O texto que se segue corresponde à minha intervenção na Comissão Política Nacional do Partido Socialista, no passado dia 15 de Junho. Como é um texto elaborado a partir de um pequeno conjunto de tópicos e da memória, não garanto uma completa reprodução de tudo o que disse, mas asseguro fidelidade ao espírito da intervenção feita e ao essencial do seu conteúdo.
Dos sete membros da CPN que pertencem à corrente de opinião "Esquerda Socialista", na qual me integro, seis usaram da palavra. Ao longo da noite, ao todo, vinte e cinco membros da CPN falaram. As intervenções foram muito diferenciadas. Em regra solidárias, por vezes críticas, sempre viradas para o futuro com todo o ânimo. Alguns dos que estiveram calados, lá dentro, falaram cá fora para a comunicação social. E alguns jornais noticiaram que a reunião foi o conjunto das declarações de alguns dos presentes à saída ou à entrada. Puro engano. Eis o que eu disse:
1. Os resultados das últimas eleições europeias são, para o PS, suficientemente maus para que não tenha sentido atribuí-los a detalhes circunstanciais. De facto, se entendermos que um Partido é constituído, não só por quem nele se inscreve, mas também pelo seu eleitorado e pela sua base social de apoio, o que aconteceu nestas eleições pode ler-se como uma séria ameaça de cisão, entre o PS e uma grande parte da sua base eleitoral. Uma cisão de um tipo bem mais grave do que uma outra que foi recentemente evitada.
É este o problema que enfrentamos. Um problema agravado pelo facto de, no conjunto da Europa, o PSE ter sofrido um dramático revés, que, se virmos bem, incluiu um verdadeiro desmoronamento final da terceira via. De facto, no Reino Unido o Partido Trabalhista ficou num inimaginável terceiro lugar, pouco à frente do quarto partido. Na Alemanha, o SPD conseguiu permanecer no buraco onde tinha caído nas eleições anteriores. Na Itália , a componente italiana do PSE desvaneceu-se na grande manobra de oportunismo suicidário que foi a criação do Partido Democrático. Na Polónia, a fidelidade ao "blairismo” conseguiu transformar um partido que, no final dos anos noventa, era o elemento dominante de uma maioria parlamentar que sustentava um governo, quando na Presidência da República estava alguém saído das suas fileiras, num partido com cerca de metade da força de cada um dos dois partidos polacos, que hoje disputam a hegemonia.
Realmente, os socialistas europeus não foram capazes de dar verdadeira consistência à sua recusa genérica do paradigma neoliberal. Não souberam demarcar-se com frontalidade do pacto de estabilidade, não ergueram a voz contra a excrescência anti-democrática que representa o Banco Central Europeu.
Mas à esquerda não foi só o PSE que sofreu um desaire. Também o grupo dos comunistas e afins (a que pertencem o PCP e o BE) viu reduzir-se o seu escasso número de deputados europeus, tornando-se no grupo político menos numeroso do novo Parlamento.
Escaparam os Verdes, que progrediram, significativamente, devendo no entanto dizer-se que a sua subida se concentrou praticamente num único país, a França. Sublinhe-se, aliás, que este resultado traduz uma particularidade só aqui ocorrida: uma aliança com muitos dos mais destacados protagonistas de movimentos associativos.
2.Temos três meses, até às eleições legislativas, para recuperarmos da derrota sofrida. Não há tempo para inflexões estratégicas de índole programática. Inflexões políticas têm que ser bem medidas. E sempre correm o risco de serem tão bruscas que fazem duvidar da sua autenticidade, ou serem tão suaves que não produzem quaisquer efeitos. É preciso, por isso, um outro tipo de inovação estratégica: incorporar na campanha novos eixos de acção política que, pelo simples facto de existirem, constituam, em si próprios, uma novidade. Uma novidade estruturante que se radique no cerne da tradição socialista.
Dou três exemplos que, ilustrando essa ideia, podiam ser postos em prática: 1º- dar centralidade à economia social, nas suas vertentes cooperativa, mutualista e associativa, no quadro de uma estratégia de requalificação em profundidade da sociedade e da acção política; 2º- valorizar, como aspecto de todas as políticas, o combate à desertificação e ao despovoamento do interior de Portugal, no quadro de uma ambição mais ostensiva de um desenvolvimento equilibrado e harmonioso de todo o país; 3º- radicar, num aprofundamento da vertente ambientalista da política energética, um aperfeiçoamento ambicioso das políticas de protecção ambiental e de equilíbrio e requalificação ecológicos.
