quinta-feira, 31 de março de 2011

LIÇÕES DAS ELEIÇÕES ALEMÃS

1. Houve, recentemente, eleições em dois Estados Federados da Alemanha: Baden-Württemberg (10 milhões e 700 mil habitantes; capital- Estugarda) e Renânia - Palatinato ( 4 milhões de habitantes; capital- Mogúncia). Dois estados do sudoeste alemão, um dos quais é terceiro, quer em termos populacionais, quer em extensão; o outro é um Estado de média dimensão e de média importância em termos populacionais.
O resultado das eleições em Baden-Württemberg pôs fim a meio-século de predomínio democrata-cristão. De facto, o partido da Srª Merkl perdeu, 5,2% dos votos e 9 deputados e os seus aliados liberais perderam 5,4% e 8 deputados. Os Verdes ganharam 12,5% dos votos e 19 deputados, ficando com mais 1, 3% do que o SPD e com mais um deputado, o que faz com que lhes caiba a liderança de um governo estadual, pela primeira vez na história da Alemanha. O governo será pois verde-vermelho, ficando assim bem claro o mau resultado do SPD, que baixou 2,1% e perdeu 3 deputados, tendo tido o seu pior resultado de sempre neste Estado. A Esquerda ( Die Linke) oscilou ligeiramente para baixo (0,3%), continuando fora do parlamento estadual. A coligação de esquerda terá pois 71 deputado estaduais e a direita 67.


Na Renânia -Palatinato, o grande derrotado eleitoralmente foi o SPD que perdeu 9,9% dos votos e 11 deputados. Os liberais (FDP), que tinham 10 deputados, deixaram de ter assento no parlamento estadual, por terem descido de 8% para 4,2%; os Verdes, que antes não estavam representados neste parlamento, passaram a dispor de 18 deputados, já que atingiram os 15,4%, quando antes tinham ficado ligeiramente abaixo da barreira dos 5%. A CDU subiu 2,4% e 3 deputados, tendo ficado com menos um deputado do que o SPD e com menos 0,5% dos votos. A conjugação destes resultados faz com que o SPD possa continuar a liderar o governo estadual, mas, uma vez que perdeu a mairia absoluta, agora com a participação dos Verdes. A Esquerda oscilou agora ligeiramente para cima (0,4 %), tendo continuado fora do parlemento estadual com os seus 3% de votos.


2. A severa derrota política da Srª Merkl, em B. -W., não deve fazer esquecer a incapacidade do SPD para a aproveitar, ao ter descido também mais de 2%. E, embora continue com a liderança do governo da R.- P., não se pode ignorara que perdeu 10% dos votos.

O SPD parece pois consistentemente amarrado a um patamar eleitoral modesto, reflectindo uma clara incapacidade para capitalizar a seu favor o desgaste do governo da Srª Merkl ( CDU-CSU/FDP). A Esquerda também não se tem mostrado capaz de aproveitar a estagnação do SPD para levantar voo. Apenas Os Verdes ( Die Grünen) se têm mostrado pujantes, de acordo com as indicações das sondagens, confirmadas pelos resultados das eleições acima referidos.

Na verdade, se analisarmos a evolução das sondagens dos últimos meses, respeitantes a toda a Alemanha, não vemos grandes oscilações. Na mais recente, já desta semana, a CDU/CSU limita-se a 33%, o SPD não vai além dos 25 %, Die Grünen atingem os 21%, Die Linke fica-se pelos 8% e o FDP cai para uns perigosos 5%. Ou seja, a base eleitoral do Governo da Srª Merkl desceu para uns modestos 38 %, os três partidos de esquerda, actualmente na oposição, se pudessem somar-se, chegariam aos 52%. E mesmo que uma possível coligação abrangesse apenas o SPD e os Verdes, ela atingiria os 46%.

