sábado, 22 de dezembro de 2007

As Máscaras do Dr. Menezes



Saiu da audiência com o Presidente da República com um andar de veludo, manso e subtil, como se pedisse desculpa por existir. Deixou o pescoço pender muito ligeiramente para o lado, num sinal de submissão.
Disse: "Dois mil e oito vai ser um ano muito difícil. Vamos ser uma oposição responsável. Não queremos agravar as dificuldades do nosso país."

A voz saíra quase ciciada como uma brisa de paz e de concórdia. Os jornalistas atónitos olhavam. Quem era aquele santo homem, saído da lista dos futuros santos ? Apenas um manso cordeiro perdido nos corredores acres da política ? Não. Era o Dr. Menezes, modesto, fiável, colaborante. Uma bênção para o Governo, um orgulho para qualquer oposição. Num passo sacerdotal com ademanes de humildade lá se encaminhou para o carro que o esperava.
A Engª Maria da Boavontade, coordenadora do gabinete de imagem para os maiores de 50 anos, exultava. Era exactamente assim: tinha que ser quase impossível distinguir o Dr. Menezes de um cordeiro, se possível sacrificial. Todas as avós tinham que ficar com vontade de lhe fazer suaves festas , num assomo de ternura. Não menos de dez por cento , era o que valia uma pose de tal gabarito.
O Dr. Menezes rumou ao Norte. Com os ares de Gaia , com a brisa falando-lhe do Douro, uma discreta tempestade germinava nas arcas mais remotas das suas intenções. À chegada aos Paços do Concelho, duas notícias: uma criança fora atropelada por um condutor embriagado; um amante ciumento matara o objecto da sua paixão com sete facadas.

Com um sorriso afiado, aflorando-lhe nuns lábios quase imperceptíveis, o Prof. Epifânio Malvadeza esperava. Director do marketing do Dr. Menezes, junto aos empresários de sucesso, tinha uma visão enérgica e decidida da política. "Cara, vai fundo! Baixa o pau neles. Duas mortes violentas vêm mesmo a calhar. Bota as culpas no Governo!"
O Dr. Menezes recebeu aquelas palavras como um relâmpago de decisão. As pequenas tempestades que vinham crescendo dentro dele, desde Oliveira de Azeméis, pareciam agora mais imperativas. Quando entrou nos Paços do Concelho, o Dr. Menezes deixara já para trás os pézinhos de lã. Era agora um lobo ansioso, por se lançar sobre a presa. Sem piedade.
Aproximou-se então dos jornalistas, como um predador seguro e enérgico. A voz saiu-lhe numa rajada implacável :" O governo tem que pedir desculpa aos portugueses. A insegurança está a tornar-se intolerável. Não podemos admitir. Sete facadas ! Uma criança indefesa atropelada ! Os portugueses não podem admitir a incompetência deste Governo".
Os jornalistas viram logo que aquele era realmente o Dr Menezes, marcial, impetuoso, implacável. O Prof.ºMalvadeza estava em êxtase. Excelente! Pelo menos dez por cento de aumento nas sondagens.
Um mocho sábio que por ali passava, desconhecedor dos meandros da maquilhagem política, mas conhecedor do que acontecera em Lisboa, resolveu perguntar: "Os dez por cento que ganhaste há bocado somam-se ou subtraiem-se aos que conseguiste agora."
Menezes apreensivo ensaiou um gesto de enfado, mas o mocho concluiu: "Não te esqueças do ditado : Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal".

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