Através destes eixos, preenchidos por propostas programáticas adequadas, poderíamos trazer para a cena política um sinal objectivo da renovação do PS e de uma maior cumplicidade com a sua base social de apoio e o seu eleitorado.
Para além deste potencial de reconciliação com a nossa base social, estes três eixos têm a virtualidade de se poderem articular entre si, potenciando a sua força e os seus possíveis efeitos. E , mais do que isso, podem ser um terreno de convergência das politicas autárquicas e da políticas nacionais, o que possibilitaria sinergias concretas entre as duas campanhas.
3. Dentro da mesma lógica, a de suscitar inovações políticas que valham pelo simples facto de serem perceptíveis e que sejam plenamente realizáveis no curto prazo, sem grandes custos ou dificuldades, é importante a emissão de um forte sinal de verdadeira e profunda renovação política do PS.
Para isso, deveria ser solenemente anunciado que, logo a seguir às eleições legislativas, o PS iniciaria um processo de debate dirigido à instituição de um sistema de eleições primárias, para a escolha de todos os candidatos do PS às diversas eleições; sistema esse que já se aplicaria no próximo ciclo eleitoral.
Transitoriamente, o método de elaboração das próximas listas de deputados deve ser completamente novo, podendo ser avocado, se for necessário, pelos órgãos nacionais.
Uma vez que não podemos ainda transmitir a estas listas o prestígio de um método democrático na sua elaboração, pelo menos tornemos ostensivo que elas procuram incluir o que de melhor temos no PS. Tornemos óbvia a mudança no critério de elaboração das listas, de modo a que fique claro que queremos um grupo parlamentar de excelência resultante de critérios radicalmente meritocráticos, distantes das lógicas de aparelho habituais.
Este caminho mostraria, objectivamente, ao eleitorado que o PS passara a ter uma renovada disposição de efectiva qualificação da vida política, dando assim um contributo para a melhoria da qualidade da nossa democracia. E os resultados disto nunca seriam eleitoralmente negativos, podendo, pelo contrário, vir a ser bastante positivos.
É este o problema que enfrentamos. Um problema agravado pelo facto de, no conjunto da Europa, o PSE ter sofrido um dramático revés, que, se virmos bem, incluiu um verdadeiro desmoronamento final da terceira via. De facto, no Reino Unido o Partido Trabalhista ficou num inimaginável terceiro lugar, pouco à frente do quarto partido. Na Alemanha, o SPD conseguiu permanecer no buraco onde tinha caído nas eleições anteriores. Na Itália , a componente italiana do PSE desvaneceu-se na grande manobra de oportunismo suicidário que foi a criação do Partido Democrático. Na Polónia, a fidelidade ao "blairismo” conseguiu transformar um partido que, no final dos anos noventa, era o elemento dominante de uma maioria parlamentar que sustentava um governo, quando na Presidência da República estava alguém saído das suas fileiras, num partido com cerca de metade da força de cada um dos dois partidos polacos, que hoje disputam a hegemonia.
Realmente, os socialistas europeus não foram capazes de dar verdadeira consistência à sua recusa genérica do paradigma neoliberal. Não souberam demarcar-se com frontalidade do pacto de estabilidade, não ergueram a voz contra a excrescência anti-democrática que representa o Banco Central Europeu.
Mas à esquerda não foi só o PSE que sofreu um desaire. Também o grupo dos comunistas e afins (a que pertencem o PCP e o BE) viu reduzir-se o seu escasso número de deputados europeus, tornando-se no grupo político menos numeroso do novo Parlamento.
Escaparam os Verdes, que progrediram, significativamente, devendo no entanto dizer-se que a sua subida se concentrou praticamente num único país, a França. Sublinhe-se, aliás, que este resultado traduz uma particularidade só aqui ocorrida: uma aliança com muitos dos mais destacados protagonistas de movimentos associativos.
