Procurar falar com simplicidade, mas sem simplismo, de coisas importantes é uma tarefa difícil. Por exemplo, reflectir sobre a relação existente entre a ética e a política.
Hoje, incrustou-se no senso comum a ideia de que é grande a distância entre uma e outra e que seria desejável que ela fosse encurtada. Muitas vezes é sincera a atitude que reflecte essa ideia, mas outras vezes não passa de uma hipocrisia grosseira. Não estamos perante uma excepção, mas não devemos esquecer essa dicotomia.
Dois vectores de raciocínio podem ajudar-nos. Como questão que envolve a maneira de cada indivíduo viver a política, a ética há-de ter uma incidência directa no comportamento de cada um de nós. Obedecerá necessariamente a padrões gerais que têm a ver com a nossa qualidade de seres humanos, natural e socialmente situados, mas também aos padrões de comportamento e motivação inerentes ao tipo específico de actividade que desenvolvemos. Neste último aspecto, a ética dos políticos tem talvez uma natureza diferente da ética das profissões, próxima da ética dos combatentes, nomeadamente, dos militares, mas diferente dela, já que os esses combatentes vivem, por necessidade individual objectiva, uma indesejável ausência de paz, enquanto os políticos vivem um combate que, de algum modo, é um elemento constitutivo e virtuoso do processo de desenvolvimento humano. E pode ainda dizer-se que a partir de um certo nível de qualificação ou de responsabilidade, os cidadãos politicamente activos são destinatários de um acréscimo de exigência.
Pode pois afirmar-se que os cidadãos que se envolvem activa e sistematicamente na política não estão dispensados de uma fidelidade completa aos padrões éticos que se impõem a qualquer indivíduo, mas são onerados por uma exigência mais funda inscrita numa ética de combate e potenciada pelo reconhecimento de que desfrutam junto dos que partilham as suas posições, bem como pela sua representatividade e pelo seu prestígio junto deles, em especial, e da sociedade em geral.
Mas há um outro plano de relacionamento entre a ética e a política que vai muito para além da individualidade pessoal dos protagonistas políticos, e que é a verdadeira pedra de toque para avaliar a legitimidade histórica de uma orientação política. Plano esse, cuja ausência pode esvaziar por completo de qualquer virtude ou utilidade as conquistas alcançadas no plano anterior.
De facto, a política ou é um caminho para uma sociedade livre, justa e fraterna, sempre mais livre, mais justa e mais fraterna, sob a égide da cooperação e da solidariedade, num ambiente de criatividade individual e colectiva, dando corpo a uma ética de efectiva humanização das sociedades, guiada por uma antropologia da esperança, ou pouco mais é do que uma tosca ocultação de práticas continuadas de exploração e de opressão. Ou seja, ou a política se funde com a ética, numa sinergia virtuosa que tenda cada vez mais a inscrever o futuro no modo como se vive o presente, ou é em si verdadeiramente uma prática anti-ética, independentemente da subjectividade dos indivíduos que a protagonizem.
Por isso, não faz sentido procurar envolver na mesma aura virtuosa todas as políticas ou todos os políticos, tal como não faz sentido envolvê-los no mesmo enxovalho. Comecemos por procurar saber se os objectivos de uma política na sua globalidade são qualificáveis positivamente no plano da ética, por visarem objectivos historicamente susceptíveis de serem desejados por todos os seres humanos, ou se são objectivos reconduzíveis a um mundo onde se aceite que convivam para sempre a opulência e a desgraça.
Quanto aos políticos que protagonizem o primeiro caminho, o reconhecimento de que partilham um caminho em que a política e a ética se relacionam numa sinergia virtuosa, apenas se pode sublinhar como é especialmente incongruente, e negativo para os seus próprios objectivos, que no plano do comportamento pessoal não atinjam a excelência ética inscrita no caminho político que escolheram.
Quanto aos políticos que sigam caminhos que materializam um descaso estrutural da política pela ética, embora se comportem com plena fidelidade aos padrões éticos no plano individual, apenas se pode desejar que a sua qualidade ética individual os conduza a um reexame estratégico das suas opções globais.
Para a política, a ética deve ser pois uma irmã. Mas nos dois planos e não apenas num.
