O tema das eleições primárias tem continuado vivo na campanha interna para a escolha da nova liderança do PS. Continuando a série ontem iniciada, vou hoje dar conta de um segundo documento, o texto que foi enviado pelo Clube Político Margem Esquerda, em Agosto de 2004, aos três candidatos à liderança do PS [João Soares, José Sócrates e Manuel Alegre]. Vou publicá-lo na íntegra, pois ele ilustra bem a medida em que a realização de eleições primárias, para escolher os candidatos do PS nas diversas eleições, não é separável de outras medidas necessárias a uma melhoria do seu funcionamento. O texto assumia-se como um "Desafio aos candidatos à liderança do Partido Socialista" e pretendia lutar "Por um PS com credibilidade democrática", para o que achava central "garantir a autonomia, melhorar a democracia". Eis o documento, que na prática foi ignorado pelas três candidaturas, com grave prejuízo para o PS e para a democracia em Portugal:
1. Vivemos dentro do PS um tempo de natural afirmação das nossas diferenças. E sendo a nossa heterogeneidade uma das raízes da nossa influência política e social, é importante reflecti-la com autenticidade e lealdade. Nunca esqueçamos que seria muito difícil o PS alcançar 44% do eleitorado, se não abrangesse todas as sensibilidades que o integram.
Também por isso, não podemos deixar reduzir o debate actual a um concurso entre fidelidades sem substância, que necessariamente se tornarão tanto mais estéreis e agressivas entre si, quanto menos se afirmarem pelo conteúdo das posições que as justificam.
Mas essa natural diferenciação, naturalmente indispensável, não exclui a possibilidade de, justamente agora, se encontrarem convergências, livremente assumidas por todos os candidatos à liderança, que podem contribuir para verdadeiramente cimentar uma unidade futura que os confrontos actuais não devem comprometer.
A própria marcha do tempo impõe a organizações como o PS um processo de transformação permanente. Mas, para além disso, na sua vida subsistem problemas que exigem soluções urgentes. Soluções indispensáveis para aquisição de uma nova capacidade de resposta aos problemas do mundo em que vivemos.
Por isso, o plenário nacional da “Margem Esquerda – clube de reflexão política”, constituído por militantes do PS, resolveu apresentar aos candidatos à liderança do nosso Partido uma proposta de convergência em torno da necessidade de enfrentar três grandes problemas de funcionamento do PS que têm de ser resolvidos, sob pena de corroerem gravemente a eficácia e a própria identidade do Partido.
São propostas que qualquer candidato pode aceitar, com naturalidade, sem qualquer entorse da coerência do que propõe ao Partido, porque não reflectem a pertença a esta ou àquela sensibilidade interna. De facto, elas apontam para comportamentos e escolhas que têm a ver com a simples decência nas atitudes e com a transparência e equidade nos processos, sendo património ético, cívico e político de todos os democratas. Não podem, portanto, deixar de ser partilhadas por todos os militantes socialistas.
1. Vivemos dentro do PS um tempo de natural afirmação das nossas diferenças. E sendo a nossa heterogeneidade uma das raízes da nossa influência política e social, é importante reflecti-la com autenticidade e lealdade. Nunca esqueçamos que seria muito difícil o PS alcançar 44% do eleitorado, se não abrangesse todas as sensibilidades que o integram.
Também por isso, não podemos deixar reduzir o debate actual a um concurso entre fidelidades sem substância, que necessariamente se tornarão tanto mais estéreis e agressivas entre si, quanto menos se afirmarem pelo conteúdo das posições que as justificam.
Mas essa natural diferenciação, naturalmente indispensável, não exclui a possibilidade de, justamente agora, se encontrarem convergências, livremente assumidas por todos os candidatos à liderança, que podem contribuir para verdadeiramente cimentar uma unidade futura que os confrontos actuais não devem comprometer.
A própria marcha do tempo impõe a organizações como o PS um processo de transformação permanente. Mas, para além disso, na sua vida subsistem problemas que exigem soluções urgentes. Soluções indispensáveis para aquisição de uma nova capacidade de resposta aos problemas do mundo em que vivemos.
Por isso, o plenário nacional da “Margem Esquerda – clube de reflexão política”, constituído por militantes do PS, resolveu apresentar aos candidatos à liderança do nosso Partido uma proposta de convergência em torno da necessidade de enfrentar três grandes problemas de funcionamento do PS que têm de ser resolvidos, sob pena de corroerem gravemente a eficácia e a própria identidade do Partido.