Parece claro que, se não houver uma mutação inesperada, a esquerda tem boas hipóteses de voltar ao poder, após as próximas eleições legislativas alemãs. Mas, contra o que ainda há poucos anos era impensável, não é hoje certo que uma futura coligação de esquerda na Alemanha seja liderada pelo SPD. Pode ser liderada pelos Verdes. Também é nítido que, tal como em comentários anteriores sobre eleições alemãs já alvitrei, a estagnação do SPD não foi aproveitada pela Esquerda. E o papel dos Verdes na Alemanha não é um exemplo que possa ser seguido por outros países. Nomeadamente, aqueles onde os partidos deste tipo têm pouca expressão ou simplesmente não existem, como acontece no caso português.

A estagnação política dos partidos europeus da Internacional Socialista continua, pois, sem fim à vista; e o facto de se estar a passar com o SPD o que acima se refere agrava essa situação, em virtude da grande importância desse partido no PSE ( Partido Socialista Europeu ).


[ Pode clicar sobre o mapa e as infogravuras, para as poder ver aumentadas.]

quarta-feira, 30 de março de 2011

O ESTADO DE TRANSFORMAÇÂO SOCIAL


O PS, como único partido reformista no espectro político português, pode aperfeiçoar as suas políticas públicas de raiz institucional que apontam para um verdadeiro desenvolvimento social, melhorando administrativamente o modo de as pôr em prática, abrindo espaço a uma efectiva inovação social centrada nesse aperfeiçoamento e conjugando-as mais estreitamente entre si. Não é pequeno o mérito de quem empreenda com êxito esse caminho. Nem sempre da melhor maneira, é esse, no entanto, o caminho que tem procurado seguir.


Mas dificilmente conseguirá êxitos assinaláveis irreversíveis se não tiver em conta duas problemáticas entre si convergentes, também relacionadas com o desenvolvimento social.


Em primeiro lugar, será necessário compreender que as políticas sociais terão sempre um tecto baixo de eficácia, se o tipo de sociedade que imaginarmos para o futuro for uma reprodução do nosso presente. Pelo contrário, se assumirmos uma dinâmica de saída do tipo de sociedade presente, antecipando o futuro em que apostamos, através do reforço de tudo o que funciona no seio da nossa sociedade impregnado por uma lógica pós-capitalista, é mais provável que atinjamos patamares mais ambiciosos na qualidade dos resultados das políticas sociais praticadas, quanto mais não seja , pelo alargamento dos espaços pós-capitalistas.


Em segundo lugar, com este tonos de transformação, com este sinal estratégico de procura de uma sociedade outra, a aposta na dinamização dos movimentos sociais, das organizações económicas e sociais que não sendo públicas não são instrumentos dominados pela procura do lucro como rentabilização do capital, será uma aposta decisiva para abrir toda uma nova geração de sinergias entre as políticas públicas de desenvolvimento social e uma economia social em expansão, forte pela sua diversidade, pela sua coesão e por um dinamismo desse modo acrescido.


Neste sentido, podemos dizer que a melhor maneira de defender o Estado Social, no que ele representa de solidariedade e justiça, para além naturalmente de procurar ir sempre mais longe na sua sustentabilidade, na sua racionalidade, na sua eficácia e na sua amplitude, é encará-lo globalmente como um Estado de Transformação Social . Um estado que, pilotando a saída do actual tipo de sociedade, vá antecipando nos seus resultados uma parte dos seus objectivos últimos.


Por isso, não tem sentido imaginar um modelo de Estado Social petrificado, quanto ao qual nos coubesse depois apenas desenhá-lo com perfeição, para lhe podermos dar a necessária vida, ao fazê-lo funcionar plenamente. O Estado Social, em que devemos pensar, há-de ser uma teia de estruturas publicas animadas pela transformação necessária a uma permanente adequação às situações sucessivamente criadas pelo próprio êxito das medidas que vão sendo tomadas no seu quadro. Ou seja, o Estado de Transformação Social, para verdadeiramente o poder ser, tem que ter inscrito no seu código genético uma dinâmica de auto-transformação permanente. Dinâmica essa, onde se há-de inscrever como aspecto decisivo, uma sinergia continuada com os movimentos sociais futurantes e com as organizações animadas por lógicas cooperativas e solidárias.


