No labirinto dos discursos, por baixo da prosa lavada dos lugares comuns, nas avenidas previsíveis da linguagem diplomática, a Europa e a África participam num estranho bailado, onde não se tem a certeza se prevalece a hipocrisia ou a solidariedade, se há ainda um lugar para a esperança, ou se apenas a infra-humanidade ganha terreno.
Neste dia, simultaneamente glorioso e anódino, onde tudo se pode ter passado ou talvez nada tenha acontecido, homenageio a África, com dois poemas meus, publicados em dois livros, saídos já há alguns anos.
1. Terceiro Mundo
em que lugar habita a tua fome?
essa fome esqueleto seca pura
a esquina da miséria
o sem futuro
a fome louca do terceiro mundo
mundo verdadeiro mudo inteiro
a corda na garganta o corpo vago
onde a morte é um sono doce pausa
liberdade torpor não acordar
em que oásis se cria a tua sede ?
que fome está por dentro dessa fome ?
( publicado em "Sete Caminhos",1996)
2. Olhos de África
Olhamos aqueles olhos,
perdidos naquele olhar.
É um olhar infinito,
ausente,
já sem fronteiras.
São olhos da noite
acesos
de uma imensa escuridão.
São olhos vazios de lágrimas,
desertos,
profundos,
tristes.
São olhos lentos,
pequenos,
rasgados de solidão.
Perguntam
quem lhes gravou,
na sua própria raiz,
este vazio, esta dor,
este rio seco mortal.
Perguntam
quem semeou
no que deviam sonhar
o esqueleto desta fome,
a ferida deste punhal.
Perguntam
porque nasceram
nesta hora sem perdão.
Olham para nós,
já cansados
da vida que não viveram
São as crianças antigas
da África por nascer,
são a cólera perdida
da África por nascer.
Olhamos sem entender
a sombra daquele olhar...
(mas está tudo explicado
pelas regras do mercado )
( publicado em " Nenhum Lugar e Sempre", 2003)
Neste dia, simultaneamente glorioso e anódino, onde tudo se pode ter passado ou talvez nada tenha acontecido, homenageio a África, com dois poemas meus, publicados em dois livros, saídos já há alguns anos.
1. Terceiro Mundo
em que lugar habita a tua fome?
essa fome esqueleto seca pura
a esquina da miséria
o sem futuro
a fome louca do terceiro mundo
mundo verdadeiro mudo inteiro
a corda na garganta o corpo vago
onde a morte é um sono doce pausa
liberdade torpor não acordar
em que oásis se cria a tua sede ?
que fome está por dentro dessa fome ?
( publicado em "Sete Caminhos",1996)
2. Olhos de África
Olhamos aqueles olhos,
perdidos naquele olhar.
É um olhar infinito,
ausente,
já sem fronteiras.
São olhos da noite
acesos
de uma imensa escuridão.
São olhos vazios de lágrimas,
desertos,
profundos,
tristes.
São olhos lentos,
pequenos,
rasgados de solidão.
Perguntam
quem lhes gravou,
na sua própria raiz,
este vazio, esta dor,
este rio seco mortal.
Perguntam
quem semeou
no que deviam sonhar
o esqueleto desta fome,
a ferida deste punhal.
Perguntam
porque nasceram
nesta hora sem perdão.
Olham para nós,
já cansados
da vida que não viveram
São as crianças antigas
da África por nascer,
são a cólera perdida
da África por nascer.
Olhamos sem entender
a sombra daquele olhar...
(mas está tudo explicado
pelas regras do mercado )
( publicado em " Nenhum Lugar e Sempre", 2003)
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