Hoje, incrustou-se no senso comum a ideia de que é grande a distância entre uma e outra e que seria desejável que ela fosse encurtada. Muitas vezes é sincera a atitude que reflecte essa ideia, mas outras vezes não passa de uma hipocrisia grosseira. Não estamos perante uma excepção, mas não devemos esquecer essa dicotomia.
Dois vectores de raciocínio podem ajudar-nos. Como questão que envolve a maneira de cada indivíduo viver a política, a ética há-de ter uma incidência directa no comportamento de cada um de nós. Obedecerá necessariamente a padrões gerais que têm a ver com a nossa qualidade de seres humanos, natural e socialmente situados, mas também aos padrões de comportamento e motivação inerentes ao tipo específico de actividade que desenvolvemos. Neste último aspecto, a ética dos políticos tem talvez uma natureza diferente da ética das profissões, próxima da ética dos combatentes, nomeadamente, dos militares, mas diferente dela, já que os esses combatentes vivem, por necessidade individual objectiva, uma indesejável ausência de paz, enquanto os políticos vivem um combate que, de algum modo, é um elemento constitutivo e virtuoso do processo de desenvolvimento humano. E pode ainda dizer-se que a partir de um certo nível de qualificação ou de responsabilidade, os cidadãos politicamente activos são destinatários de um acréscimo de exigência.
Pode pois afirmar-se que os cidadãos que se envolvem activa e sistematicamente na política não estão dispensados de uma fidelidade completa aos padrões éticos que se impõem a qualquer indivíduo, mas são onerados por uma exigência mais funda inscrita numa ética de combate e potenciada pelo reconhecimento de que desfrutam junto dos que partilham as suas posições, bem como pela sua representatividade e pelo seu prestígio junto deles, em especial, e da sociedade em geral.
Mas há um outro plano de relacionamento entre a ética e a política que vai muito para além da individualidade pessoal dos protagonistas políticos, e que é a verdadeira pedra de toque para avaliar a legitimidade histórica de uma orientação política. Plano esse, cuja ausência pode esvaziar por completo de qualquer virtude ou utilidade as conquistas alcançadas no plano anterior.
De facto, a política ou é um caminho para uma sociedade livre, justa e fraterna, sempre mais livre, mais justa e mais fraterna, sob a égide da cooperação e da solidariedade, num ambiente de criatividade individual e colectiva, dando corpo a uma ética de efectiva humanização das sociedades, guiada por uma antropologia da esperança, ou pouco mais é do que uma tosca ocultação de práticas continuadas de exploração e de opressão. Ou seja, ou a política se funde com a ética, numa sinergia virtuosa que tenda cada vez mais a inscrever o futuro no modo como se vive o presente, ou é em si verdadeiramente uma prática anti-ética, independentemente da subjectividade dos indivíduos que a protagonizem.
Por isso, não faz sentido procurar envolver na mesma aura virtuosa todas as políticas ou todos os políticos, tal como não faz sentido envolvê-los no mesmo enxovalho. Comecemos por procurar saber se os objectivos de uma política na sua globalidade são qualificáveis positivamente no plano da ética, por visarem objectivos historicamente susceptíveis de serem desejados por todos os seres humanos, ou se são objectivos reconduzíveis a um mundo onde se aceite que convivam para sempre a opulência e a desgraça.
Quanto aos políticos que protagonizem o primeiro caminho, o reconhecimento de que partilham um caminho em que a política e a ética se relacionam numa sinergia virtuosa, apenas se pode sublinhar como é especialmente incongruente, e negativo para os seus próprios objectivos, que no plano do comportamento pessoal não atinjam a excelência ética inscrita no caminho político que escolheram.
Quanto aos políticos que sigam caminhos que materializam um descaso estrutural da política pela ética, embora se comportem com plena fidelidade aos padrões éticos no plano individual, apenas se pode desejar que a sua qualidade ética individual os conduza a um reexame estratégico das suas opções globais.
Para a política, a ética deve ser pois uma irmã. Mas nos dois planos e não apenas num.
1 comentário:
Meu caro Rui,
Óptimo post que subscrevo na íntegra.
Com cinismo, e empobrecendo o teu texto, poderia eventualmente sintetizar-se da seguinte forma :
" Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço ", sendo a irmã gémea :
Olha para o que faço, mas não olhes para o que digo...
Em qualquer dos casos, fica sempre o sabor amargo daqueles que não dizem nem fazem... e, pior, daqueles que fazem o que dizem com reserva mental.
Um abraço.
( bento )
Enviar um comentário