É claro, que um Estado desse tipo não se reduz a esta vertente, não podendo dispensar-se de ser ágil e forte em todos o espectro das suas funções clássicas e modernas, mas é a sua vocação transformadora que verdadeiramente o deve caracterizar.

terça-feira, 29 de março de 2011

SOMBRAS E REALIDADES


Em Portugal, atravessamos um pequeno período dramático de um tempo instável, povoado por problemas sufocantes.

Os discursos, as propostas, os objectivos afixados pelos interventores políticos têm um valor facial que não pode ser ignorado. No entanto, é talvez a atitude que deixam transparecer, o horizonte para onde mostram que estão a querer caminhar que mais contam. E contam como sintomas do que realmente querem, como indícios dos bloqueios estratégicos que realmente os afligem.

À direita, o CDS está alapado numa campanha, que ele quer fazer parecer mansa, esperando que o PSD ganhe as eleições sem maioria absoluta, para fazer render a feliz circunstância de precisarem dele. Procura ser duro para com o Governo com a menor truculência possível e distancia-se do PSD com alguma cerimónia. Embrulhada nos seus temas emblemáticos, segue a clássica agenda neoliberal no que é essencial, tendo o cuidado de pôr os olhos em alvo, relativamente às vítimas dessa mesma agenda, mostrando assim que tem muita pena delas, mas não pode evitar-lhes o sofrimento. No limite, como Paulo Portas disse, sonha com um inesperado "bingo" eleitoral.

Na direita, que alega estar um bocadinho ao centro, o PSD apresta-se a tentar parecer um ciclone de mudança que não derruba uma única árvore. Mas os seus dirigentes deixaram já transparecer um lado reguila que os leva a precipitarem-se em disparates, que de seguida têm que vir dizer que foram a brincar. E começa a pairar, ainda ao de leve, mesmo entre os seus entusiastas, um vago receio de que possam tratar um futuro governo, onde consigam estar, como uma rapaziada de fim de semana. Para compensarem a atmosfera algo adolescente que os rodeia, recorrem, aqui e ali, a algumas remeniscências carcomidas do passado que voltam à ribalta política estremunhados, como se lhes tivessem interrompido um merecido repouso.

As oposições de esquerda cavalgam com algum espanto as suas palavras habituais , revelando curiosidade e preocupação, quanto ao ponto a que as vão conduzir os seus automatismos identitários. Alguns espíritos mais abertos e voluntaristas têm-lhe até dirigido apelos para que se juntem. Que eu saiba, só o PCP reagiu já, com uma resposta quase comovente, através da qual fez saber que o seu matrimónio com os Verdes era uma união feliz que o deixava plenamente satisfeito, não precisando de mais ninguém.

O PS apresta-se para o combate. Tudo indica que tenciona vender cara a derrota, que todos anunciam como certa. Ora, neste baile de sombras, só quem realmente venda cara uma possível derrota merece verdadeiramente vencer. Por isso, no pequeno coração dos seus inimigos, há um medo ainda leve que começa a subir: o medo de uma inesperada recuperação do PS. E, dia após dia, num ruído mediático crescente, muitas vozes criteriosamente conjugadas, provocam uma girândola política, que quase poderia parecer esquizofrénica: num momento cospem violentamente em tudo o que cheire a governo e a PS, para, no momento seguinte, se prostrarem dóceis diante dele, pedindo-lhe a esmola de uma futura ajuda. E alguns políticos, empresários ou comentadores, mais assimétricos, ocupam mesmo o seu repousado tempo a exigir ao PS que escolha, como seu primeiro dirigente, alguém que esses plumitivos achem ser um sujeito que lhes convenha.

