Voltemos ao escrito anterior, já comentado por um amigo.
Fiquei impressionado com a barragem de artilharia demagógica de três seráficos representantes de partidos anões que trovejaram ontem numa das SICS. Com os seus registos ideológicos opostos, colocaram-se numa imaginária consonância profunda com o bom povo português, que como eles seria vítima dessa cambada de malfeitores que seriam os partidos políticos não vítimas de uma lei celerada. Um deles deixou até escapar um resmungo que insinuava a tenebrosa mão de Sócrates neste desmando, como se o Tribunal Constitucional fosse um pequeno grupo de escolares de leis às ordens do Primeiro-ministro.
Esses três mosqueteiros deixaram ali bem claro que nada os distingue qualitativamente do que apontam de negativo aos responsáveis por outros partidos, a não ser a natural diferenças de opções politico-ideológicas que se supões serem o suporte da diversidade partidária. A jornalista falava do assunto como se estivesse perante uma questão esotérica, completamente a reboque das vociferações dos dirigentes partidários com quem dialogava. Estes ferraram-se nas caneles dos partidos mais representativos, do Governo, da Assembleia da República e do Tribunal Constitucional, como rafeiros furiosos que tivessem fisgado velhos inimigos. E, no entanto, as coisas são por um lado mais simples e por outro mais complexas.
Em primeiro lugar, deve lembrar-se que as disposições legais, agora em causa, integraram as primeiras regras sobre partidos que se seguiram ao 25 de Abril, tendo sido apenas retomadas pela mais recente legislação sobre a matéria. Todos os partidos criados desde 1974 se regeram por elas. O espanto nunca poderá estar, por isso, no facto de o Tribunal Constitucional procurar fazer cumprir a lei, mas de só agora o fazer, quando esta diligência já seria abrangida pelas suas competências, pelo menos, há vários anos.
Em segundo lugar, deve lembrar-se que os partidos agora potencialmente atingidos não abriram a boca nunca, para protestar contra esta lei. E é ridículo que dêem a impressão que tinham o esquisito direito de que ninguém considerasse que uma lei vigente devia ser cumprida.
Em terceiro lugar, deve dizer-se que, em rigor, dentro de uma sã lógica democrática garantida constitucionalmente, o número de assinaturas que devem ser necessárias para legalizar um partido deve constar de um preceito constitucional, o mesmo devendo acontecer quanto ao número de militantes que se considerem suporte obrigatório da existência de um partido. Mas, se o legislador constituinte entender que tais limites não devem existir, não poderá ser o legislador comum a fixá-los.
Em quarto lugar, se for entendido que devem ser fixados índices objectivos de uma representatividade mínima, não para a existência legal de um partido , mas para o acesso a vantagens, bens ou direitos de natureza pública, eles nunca poderão ter por base a tentativa de diminuir os direitos políticos dos partidos mais pequenos, mas apenas impedir o aproveitamento das faculdades postas à disposição dos partidos políticos, para fins exteriores à política ou para mera chacota em face da política.
Concluindo, o Tribunal Constitucional agiu bem, embora com um imenso atraso, tornando-se claro que, varrer para debaixo do tapete as incongruências jurídico-constitucionais, nunca é uma solução real e definitiva de um problema. Os que se sentem lesados com a inconstitucionalidade da lei que invocaram contra eles têm apenas que accionar os mecanismos de defesa. Todos os que se calaram ( E foram mesmo todos . Mesmo os que agora gritam :«Ó da guarda!) reconheçam o erro e remedeiem-no com espírito democrático e respeito pela Constituição.
2 comentários:
O ex-Presidente Jorge Sampaio dizia que vivíamos num país suis generis:
As leis não eram para cumprir - eram meras referências...
È um problema, quando se dizem frases ligeiras sobre questões pesadas...
Chega um momento em que se vira contra o autor da frase o peso da sua ligeireza.
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