sábado, 11 de junho de 2011

A SOMBRA DO DEZ DE JUNHO - solenidades


O fantasma das dificuldades futuras fez um discurso de todas as sombras no dia da raça, que como um cuco veio pôr o seu ovo desértico no Dia de Portugal e de Camões.

Era um fantasma esquálido, com ideias remotas pintadas de um cinzento arroxeado com tons de desgraça. Era um fantasma amargurado, trepassado por um remorso antigo: o remorso frio dos renegados.

Podia ser o fantasma de um mutante assumido, que pura e simplesmente, tendo sido de esquerda era agora de direita. Mas a sua metamorfose ficou incompleta. Algo a congelou num último momento. Por isso, mesmo quando entra na barra do tejo como um paquete de luxo, guiado pela mão amiga de algum generoso poder, há nele qualquer coisa de triste , qualquer coisa de amargo.

E apesar de ter sido, ano após ano, um precioso tenor dos mais tonitroantes orfeãos da direita, um dos oráculos mais trágicos de todas as desgraças, um anunciador dramático de todas as tempestades, um garrote implacável a constranger sonhos e esperanças, quando alguma pergunta mais directa o interpela de surpresa, o fantasma desperta e reage como um náufrago, à beira do último sobressalto e, numa prece oriunda de todos os desesperos, titubeia lúgubre e cansado: eu sou um homem de esquerda!


Mas não é. Limita-se a carregar um remorso fugidio que, ora parece ser um pedido de desculpas por ter sido de esquerda, ora parece ser uma amargura lenta por ter deixado de o ser. A direita manhosa rodeia-o de vénias reverentes, os patrões mais ladinos dão-lhe corda. E o celebrado fantasma sente crescer irresistivelmente a sua própria sombra, aventurando-se ao conselho supremo, à última instância da crítica: o conselho amigo ao imprudente povo que abre a porta à crítica certeira do grande patriarca.


E foi assim que, afinal, se descobriu um inesperado mistério: havia um quarto elemento da troika que assim deixou automaticamente de o ser. Era ele. por tudo isso, o espectro de belém teve um sopro de contentamento. Acertara.


Foi então que se ouviu, fechando a cerimónia, um inopinado estalar de ossos: três caveiras de luxo sentadas na primeira fila, aplaudiam freneticamente o discurso. As forças mortas da nação louvavam o fantasma. As agências de rating registavam com apreço.