Se o PS entender que este período de combate apenas exige que se faça como de costume, erguendo-se um pouco mais o tom de voz, intensificando-se a agressividade das palavras e flagelando-se com mais energia os adversários, corre o risco de patinar em seco e até, em última instância, de se estatelar. De facto, tudo isso é importante, mas precisa de ser completado, pela ostensividade de uma qualificação política objectivamente prestigiante. Deste modo, o PS tem que colocar já em movimento uma dinâmica de renovação interna que o torne mais eficaz, mais democrático, mais transparente e mais solidário. E tem que ser completamente alérgico a carreirismos pessoais, devendo agir com sistemática diligência, no aproveitamento pleno dos méritos, competências e capacidades dos seus militantes. Tem por isso que se mostrar objectivamente determinado a ser um verdadeiro movimento social, que adquira um protagonismo efectivo na impregnação do tecido social pelos seus valores e pelo seu horizonte. A urgência do longo prazo vai manifestar-se, com muita força, nos próximos tempos, pelo que quem falhar na imaginação do futuro dificilmente poderá ter credibilidade para que confiem nele como solução no presente.

domingo, 27 de março de 2011

DEVAGAR QUE TENHO PRESSA !


Do outro lado do rio está um inimigo com aviação, marinha de guerra, tanques, uma infantaria bem organizada, serviços de inteligência e um destacamento de guerra psicológica.

Qual é do lado de cá o combatente mais eficaz? É o que corre de imediato contra o inimigo gritando feroz e corajosamente ? Ou é o que, sabendo-se sem aviaçâo, sem marinha, sem tanques, evita combates, no imediato, em campo aberto, limitando-se a resisitir, mas promovendo desde já o fabrico de aviões , de barcos e de tanques, para mais tarde, lutando de igual para igual, ser capaz de vencer e não apenas de perder e morrer gloriosamente ?

Prefiro os segundos, porque atrás da primeira onda dos rápidos e trinca-fortes, vem quase sempre a melíflua legião dos pusilânimes que explodindo de aparente realismo, diz: Como fomos dizimados não podemos fazer mais do que rendermo-nos.

Quem não for capaz de ver que do lado de cá do rio, onde afinal está o povo socialista, são estas as alternativas que realmente se colocam, anda na política como os morcegos: parece célere , mas não vê nada.

quinta-feira, 24 de março de 2011

ROMPER O CERCO


Por rotina eleitoralista, por inércia propagandista, por força de convicções equivocadas, muitos serão os que se irão comportar perante o PS nos próximos tempos como se o quisessem destruir. Vão concentrar nele todas as culpas por todas as dificuldades que o país atravessa, vão diabolizá-lo imputando-lhe defeitos e perversidades sem conta. Vão sujeitá-lo a um permanente duche escocês, em que num momento lhe imputam todas as desgraças e no momento seguinte o sobrecarregam com todos os deveres de salvação nacional.

Mas talvez a direita e os seus patrões devessem compreender que o país com que se ficaria após uma hipotética destruição do PS seria um espaço político rasgado por um enorme buraco negro. Um buraco negro que separaria a parte do povo que vive o presente como incomodidade da que o encara como prazerosa jornada, sem que estes corressem o risco de ver os seus mandantes de algum modo longe do poder e sem que aqueles pudessem alimentar a mais leve esperança de partilharem sequer o leme do nosso país. Um quadro destes dificilmente permitiria um mínimo de vivência democrática. Muitas energias se escoariam com pouco utilidade modificadora em manifestações, protestos, ocupações e revoltas. A democracia, se sobrevivesse, de tão musculada que iria tendendo a ser acabaria por se tornar irreconhecível, como tal.

E talvez as oposições de esquerda não se devessem imaginar como um regaço onde os que sempre se reconheceram no PS iriam tombar docilmente quando a sua casa fosse destruída. Talvez inchassem um pouco, ficando no entanto arrumados a um canto rilhando os dentes de fúria perante o repetido poder da direita. Acantonados e cercados, aqui ficariam murchando com a Europa. Os excluídos, os explorados e os oprimidos, sonhariam com PECS como com paraísos nesse indesejado tempo cinzento a que uma hipotética destruição do PS muito provavelmente conduziria.

