terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Os banqueiros, o céu e o gestor público


Os sábios e os seus arautos andam há muito a ensinar que gestão empresarial que não esteja ancorada numa sôfrega lógica de lucro é uma gestão pífia e ineficaz. Os actores dessa gestão menor são , nesse registo, uns coitados que navegam assustados no oceano encapelado do mundo empresarial.

Do outro lado desta história, perante uma corte de jornalistas da especialidade, deslumbrada e previsível, os nossos predadores empresariais expõem dia após dia os roteiros da sua ferocidade , polvilhada de trabalhadores despedidos, de empresas destruídas, de deslocalizações devastadoras.

Entretanto, quando mal se esperava, personagens de uma história que não era para ser contada, um pequeno grupo dentro da elite dos banqueiros engalfinhou-se ferozmente. Para espanto dos mais piedosos, participava energicamente na refrega um dos mais ostensivos expoentes bancários da Opus Dei. Consta que o próprio S. Pedro não resistiu a um santo resmungo que não se sabe ainda se foi apenas de espanto ou se continha uma discreta ponta de desagrado.

Esquecendo por algum tempo as santas regras do mercado, a selecta agremiação de banqueiros excedia-se em golpes baixos, que faziam ecoar numa comunicação social desprevenida e atónita. Os espectadores mais ambiciosos vaticinavam já a descida à arena dos novos gladiadores para se massacrarem sem piedade uns aos outros.

Saindo do torpor das suas serenas contas , o Governador do Banco de Portugal preocupava-se. O capitalista, a que uma das partes atribuiu o papel do Sr. Inconveniente, atroava o espaço mediático com novas brutalidades. Começavam a mencionar-se milhões. Somas que o bom povo tem dificuldade em imaginar sequer o que sejam. O próprio Governo era forçado a distrair-se da sua determinação. O Ministro do "Bago", como se diria nas "Repúblicas de Coimbra" dos bons velhos tempos, inquietava-se , ainda que serenamente. Sua Excelência em Belém esboçava uma sombra de desagrado.

Obedecendo, ao que consta, a ordens directas de S. Pedro, fortemente pressionado, diz-se, por S. Francisco de Assis, o piedoso predador, o banqueiro dos banqueiros, saiu de cena. As autoridades passaram a falar na refrega com o ar grave dos grandes acontecimentos, tendo mesmo anunciado a iminência de um rigoroso inquérito.

Foi então pedido a alguns pugnadores que se lembrassem que são accionistas, para , agindo em conformidade, darem ao Grande Banco um novo timoneiro, um timoneiro a sério, alguém que levasse realmente o barco a bom porto, que se pusesse ao leme sem ter que pedir constantemente instruções a quem de direito.

As mentes activas da selecção dos decisores, despertas por meses de dissimulação e luta, espremeram-se na procura de um salvador. Percorreram esmeradamente a lista dos predadores mais ferozes, desde os trovejadores impiedosos até aos "assassinos da voz meiga", desde os que esfacelavam como tigres aos que esmagavam como serpentes. Em vão, eram talvez fortes de mais, talvez pouco subtis. Talvez "despejassem a criança junto com a água do banho".
Eram talvez brilhantes, mas como disse inspiradamente um dos mais argutos decisores: " Não têm a noção da galinhola".

As horas estendiam-se implacáveis sem serem suficientes para que se fizesse luz. Até que um dos accionistas atingido por um súbito ataque de bom senso alvitrou: " Procure-se um gestor de um banco público, alguém que realmente esteja vocacionado para fazer progredir uma empresa no seu todo, alguém fora dos jogos de poder, alheio às grandes famílias, fora das corporações de interesses mais famintas ". As raposas entreolharam-se e deram de imediato o seu assentimento: em tempo de guerra não se limpam armas. E o que estava em causa era a sobrevivência do Grande Banco. "Venha o gestor do banco público!"

Foi então que um jovem turco das economias, há poucos anos "chegado recentemente de Chicago", advertiu com profundidade: " Um gestor de um banco público é um gestor público. O paradigma da ineficiência e do desperdício. Não é uma boa ideia".

Esboçando um sorriso onde espreitava a sombra de uma ironia , um velho raposão, banqueiro desde sempre, respondeu pausadamente. : "Ó homem, não confunda a nossa propaganda com a realidade!".

Consta que um esperançoso médico do Norte, provisoriamente emprestado à política, a propósito deste vultuoso evento e para espanto de alguns, ameaçou cantar a "Traviata".

Sem comentários: