sexta-feira, 6 de março de 2009

A direita está nervosa. E nós ?


O cavaquismo foi encarado e vivido, pelo cerne da direita portuguesa, como um regresso ao seu lugar natural: o poder. Para ela, superado o hiato subsequente ao 25 de Abril, o qual sentira como preço pago pelo modo ditatorial como fora poder durante meio século, as coisas voltaram então ao seu devido lugar.

Por isso, se sentiu muito incomodada com os governos de Guterres, que pareciam toldar a sua certeza de uma presença perene no Governo. Regressada com Durão Barroso, ousou mesmo correr o risco Santana Lopes. Saiu-lhe a fava e foi derrotada em eleições de que se julgara a salvo.

Sócrates, começou por ser, para ela, um sonho mau, de que esperava acordar , o mais tardar quatro anos depois. A subida de Cavaco à presidência reconfortou-a e deu maior verosimilhança ao fim do seu pesadelo.

Ajudada por uma atitude algo crispada do governo, auxiliada pelas sequelas de um neoliberalismo em arrastada agonia, confortada pela inesperada consonância com uma oposição de esquerda amarrada ao imediatismo e desprovida de horizontes possíveis, a direita portuguesa pensou que lhe estava a ser estendida uma passadeira de aplausos para o seu regresso ao Governo.

Mas o partido, no seio do qual verdadeiramente se joga a hipótese desse regresso, o PSD, foi tardando em subir nas sondagens, foi devorando líderes, um após outro, tendo começado a toldar a confiança da direita no seu regresso ao poder de uma cadeia de sombras cada vez mais soturnas. O outro partido da direita, o CDS, que chegou a parecer em vias de extinção, parece retomar a respiração normal, afirmando a sua diferença pelo exacerbamento securitário de uma agenda ultra-conservadora. Terá já desistido de lutar por um lugar numa aliança de governo com o PSD , por duvidar que o seu parceiro tenha forças para a tornar possível.

E o que para a direita fora um pesadelo penoso, mas com fim à vista, passou a ter as cores alarmantes de uma provável continuidade.

De cabeça perdida, a Dama de Cinza que chefia o PSD já saiu dos carris do debate democrático, para resvalar para o terreno pantanosos da diabolização ética do Partido Socialista, conjugada com uma ridícula auto-promoção angélica.
Quando lhe assistia, naturalmente, toda a legitimidade para demonstrar o possível erro das posições contrárias, limita-se a qualificá-las grosseiramente como mentiras. Quando lhe assistia o direito de demonstrar o acerto das suas soluções, procura dotá-las da improvável aura de uma verdade sem mácula.
Dá, a si mesma, o monopólio de uma imaginária verdade que procura articular com o lançamento do anátema da mentira sobre os adversários. Encorajado pela chefe, o pernóstico líder parlamentar segue um registo paralelo. E mostrando bem como o PSD está a resvalar para uma agressividade dia a dia mais trauliteira, um há muito promissor e há longos anos “jovem deputado da província” resolveu insultar rasteiramente um deputado socialista, em pleno debate parlamentar, perante o embaraço televisível dos seus próprios companheiros de bancada.

Assombrada pelo fantasma de uma derrota nas próximas legislativas a nossa direita partidariamente organizada, principalmente o seu maior partido, esquece a crise, esquece o melindre da conjuntura que atravessamos, esquece o seu próprio verniz democrático e agita-se grosseiramente em sobressaltos de agressividade, que podem funcionar como gasolina no confronto dramatizado de uma política vivida em tempo de crise.

O PS não pode negligenciar esses sinais, nem reduzir a um mero risco eleitoral a intimidade crescente entre todas as oposições. Há que empreender um combate político estrategicamente sustentável, que incorpore não só, naturalmente, a luta contra os nossos adversários políticos, mas que abranja também um reexame em profundidade dos vectores estratégicos da nossa política e do nosso funcionamento como partido.
O desmoronamento do paradigma neoliberal implica muito mais do que simples correcções pontuais das políticas adoptadas ou da linguagem utilizada. Não é possível, por um lado, afirmar-se que a crise actual está para o neoliberalismo como a queda do muro de Berlim esteve para o modelo soviético; e, por outro lado, pensar-se que tudo o que se fez no governo e no partido antes da crise eclodir estava rigorosamente certo e que ao PS basta continuar a ser o que era antes.

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