Por isso, a luta que o PS tem pela frente não é apenas o natural combate de cada partido pela própria expansão. É também resistência perante um garrote político que pretende aniquilá-lo. É esforço por manter o fundamentalismo neo-liberal longe do poder total. É deixar uma janela de futuro aberta para que o país possa respirar. Mas também luta para evitar o risco de destruição.

Por isso, não basta seguir as boas práticas destes combates. É preciso povoá-lo de factos que demonstrem um verdadeira metamorfose do PS que, conservando a âncora bem firme no essencial da sua identidade, colmate as suas falhas mais evidentes, abra as portas de novas formas de trabalho político em novos territórios de intervenção e feche as portas á utilização do Partido para oportunismos e carreiras. Não é o tempo de dar responsabilidades a “soldadinhos de chumbo”, óptimos para enfeitar péssimos para combater, é tempo de distribuir “armas políticas” a quem as saiba usar com eficácia.

Determinação e imaginação, enraizamento e flexibilidade, lealdade e frontalidade, coragem e prudência, persistência e ousadia, pés bem assentes na terra e a cabeça firmemente no futuro, eis aquilo de que o PS precisa, eis aquilo a que os socialistas, um por um, estão obrigados.

quarta-feira, 23 de março de 2011

HIPOCRISIA

Um Coelhote engravatado com uma pose enorme, acaba de fazer publicamente uma das cenas mais hipócritas a que me foi dado assistir.

Com o contributo determinante do PSD, o governo do PS acaba de cair, no termo de uma miserável campanha de intoxicação mediática, em que a direita teve o contributo inesperadamente ostensivo das oposições de esquerda, reduzidas assim ao triste papel de armas de arremesso daquela e dos seus mandantes.

O tal Coelhote mal acabou de limpar a lâmina da adaga acabada de cravar no governo do PS, perfilou-se por detrás das câmaras e seraficamente proclamou a sua belíssima intenção de acabar com a crispação na política portuguesa.

Não sei se o homem é completamente cínico ou se limita a ser algo esparvoado, mas é difícil aceitar que um líder de um grande partido seja realmente tonto.

Por isso, eu tomo o que ouvi pelo seu valor facial. O homem tinha acabado de assassinar o governo do PS e de imediato prometia o corajoso angelismo de uma descrispação política.

Hipocrisia: é a palavra que ocorre.

terça-feira, 22 de março de 2011

HUMILHADOS E SEDUZIDOS


Há um vago rumor político a crescer lentamente nos círculos dos poderes fácticos e no condomínio fechado dos barões mais circunspectos dos partidos da direita, que nos deveria deixar perplexos.

De facto, ao mesmo tempo que todos os megafones mediáticos são usados para que cachorros dia a dia mais raivosos abocanhem o actual Governo e o PS, comparando-os a uma praga de que o país tem que livrar-se, é entre algumas das vozes mais sonantes desse coro que se insinua o rumor referido.

Um rumor segundo o qual essa mesma desgraça ambulante que a gente fina diz ser o PS é afinal o parceiro insubstituível de qualquer solução para o bloqueio em que o país está.

É estranho, atrevo-me a dizer. Mais natural seria que quem acha que o PS é um desastre procurasse afastar-se dele o mais possível e procurasse mantê-lo bem longe das alavancas de qualquer poder; ou, olhando noutra perspectiva, o natural seria que quem achasse que o PS é um parceiro indispensável em qualquer solução duradoura dos problemas que afligem o país, o não cobrisse diariamente de insultos e diatribes.

Mas não é isso que acontece. Num momento, os expoentes mais vistosos da direita comportam-se quanto ao PS como mabecos raivosos, para no momento seguinte lhe fazerem comoventes serenatas. Num momento exigem que o PS se deixe estraçalhar, no momento seguinte que se deixe seduzir.

Algo não bate certo. O mais prudente será, por isso, que se coloque a hipótese de que a direita não ataca o PS com receio do mal que o PS possa fazer ao país, mas com medo que um relativo êxito no caminho seguido a deixe mais algum tempo longe do ”pote” ( no dizer do seu chefe mais ostensivo). E, sendo assim, a direita quer o PS ao seu lado precisamente porque faz um inconfessável juízo positivo quanto à sua capacidade para fazer sair o nosso país da crise em que está.

