A vida política está intensa. Descobriu-se finalmente a causa de todas as nossas desgraças: a Grécia. Os outrora ferozes críticos de tudo o que mexia nas esferas governamentais são agora recipientes mansos de um discurso untuoso e redondo, de louvor aos poderes do momento. Cérebros abarrotados de números segregam um discurso de desgraça, como simples máquinas de calcular, que friamente somassem dificuldades a dificuldades. Solidários com tal drama, os que dele melhor se aproveitam jantam comovidamente no Tavares, aplaudindo a coragem dos que ousam tornar os pobres mais esquálidos, em nome de uma incansável cruzada contra essa dragão devastador, o Estado.
Como já haviam esgotado os decibéis do seu descontentamento, os terríveis continuam tão terríveis como antes, repetindo-se sem descanso até à exaustão. Mesmo sem serem verdadeiramente deixados em paz, os mais recentes vencidos procuram sem êxito tirar um modesto cochilo, ainda que breve. Entretanto, interagem entre si através de uma dose forte de previsibilidades programáticas e uma subtil esgrima, entre os que se entregam à esperança num novo ciclo e os que confiam na força das ideias.
As solenidades que têm envolvido os novos ministros, temperadas pelo colorido dos secretários de estado, misturam-se nos ecrãs mais mediáticos com os preparativos do casamento do Príncipe de Mónaco. Cheguei a pensar que a loura explosiva que vai reinar no rochedo fora arregimentada para uma secretaria de estado. Mas estava enganado. Ela tentou fugir, mas não foi disso.Vai realmente ser princesa.
Para compreender melhor tudo isso, mantendo alguma boa disposição, recorro a um grande poeta já deasaparecido. Olho assim para um outro lado, procurando perceber como a realidade se escapa, por vezes, através das palavras, sem que estas percam a sua pureza mais íntima. E assim pedi a Jorge de Sena para me deixar transcrever um dos seus “Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena”, precisamente o primeiro, “Pandemos”:
Para compreender melhor tudo isso, mantendo alguma boa disposição, recorro a um grande poeta já deasaparecido. Olho assim para um outro lado, procurando perceber como a realidade se escapa, por vezes, através das palavras, sem que estas percam a sua pureza mais íntima. E assim pedi a Jorge de Sena para me deixar transcrever um dos seus “Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena”, precisamente o primeiro, “Pandemos”:
PANDEMOS
Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!
Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrica donstália penicela,
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão boíneos, ó primana!
Dentívolos palpículos, baissai!
lingâmicos dolins, refucarai!
Por manivornas contumai a veste!
E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.
[Jorge de Sena]
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