2.Temos três meses, até às eleições legislativas, para recuperarmos da derrota sofrida. Não há tempo para inflexões estratégicas de índole programática. Inflexões políticas têm que ser bem medidas. E sempre correm o risco de serem tão bruscas que fazem duvidar da sua autenticidade, ou serem tão suaves que não produzem quaisquer efeitos. É preciso, por isso, um outro tipo de inovação estratégica: incorporar na campanha novos eixos de acção política que, pelo simples facto de existirem, constituam, em si próprios, uma novidade. Uma novidade estruturante que se radique no cerne da tradição socialista.
Dou três exemplos que, ilustrando essa ideia, podiam ser postos em prática: 1º- dar centralidade à economia social, nas suas vertentes cooperativa, mutualista e associativa, no quadro de uma estratégia de requalificação em profundidade da sociedade e da acção política; 2º- valorizar, como aspecto de todas as políticas, o combate à desertificação e ao despovoamento do interior de Portugal, no quadro de uma ambição mais ostensiva de um desenvolvimento equilibrado e harmonioso de todo o país; 3º- radicar, num aprofundamento da vertente ambientalista da política energética, um aperfeiçoamento ambicioso das políticas de protecção ambiental e de equilíbrio e requalificação ecológicos.
Através destes eixos, preenchidos por propostas programáticas adequadas, poderíamos trazer para a cena política um sinal objectivo da renovação do PS e de uma maior cumplicidade com a sua base social de apoio e o seu eleitorado.
Para além deste potencial de reconciliação com a nossa base social, estes três eixos têm a virtualidade de se poderem articular entre si, potenciando a sua força e os seus possíveis efeitos. E , mais do que isso, podem ser um terreno de convergência das politicas autárquicas e da políticas nacionais, o que possibilitaria sinergias concretas entre as duas campanhas.
3. Dentro da mesma lógica, a de suscitar inovações políticas que valham pelo simples facto de serem perceptíveis e que sejam plenamente realizáveis no curto prazo, sem grandes custos ou dificuldades, é importante a emissão de um forte sinal de verdadeira e profunda renovação política do PS.
Para isso, deveria ser solenemente anunciado que, logo a seguir às eleições legislativas, o PS iniciaria um processo de debate dirigido à instituição de um sistema de eleições primárias, para a escolha de todos os candidatos do PS às diversas eleições; sistema esse que já se aplicaria no próximo ciclo eleitoral.
Transitoriamente, o método de elaboração das próximas listas de deputados deve ser completamente novo, podendo ser avocado, se for necessário, pelos órgãos nacionais.
Uma vez que não podemos ainda transmitir a estas listas o prestígio de um método democrático na sua elaboração, pelo menos tornemos ostensivo que elas procuram incluir o que de melhor temos no PS. Tornemos óbvia a mudança no critério de elaboração das listas, de modo a que fique claro que queremos um grupo parlamentar de excelência resultante de critérios radicalmente meritocráticos, distantes das lógicas de aparelho habituais.
Este caminho mostraria, objectivamente, ao eleitorado que o PS passara a ter uma renovada disposição de efectiva qualificação da vida política, dando assim um contributo para a melhoria da qualidade da nossa democracia. E os resultados disto nunca seriam eleitoralmente negativos, podendo, pelo contrário, vir a ser bastante positivos.
1 comentário:
Compreende-se o teor das intervenções na reunião da Comissão Política, mesmo as dos seus membros mais críticos pois, no momento em que o PS leva esta pancada eleitoral, não faria qualquer sentido aproveitar a situação para apontar a matar para os principais responsáveis deste resultado. São, assim, bem vindas todas as tentativas de apontar caminhos sem pisar ninguém. Mas não alimentemos ilusões exageradas. O estado da nação atingiu um tal grau de crispação para com o PS que teremos que actuar prevendo que, em Outubro pode acontecer o menos mau, mas também pode acontecer o pior. Será que só nessa situação de derrota o PS aceitará discuti-se a sério? O PS, que deveria ser o epicentro da discussão da nossa civilização, está ele próprio a deixar-se conduzir passivamente pela corrente dessa civilização que nos pode consumir a todos. Estamos cegos convencidos que estamos a ver claramente.
JG
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