previsível vulgata neo-liberal, que uma certa lentidão sorumbática tornava quase patética.
Passado o primeiro momento de surpresa o entrevistador revelou-se abismado. Via à sua frente um coelhinho, tirando-se a si próprio de uma inesperada cartola, pretendendo anunciar sem ironia o que seria este país, quando o actual governo se afundasse de vez. Tendo-se desembaraçado, entretanto, do antes luzidio João Semana, ascenderia ele finalmente ao doce palácio do poder. Quiçá assombrado com o que ia ouvindo, o locutor ousava de quando em vez a sombra de uma objecção. Como um elefante numa loja de brinquedos o coelho atrevido passava o país a ferro.
Como um “talon” da política o coelhinho ameaçava emagrecer o Estado, esmagar os impostos, minguar drasticamente as contribuições para a Segurança Social. As frases saiam-lhe fogosas e leves. Mas se estivesse a ouvir, o país estaria a tremer.
O coelhote afagava com carinho os pobres capitalistas a quem prometia libertar da pesada exploração a que os vorazes trabalhadores os submetiam. Quebraria energicamente os seus luxos desmedidos e os privilégios insuportáveis que fruíam á custa do sacrificado patronato ao qual prometia afagar carinhosamente a magreza dos seus lucros, quebrando-lhea doce tristeza que sofria no aconchego das suas quintas e mansões . Seriam finalmente livres para arrastarem o país para um progresso sem fronteiras. O Estado ficaria reduzido à sombra de um velho esqueleto liberto desse anacronismo opressor que é o de proteger os desfavorecidos, beliscando ao de leve os benefícios dos poderosos.
O entrevistador atónito atrevia-se numa reserva e logo o coelhinho o esmagava com uma solução linear e simples. Tão simples que ninguém ousara ainda lembrar-se dela. Garantia com uma segurança quase melíflua que os pobres iam finalmente deixar de sobrecarregar injustamente os ricos, que generosamente se manteriam dispostos ao sacrifício da exacerbação dos seus lucros.
O antigo coelhinho, depois coelhote, era agora um coelhão impante, ameaçando com um sorriso beato todo o país. Na casa cor de laranja a que o coelho pertence , por um momento, hesitou-se entre a crispação e a indiferença.
E quando, no dia seguinte, o Dr. João Semana, o já referido chefe da casa, se olhou ao espelho como todos os dias e perguntou: “Espelho meu, há alguém a dizer mais dislates do que eu ?”
Contra o que há muito vinha acontecendo o espelho desta vez disse: “Há sim senhor: o coelho”.
“O coelho ? Qual o da Europa?”
“Não, homem de Deus, o Passos.”
Aliviado e satisfeito o Dr. João Semana enfrentou o novo dia com uma nova tranquilidade, já que enquanto houvesse coelhos daqueles não estaria sozinho.
2 comentários:
Não estarás a dar demasiada importância ao caçapo?!
Confusio:
Em terra de cegos, quem tem um olho de vidro é rei.
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