Compreende-se. A direita sabe que sozinha em breve mostrará ao que vem, reconduzindo-nos a tempos ainda mais difíceis. Precisa pois de um parceiro que a auxilie e ainda por cima possa partilhar ou absorver as culpas do que vier a acontecer.

Ou se formos prudentes, podemos ainda recear que a direita esteja aqui a ser ainda mais perversa. Ela talvez queira matar o urso e não desiste de lhe ficar desde já com a pele.

É talvez demais. O urso, que neste caso somos nós, talvez nem morra; mas seguramente que não vai deixar que lhe vendam a pele antes de o esfolarem. De facto, se for por diante a demolição do actual Governo por impulso irresistível do PSD, não é decente exigir-se ao demolido que venha tirar da encrenca em que, precisamente em virtude da demolição, o demolidor se meteu.

quarta-feira, 16 de março de 2011

È URGENTE OLHAR PARA LONGE !


As aparências mais evidentes apontam para a alta probabilidade de uma crise política em Portugal, a curto prazo. O PS, responsável por um Governo minoritário, está no centro da tempestade. Pelos automatismos da luta política, será levado às rotinas habituais, neste tipo de conjunturas. É desejável que as cumpra com determinação e eficácia.

Mas sendo desejável, isso não chega. As enxurradas de problemas que estão a desaguar na actual conjuntura têm como uma das suas mais claras consequências a transformação dos objectivos de longo prazo em questões urgentes. De facto, nunca a capacidade para rasgar horizontes, a agilidade para traçar caminhos que nos levem a eles, foram factores de credibilidade e de verosimilhança dos objectivos imediatos, tão importantes e decisivos.

As grandes narrativas da esperança que agitaram o século passado parecem ter-se esgotado com ele, mas o modo de produção e reprodução da vida social assim triunfante assemelha-se cada vez mais a uma desfilada cega ao longo de recorrentes abismos, um garrote estrangulando implacavelmente a esperança e a dignidade humana de milhões e milhões de pessoas. No geral, Portugal em termos relativos está longe de ser um dos palcos dos grandes desastres do mundo actual, mas não é suportável a dimensão da desigualdade que grassa entre nós, nem os flagelos sociais que dela resultam, nem o cínico confisco do nosso futuro colectivo pela sofreguidão dos interesses dominantes e pelas ideologias que o reflectem e sustentam.

Por isso, precisamos de uma nova narrativa da esperança emancipatória e solidária que restitua o futuro aos portugueses, numa Europa que também o recupere, para regressar ao concerto dos povos do mundo como impulso e referência, rumo a novos horizontes. Os caminhos podem ser difíceis e longos, mas se os povos estiverem ao leme através de democracias limpas, se virem com clareza o sentido dos caminhos e se tiverem uma garantia sólida de que a nova narrativa se cumprirá, sem deixar de se ir aperfeiçoando, os povos saberão sacrificar-se.

Mas se na voragem do imediatismo, endeusado pela ilusão das urgências, se esquecer tudo o que não sejam as banalidades previsíveis das campanhas crispadas, prometendo-se ferozmente uma repetição petrificada do presente, deixando-se a direita jogar no buraco negro que ela assume como futuro, para aí desfiar sem pejo o rosário dos seus equívocos e a teia cínica de todas as mistificações que a estruturam, acabaremos por deixar o povo de esquerda abandonado a um desespero cinzento e triste. Desespero que até poderá dar algum êxito ao trovejar excitado das outras esquerdas, mesmo angustiadas pelo dilema crescente de não serem capazes de marcar a sua diferença perante o PS, sem abrirem desse modo as portas do poder a uma direita, que acentuará dramaticamente tudo aquilo que separa essas esquerdas do PS.