São propostas que qualquer candidato pode aceitar, com naturalidade, sem qualquer entorse da coerência do que propõe ao Partido, porque não reflectem a pertença a esta ou àquela sensibilidade interna. De facto, elas apontam para comportamentos e escolhas que têm a ver com a simples decência nas atitudes e com a transparência e equidade nos processos, sendo património ético, cívico e político de todos os democratas. Não podem, portanto, deixar de ser partilhadas por todos os militantes socialistas.
2.1. O primeiro problema que queremos enfrentar é o da necessidade de reforçar as garantias da independência política do PS, em face do poder económico.
Esta necessidade não precisa de ser justificada doutrinariamente dentro de um partido como o nosso, mas vale a pena salientar que a própria Constituição da República Portuguesa valoriza como um dos seus princípios centrais a “subordinação do poder económico ao poder político”. Deste modo, por maioria de razão, estará longe da matriz democrática da nossa República, a subordinação do poder político ao poder económico. Esta subordinação é, aliás, combatida pela lei, no que respeita aos órgãos do Estado.
Tudo isto torna claro que também qualquer partido político e, para o que agora interessa, muito particularmente o PS, deve tomar as medidas necessárias à diminuição do risco de poder, em qualquer circunstância, ficar subordinado ao poder económico, ou ver o seu poder de decisão limitado, em qualquer das suas instâncias, por interferências consentidas desse poder.
Neste sentido, propomos que o PS institua, no plano interno, um sistema de incompatibilidades entre o desempenho dos principais cargos políticos dirigentes do partido de natureza executiva (secretário-geral, presidentes das federações, presidentes das concelhias, bem como secretariados nacionais e distritais) e a titularidade ou o exercício de poderes de direcção em empresas privadas, cujo objecto ou dimensão possam pôr objectivamente em risco a independência do PS, em face do poder económico. Esse sistema deverá ser justo e equilibrado, podendo inspirar-se no sistema de incompatibilidades em vigor para os órgãos mais relevantes do Estado.
Por outro lado, propomos que se institua um sistema de registo de interesses, semelhante ao que se aplica aos titulares de certos órgãos políticos, para quem exerça cargos dirigentes dentro do PS.
O PS pode encarregar a Comissão Nacional de Jurisdição de superintender a este sistema de controle, cabendo-lhe determinar em concreto quem é abrangido pelas novas regras. Parece, aliás, natural que estejam abrangidos os órgãos executivos de âmbito nacional e distrital, bem como os presidentes das comissões políticas concelhias.
Como um aspecto estruturante da sua posição, o PS deve ter como base a consagração interna das incompatibilidades com que concorda, no que diz respeito aos órgãos do Estado, a não ser que se justifique outra solução, em virtude das diferenças entre o plano estadual e o plano partidário.
Vamos entrar num período de luta contra um governo que parece estar prisioneiro de diversos grupos de interesse privados. Combatê-lo é uma urgência democrática. Ter credibilidade nesse combate é uma das condições da sua eficácia. E essa credibilidade depende bem menos das palavras ditas pelos responsáveis do PS do que da diferença que ele revele através do seu comportamento, da evidência da sua determinação na luta contra a corrupção, contra a captura de bens públicos por interesses privados.
Por isso, esta proposta é indispensável para a melhoria da qualidade da vida interna do PS, mas será também decisiva para a sua credibilidade como oposição à subalternidade perante o poder económico do actual governo da direita.
2.2. O segundo problema a resolver é o da crescente degradação da qualidade democrática dos processos eleitorais internos do PS.
O risco político de deixar apodrecer a situação é enorme. É urgente uma profunda transformação das práticas e dos comportamentos que envolvem esses processos.
De facto, não podemos ser menos exigentes quanto à qualidade da democracia dentro do PS, do que aquilo que somos quanto à qualidade da democracia em Portugal. Não podemos ser menos vigilantes, perante os riscos inerentes ao financiamento das campanhas internas no Partido por fontes desconhecidas, do que aquilo que somos perante os riscos para a democracia portuguesa de um financiamento oculto das campanhas eleitorais e dos partidos.
Se formos apenas íntegros, quando nos projectamos para fora, mas aceitarmos ser complacentes, quando olhamos para dentro de nós, a nossa credibilidade ética ficará dramaticamente diminuída.
