Não me fui despedir do Carlos Candal. Troca de horas e de dias, num jornal apressado. Não ouviremos mais a trovoada cristalina da sua voz bem timbrada dizer uma enormidade qualquer, com a qual começava ele, desde logo, por se divertir sem complexos. Não o veremos usar, como se estivesse distraído, o bisturi da sua crítica que, parecendo, às vezes, ligeira, atingia sempre, precisamente, o que ele queria atingir. Não se preocupava em ser previsível, nem se sentia nunca obrigado a dizer o que o seu interlocutor gostasse de ouvir. O Candal não precisava de dizer que era frontal. Era.
Liderou uma lista de esquerda para a direcção da AAC, em 1960/61, que interrompeu uma hegemonia da direita salazarista de mais de uma década. Enfrentou, com o seu verbo tonante e incisivo, os oradores da direita académica, que sempre nos fustigavam nas Assembleias Magnas, com a segurança de quem tinha as costas quentes, pela força do regime. Nesses anos, que precederam a crise de 1962 e durante ela, é justo lembrar aqui mais alguns, cujas vozes nos exprimiam a todos: Manuel Alegre, Lopes de Almeida, Ferreira Guedes, José Augusto Rocha, Avelãs Nunes, José Luís Nunes, César Oliveira. Estou talvez, injusta e involuntariamente, a esquecer outros, mas destes lembro-me bem, lamentando apenas que os dois últimos nos tenham já deixado.
Há, entretanto, dois pequenos episódios vividos com Carlos Candal que aqui evoco em sua homenagem. O primeiro está abundantemente documentado num dos primeiros números do jornal da AAC, Via Latina , publicados sob a responsabilidade da direcção do Candal (nº122, 16 de Janeiro de 1961). Várias páginas do jornal são ocupadas por uma momentosa polémica.
Dois expoentes da direita académica, insurgiam-se contra um poema (Manifesto Juvenil), publicado num dos números anteriores da Via Latina ( nº 120 , 5 de Dezembro de 1960) da autoria de um tal Manuel Sando, dizendo entre várias outras coisas que : “O poema consegue revoltar mesmo à despreocupada leitura. É realmente um manifesto ofensivo e injurioso, insolentemente atirado contra credos , instituições e princípios éticos que são nossos e dominam em profundidade o pensar e o sentir da portuguesíssima Academia de Coimbra". E mais adiante prosseguiam:”Não consentiremos que sob a capa de manifestações de arte se venham lançar na Academia as mais perigosas teorias.”
Liderou uma lista de esquerda para a direcção da AAC, em 1960/61, que interrompeu uma hegemonia da direita salazarista de mais de uma década. Enfrentou, com o seu verbo tonante e incisivo, os oradores da direita académica, que sempre nos fustigavam nas Assembleias Magnas, com a segurança de quem tinha as costas quentes, pela força do regime. Nesses anos, que precederam a crise de 1962 e durante ela, é justo lembrar aqui mais alguns, cujas vozes nos exprimiam a todos: Manuel Alegre, Lopes de Almeida, Ferreira Guedes, José Augusto Rocha, Avelãs Nunes, José Luís Nunes, César Oliveira. Estou talvez, injusta e involuntariamente, a esquecer outros, mas destes lembro-me bem, lamentando apenas que os dois últimos nos tenham já deixado.
Há, entretanto, dois pequenos episódios vividos com Carlos Candal que aqui evoco em sua homenagem. O primeiro está abundantemente documentado num dos primeiros números do jornal da AAC, Via Latina , publicados sob a responsabilidade da direcção do Candal (nº122, 16 de Janeiro de 1961). Várias páginas do jornal são ocupadas por uma momentosa polémica.
Dois expoentes da direita académica, insurgiam-se contra um poema (Manifesto Juvenil), publicado num dos números anteriores da Via Latina ( nº 120 , 5 de Dezembro de 1960) da autoria de um tal Manuel Sando, dizendo entre várias outras coisas que : “O poema consegue revoltar mesmo à despreocupada leitura. É realmente um manifesto ofensivo e injurioso, insolentemente atirado contra credos , instituições e princípios éticos que são nossos e dominam em profundidade o pensar e o sentir da portuguesíssima Academia de Coimbra". E mais adiante prosseguiam:”Não consentiremos que sob a capa de manifestações de arte se venham lançar na Academia as mais perigosas teorias.”