Deste modo, propomos que se institua um novo tipo de regulação das eleições internas do PS que garanta efectivamente a igualdade entre todas as candidaturas e que dê uma autêntica centralidade aos militantes, à vontade esclarecida e livre de cada militante.
Sem prejuízo da importância de tudo o que contribua para dar corpo a esses dois objectivos, há dois aspectos que nos parecem ser decisivos. Em primeiro lugar, todas as campanhas para eleições internas devem ser financiadas pelo Partido, não sendo permitido a qualquer candidato recorrer a outros financiamentos. Em segundo lugar, todas as sessões de esclarecimento ou realizações para que sejam convocados os militantes, relacionadas com qualquer eleição interna, serão sempre organizadas pelo partido com a presença de todos os candidatos ou de representantes seus, salvo se qualquer deles não quiser ou não puder estar presente, por facto próprio.
As campanhas internas passarão assim a ser realizadas, com rigorosa e imperativa isenção pelas estruturas formais do partido, com o natural apoio de todos os candidatos.
Só deste modo, se evitará a perigosa tendência para ser cada vez mais difícil que, quem não for rico ou não conseguir fundos de origens quase sempre não reveladas, possa concorrer, sem uma enorme desvantagem, a qualquer eleição interna de âmbito nacional ou distrital, ou mesmo a qualquer das grandes comissões concelhias. Só deste modo se evitará que as escolhas de cada militante sejam ilegitimamente condicionadas por uma teia asfixiante de pressões directas e de informações dirigidas sem contraditório, que ferem gravemente a qualidade da nossa democracia interna. Só deste modo restabeleceremos uma verdadeira harmonia com os nossos valores e com os nossos princípios, com a ética política que tanto prezamos. Só assim ficaremos longe de qualquer risco de desrespeito pela lei dos partidos, bem como do atropelo a uma bem entendida legitimidade estatutária.
Quando se torna central, perante o risco de deriva populista deste governo, o imperativo de combater o populismo, não podemos esquecer que ele é também, na sua lógica mais funda, uma transigência perante os entorses à democracia, uma certa sobranceria em face da ética democrática.
Ora, todos sabemos que o populismo resiste bem à crítica superficial, à simples agressividade verbal, mas é frágil perante o exemplo de comportamentos alternativos, perante o confronto com posições racionais, consistentes e firmes. Por isso, é natural que não sejamos verdadeiramente eficazes contra o populismo se a nossa luta se reduzir a palavras. Temos de lhe opor comportamentos diferentes, tornando ostensiva a diferença entre o nosso comportamento e o deles.
Ora, aperfeiçoar profundamente a vivência democrática dentro do PS, valendo pelos seus próprios frutos, é também um importante factor de credibilização das nossas posições críticas, perante a deriva populista.
Por isso, esta proposta é indispensável para melhorar a qualidade da vida democrática dentro do PS e pode ser decisiva para a sua credibilidade como oposição à deriva populista protagonizada pelo actual governo.
2.3. O terceiro problema que enfrentamos é o do reduzido papel dos militantes na escolha dos candidatos do PS às eleições autárquicas, regionais, legislativas e europeias.
Para todos aqueles para quem a vontade dos militantes deve ser a mola real das decisões importantes do PS, este é um problema que, verdadeiramente, só se resolve com eleições primárias.
Note-se que eleições primárias há muito que são realizadas noutros países, noutras circunstâncias. Um dia chegarão a Portugal. Seria um grave revés simbólico para o PS, se outros partidos nos precedessem nesse caminho. Mas será verdadeiramente dramático que esse caminho nos venha a ser imposto por uma futura lei que consagre essas regras para todos os Partidos.
Para isso, propomos aos candidatos à liderança do PS que assumam mais esta prioridade, comprometendo-se a colaborar num processo que leve, dentro de um prazo razoável, a uma implantação do princípio das eleições primárias dentro do PS e à sua regulamentação.
De imediato, o essencial é a aceitação do princípio e a sua delimitação genérica. Depois, tratar-se-á de o regulamentar, com realismo e prudência, podendo ser instituídas diferentes formas de o concretizar, consoante os diversos tipos de eleições e as várias circunstâncias. Nomeadamente, poderá ser ponderado o início da sua vigência e poderá combinar-se a efectivação do princípio com a manutenção das prerrogativas actualmente outorgadas ao Secretário-Geral nesta matéria.
É claro, que é possível que, em certos casos, a realização de primárias seja uma regra apenas supletiva, sem deixar de ser obrigatória noutros casos. Por outro lado, como é bom de ver, todos os órgãos que actualmente têm competências nesta matéria continuarão a ter um papel importante no decorrer dos processos de escolha dos candidatos. O que é essencial é que com honestidade se dê aos militantes um verdadeiro poder de escolha, sem prejuízo de ser legítimo e necessário que se regule, com justiça e boa fé, o acesso à qualidade de candidato a candidato, para não se tornar inviável na prática o próprio processo de escolha.
Aproveitar a energia política de todos os militantes do PS é condição necessária para podermos protagonizar um combate político eficaz contra o governo da direita. Ora, o melhor estímulo para a participação dos militantes é dar-lhes verdadeiro poder de decisão nas escolhas importantes, valorizando as suas opiniões e não apenas ao seu trabalho. As primárias não são, evidentemente, a garantia infalível da mobilização dos militantes, mas a manutenção do sistema actual é, seguramente, um factor relevante do seu alheamento.
Por isso, esta proposta é indispensável para tornar mais efectivo o papel dos militantes nas decisões essenciais do PS e pode ser um sério contributo para um reforço da energia política do conjunto do partido.
3. Não bastam declarações de intenção, no sentido de uma profunda renovação do PS. É urgente que se tomem medidas concretas que verdadeiramente a iniciem.
É dentro deste espírito, que apresentámos aos candidatos à liderança do PS as propostas que acabamos de fazer.
Se, como pensamos ser possível, houver consenso entre todos os candidatos, sugerimos que submetam à aprovação do Congresso uma recomendação conjunta, com o sentido genérico proposto neste documento, comprometendo-se o candidato que vencer a constituir um grupo de trabalho sob a sua orientação directa, para depois poder propor à Comissão Nacional do PS, no prazo máximo de seis meses, a regulamentação das linhas gerais da proposta aqui apresentada.
No mesmo sentido, sugerimos que os candidatos diligenciem, junto da COC, para que o próximo Congresso conceda poderes estatutários extraordinários à Comissão Nacional, para serem integrados nos Estatutos os aspectos da proposta realizada pelo referido grupo de trabalho que o devam ser.
Esta necessidade não precisa de ser justificada doutrinariamente dentro de um partido como o nosso, mas vale a pena salientar que a própria Constituição da República Portuguesa valoriza como um dos seus princípios centrais a “subordinação do poder económico ao poder político”. Deste modo, por maioria de razão, estará longe da matriz democrática da nossa República, a subordinação do poder político ao poder económico. Esta subordinação é, aliás, combatida pela lei, no que respeita aos órgãos do Estado.
Tudo isto torna claro que também qualquer partido político e, para o que agora interessa, muito particularmente o PS, deve tomar as medidas necessárias à diminuição do risco de poder, em qualquer circunstância, ficar subordinado ao poder económico, ou ver o seu poder de decisão limitado, em qualquer das suas instâncias, por interferências consentidas desse poder.
Neste sentido, propomos que o PS institua, no plano interno, um sistema de incompatibilidades entre o desempenho dos principais cargos políticos dirigentes do partido de natureza executiva (secretário-geral, presidentes das federações, presidentes das concelhias, bem como secretariados nacionais e distritais) e a titularidade ou o exercício de poderes de direcção em empresas privadas, cujo objecto ou dimensão possam pôr objectivamente em risco a independência do PS, em face do poder económico. Esse sistema deverá ser justo e equilibrado, podendo inspirar-se no sistema de incompatibilidades em vigor para os órgãos mais relevantes do Estado.
Por outro lado, propomos que se institua um sistema de registo de interesses, semelhante ao que se aplica aos titulares de certos órgãos políticos, para quem exerça cargos dirigentes dentro do PS.
O PS pode encarregar a Comissão Nacional de Jurisdição de superintender a este sistema de controle, cabendo-lhe determinar em concreto quem é abrangido pelas novas regras. Parece, aliás, natural que estejam abrangidos os órgãos executivos de âmbito nacional e distrital, bem como os presidentes das comissões políticas concelhias.