Mas antes da missiva , a VL republicava o poema e um longo texto de Carlos Candal que contrariava a interpretação dos críticos e rebatia os ataques feitos ao critério do Jornal que permitia a difusão de tão perigoso poema. O texto de Candal é notável. Ele procura sustentar a liberdade de se publicarem na VL este tipo de textos, mas tem a prudência de dar, ele próprio, uma interpretação do poema mais inócua. De facto, parecia claro que o ataque ao poema era mais um pretexto do que uma causa da reacção dos direitistas. No fundo, era legítimo pensar-se que se estava aí a procurar um pretexto para se provocar o encerramento da Via Latina. O que viria a acontecer mais tarde mostraria que essa desconfiança era fundada. E o Manuel Sando?
O Manuel Sando era eu que, até então, não tinha cometido qualquer publicação em verso ou em prosa com o meu nome. Fiquei quieto e calado. A tempestade passou. Meses depois, viria entrar para a redacção da Via Latina (salvo erro, em conjunto com o Neto Brandão e com o Parcídio Sumavielle) e a conhecer bem o Carlos Candal. Na primeira oportunidade lá lhe disse. “ Sabes quem é o Manuel Sando? Sou eu!” Numa mistura de gargalhada e espanto respondeu:” Tu ? Ó pá, deste-me muito trabalho!”Ficámos amigos.
Anos mais tarde, depois do 25 de Abril, quando se preparava já a constituição da UEDS, houve uma iniciativa unitária em Coimbra, a propósito da Constituição, onde participava, a título pessoal, gente do MDP, do PCP e da pré-UEDS ( que era onde eu estava). Carlos Candal era a voz do PS, sendo certo que todos estavam ali a título pessoal. Mário Soares era então Primeiro- ministro. Candal tinha tomado publicamente posições críticas da direcção do PS. Os oradores dos vários quadrantes iam tecendo as suas intervenções com o cuidado de não perturbarem a conjugação de áreas políticas diferentes. Fora o Candal , tudo era crítico do PS, mas as intervenções procuraram ser suaves, dado estar ali alguém desse partido como convidado.
Até que Carlos Candal toma a palavra e diz : “ O PS é como um ovo estrelado com batatas fritas! O Mário Soares é o ovo. O resto são batatas fritas. E o que conta é o ovo.” Pela cara, o Candal divertiu-se à brava com essa blague. Mas a verdade é que em episódios subsequentes, foram muitas as vezes em que me lembrei dessa frase. Com um humor, aparentemente descuidado, acertou no alvo com precisão total.
4 comentários:
Fiz link para Praça Stephens.
Abraço.
Que história deliciosa,querido amigo.
Esta,nunca me tinhas contado.
Um abraço.
Meu querido amigo
O teu texto sobre o Carlos Candal vem, felizmente (nem eu esperava outra coisa, valha a verdade) repor sobre este nosso desaparecido camarada dos anos de brasa muita e boa verdade. Aliás o Zé Correia Pinto, no Politeia, e eu, no incursõe, tomámos o mesmo rumo. É que para certos filisteus que frequentam a política como quem frequenta o botequim CC era um fantasma desagradável. E tu numa pequena história vens lembrar como ele era e como estava na vida e nas coisas que realmente interessavam. Ainda nem tinha feito a minha pergrinação bissemanal ao Grande Zoo mas já o Rui Lucas me reenviava o aviso do teu texto. Em boa hora!
Como saberás, a minha colecção de VL dorme nalgum esquecido cacifo da pide e por isso já não recordava o Sando nem a questão que ele desencadeou. Ora aí está uma bela prova para o que digo no meu pequeno texto. Coimbra e a AAC com Candal foi virada do avesso.
Um grande abraço
Queridos Amigos:
Um dos efeitos colaterais mais gratificantes da blogosfera é o de poder falar convosco.
E essas conversas têm -me ensinado que o avivar das memórias de certos tempos ,muito nos ajuda a enfrentar o futuro.
E cada um de nós o enfrente como entender, mas enfrenta. E aqui para nós: diverte-se com isso.
Abraço.
Rui Namorado
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