Como um aspecto estruturante da sua posição, o PS deve ter como base a consagração interna das incompatibilidades com que concorda, no que diz respeito aos órgãos do Estado, a não ser que se justifique outra solução, em virtude das diferenças entre o plano estadual e o plano partidário.
Vamos entrar num período de luta contra um governo que parece estar prisioneiro de diversos grupos de interesse privados. Combatê-lo é uma urgência democrática. Ter credibilidade nesse combate é uma das condições da sua eficácia. E essa credibilidade depende bem menos das palavras ditas pelos responsáveis do PS do que da diferença que ele revele através do seu comportamento, da evidência da sua determinação na luta contra a corrupção, contra a captura de bens públicos por interesses privados.
Por isso, esta proposta é indispensável para a melhoria da qualidade da vida interna do PS, mas será também decisiva para a sua credibilidade como oposição à subalternidade perante o poder económico do actual governo da direita.
2.2. O segundo problema a resolver é o da crescente degradação da qualidade democrática dos processos eleitorais internos do PS.
O risco político de deixar apodrecer a situação é enorme. É urgente uma profunda transformação das práticas e dos comportamentos que envolvem esses processos.
De facto, não podemos ser menos exigentes quanto à qualidade da democracia dentro do PS, do que aquilo que somos quanto à qualidade da democracia em Portugal. Não podemos ser menos vigilantes, perante os riscos inerentes ao financiamento das campanhas internas no Partido por fontes desconhecidas, do que aquilo que somos perante os riscos para a democracia portuguesa de um financiamento oculto das campanhas eleitorais e dos partidos.
Se formos apenas íntegros, quando nos projectamos para fora, mas aceitarmos ser complacentes, quando olhamos para dentro de nós, a nossa credibilidade ética ficará dramaticamente diminuída.
Deste modo, propomos que se institua um novo tipo de regulação das eleições internas do PS que garanta efectivamente a igualdade entre todas as candidaturas e que dê uma autêntica centralidade aos militantes, à vontade esclarecida e livre de cada militante.
Sem prejuízo da importância de tudo o que contribua para dar corpo a esses dois objectivos, há dois aspectos que nos parecem ser decisivos. Em primeiro lugar, todas as campanhas para eleições internas devem ser financiadas pelo Partido, não sendo permitido a qualquer candidato recorrer a outros financiamentos. Em segundo lugar, todas as sessões de esclarecimento ou realizações para que sejam convocados os militantes, relacionadas com qualquer eleição interna, serão sempre organizadas pelo partido com a presença de todos os candidatos ou de representantes seus, salvo se qualquer deles não quiser ou não puder estar presente, por facto próprio.
As campanhas internas passarão assim a ser realizadas, com rigorosa e imperativa isenção pelas estruturas formais do partido, com o natural apoio de todos os candidatos.
Só deste modo, se evitará a perigosa tendência para ser cada vez mais difícil que, quem não for rico ou não conseguir fundos de origens quase sempre não reveladas, possa concorrer, sem uma enorme desvantagem, a qualquer eleição interna de âmbito nacional ou distrital, ou mesmo a qualquer das grandes comissões concelhias. Só deste modo se evitará que as escolhas de cada militante sejam ilegitimamente condicionadas por uma teia asfixiante de pressões directas e de informações dirigidas sem contraditório, que ferem gravemente a qualidade da nossa democracia interna. Só deste modo restabeleceremos uma verdadeira harmonia com os nossos valores e com os nossos princípios, com a ética política que tanto prezamos. Só assim ficaremos longe de qualquer risco de desrespeito pela lei dos partidos, bem como do atropelo a uma bem entendida legitimidade estatutária.
Quando se torna central, perante o risco de deriva populista deste governo, o imperativo de combater o populismo, não podemos esquecer que ele é também, na sua lógica mais funda, uma transigência perante os entorses à democracia, uma certa sobranceria em face da ética democrática.
Ora, todos sabemos que o populismo resiste bem à crítica superficial, à simples agressividade verbal, mas é frágil perante o exemplo de comportamentos alternativos, perante o confronto com posições racionais, consistentes e firmes. Por isso, é natural que não sejamos verdadeiramente eficazes contra o populismo se a nossa luta se reduzir a palavras. Temos de lhe opor comportamentos diferentes, tornando ostensiva a diferença entre o nosso comportamento e o deles.
Ora, aperfeiçoar profundamente a vivência democrática dentro do PS, valendo pelos seus próprios frutos, é também um importante factor de credibilização das nossas posições críticas, perante a deriva populista.
Por isso, esta proposta é indispensável para melhorar a qualidade da vida democrática dentro do PS e pode ser decisiva para a sua credibilidade como oposição à deriva populista protagonizada pelo actual governo.
2.3. O terceiro problema que enfrentamos é o do reduzido papel dos militantes na escolha dos candidatos do PS às eleições autárquicas, regionais, legislativas e europeias.
Para todos aqueles para quem a vontade dos militantes deve ser a mola real das decisões importantes do PS, este é um problema que, verdadeiramente, só se resolve com eleições primárias.
Note-se que eleições primárias há muito que são realizadas noutros países, noutras circunstâncias. Um dia chegarão a Portugal. Seria um grave revés simbólico para o PS, se outros partidos nos precedessem nesse caminho. Mas será verdadeiramente dramático que esse caminho nos venha a ser imposto por uma futura lei que consagre essas regras para todos os Partidos.
Para isso, propomos aos candidatos à liderança do PS que assumam mais esta prioridade, comprometendo-se a colaborar num processo que leve, dentro de um prazo razoável, a uma implantação do princípio das eleições primárias dentro do PS e à sua regulamentação.
De imediato, o essencial é a aceitação do princípio e a sua delimitação genérica. Depois, tratar-se-á de o regulamentar, com realismo e prudência, podendo ser instituídas diferentes formas de o concretizar, consoante os diversos tipos de eleições e as várias circunstâncias. Nomeadamente, poderá ser ponderado o início da sua vigência e poderá combinar-se a efectivação do princípio com a manutenção das prerrogativas actualmente outorgadas ao Secretário-Geral nesta matéria.
É claro, que é possível que, em certos casos, a realização de primárias seja uma regra apenas supletiva, sem deixar de ser obrigatória noutros casos. Por outro lado, como é bom de ver, todos os órgãos que actualmente têm competências nesta matéria continuarão a ter um papel importante no decorrer dos processos de escolha dos candidatos. O que é essencial é que com honestidade se dê aos militantes um verdadeiro poder de escolha, sem prejuízo de ser legítimo e necessário que se regule, com justiça e boa fé, o acesso à qualidade de candidato a candidato, para não se tornar inviável na prática o próprio processo de escolha.
Aproveitar a energia política de todos os militantes do PS é condição necessária para podermos protagonizar um combate político eficaz contra o governo da direita. Ora, o melhor estímulo para a participação dos militantes é dar-lhes verdadeiro poder de decisão nas escolhas importantes, valorizando as suas opiniões e não apenas ao seu trabalho. As primárias não são, evidentemente, a garantia infalível da mobilização dos militantes, mas a manutenção do sistema actual é, seguramente, um factor relevante do seu alheamento.
Por isso, esta proposta é indispensável para tornar mais efectivo o papel dos militantes nas decisões essenciais do PS e pode ser um sério contributo para um reforço da energia política do conjunto do partido.
3. Não bastam declarações de intenção, no sentido de uma profunda renovação do PS. É urgente que se tomem medidas concretas que verdadeiramente a iniciem.
É dentro deste espírito, que apresentámos aos candidatos à liderança do PS as propostas que acabamos de fazer.
Se, como pensamos ser possível, houver consenso entre todos os candidatos, sugerimos que submetam à aprovação do Congresso uma recomendação conjunta, com o sentido genérico proposto neste documento, comprometendo-se o candidato que vencer a constituir um grupo de trabalho sob a sua orientação directa, para depois poder propor à Comissão Nacional do PS, no prazo máximo de seis meses, a regulamentação das linhas gerais da proposta aqui apresentada.
No mesmo sentido, sugerimos que os candidatos diligenciem, junto da COC, para que o próximo Congresso conceda poderes estatutários extraordinários à Comissão Nacional, para serem integrados nos Estatutos os aspectos da proposta realizada pelo referido grupo de trabalho que o devam ser.
4. Sabemos que, pela sua própria natureza, o que propomos neste documento não pode reger o actual processo eleitoral interno, mas o seu espírito, se merecer o acordo genérico dos candidatos, pode desde já ser assumido por todas as candidaturas, bem como servir à COC como referência por todos aceite.
Pela “Margem Esquerda – clube de reflexão e debate”
Sem comentários:
Enviar um comentário