É , por isso, urgente, abrir desde já as portas a uma profunda renovação do PS, quer quanto ao modo como se relaciona com a sociedade, com o capitalismo e com o futuro, quer quanto ao seu funcionamento interno. Urgente, porque só será realista pugnar pel a conquista de uma nova credibilidade no curto prazo, se for objectivamente evidente que o PS iniciou um longo e radical processo de renovação.

terça-feira, 15 de março de 2011

Dizem que é mau, mas não passam sem ele.



O responsável por um dissimulado programa de propaganda semanal do PSD na TVI, Marcelo Rebelo de Sousa, procurou imputar a Sócrates as culpas por uma crise que vaticinou como bastante provável. Normal, na função que ali desempenha de propagandista subtil do PSD, consistindo aqui a subtileza o modo como ostenta uma imaginária qualidade de comentador independente.

Mas o que eu achei curioso é que, zurzindo no PS, dando notícia da grande convergência nacional que, para ele, existe quanto a essa hostilidade, o arguto propagandista apenas achou, como solução possível da crise atravessada, uma coligação de toda a direita, ou pelo menos do PSD, com o PS.

Estranha incompetência a desse partido, que ao mesmo tempo que é agredido de todos os lados pelo que faz o seu governo, é considerado uma parcela indispensável do governo que viria substituí-lo se conseguissem derrubá-lo.

Talvez, por isso fosse bom que o PS tornasse claro que se outros o derrubarem, menosprezando a estabilidade política mesmo nesta conjuntura, devem estar avisados que, perante qualquer outro governo saído de um derrube do actual, o PS será oposição contra ele, desde o princípio.

De facto, se o governo do PS for derrubado pela recusa do PSD em lhe dar qualquer suporte sequer indirecto, não teria sentido que quem recusou abrir a porta da governabilidade a um adversário, mesmo numa situação limite, lhe vá pedir logo de seguida aquilo que acabou de lhe recusar.

segunda-feira, 14 de março de 2011

GREVES, EMPRESÀRIOS E OUTRAS COISAS


Dizem que é uma espécie de greve. Estranha. Uma das três reivindicações dos alegados grevistas é a reforma da legislação laboral num sentido desfavorável aos trabalhadores, segundo afirma um dos sindicatos dos trabalhadores de transportes.

Sindicato esse que sublinha o facto de se não estar perante uma greve dos camionistas - trabalhadores, mas dos empresários de camionagem-patrões. Entre os manifestantes vários são identificados como empresários, confirmando esse sublinhado. As negociações falhadas foram entre associações empresariais e governo.

Não estamos, portanto, perante greve nenhuma , mas perante um "lock-out", que em Portugal é expressamente proibido pela Constituição. Não há pois quaisquer piquetes de greve, legalmente protegidos e regulados. Há apenas grupos de pressão organizados, actuando á margem da legalidade democrática. Não acho mal que, mesmo não se estando perante o exercício de um direito de greve, se tratem os protestos sem violência. Mas não acho que se possam deixar desprotegidos todos os que não se submetam ao "lock-out", nem que se leve a transigência tão longe que possa ser posto em causa o interesse público.

E, principalmente, não esqueçamos protestos de camionistas noutros tempos, noutros países. por exemplo, no Chile de Allende, quando ajudaram a abrir caminho a Pinochet. Admito até que muitos não o tivessem feito desejando o resultado, mas a verdade é que o resultado ocorreu e durante toda o tempo da ditadura de Pinochet nunca mais houve protestos de camionistas. Nem de camionistas nem de ninguém. Pelo menos, protestos que não fossem brutalmente reprimidos.

Devo, no entanto, dizer que acho mais compreensível que quem protesta se revista da qualidade imaginária de grevista, do que a tacanhez dos jornalistas que papagueiam um palavreado estereotipado dos acontecimentos como se estivessemos perante uma autêntica greve.

Aliás, um tanto à margem destes acontecimentos, mas a partir deles, há algum tempo que me parece que tem que haver uma mudança de fundo, no modo como são encarados pela ordem jurídica os pequenos empresários, que muitas vezes são realmente trabalhadores ao serviço de grandes patrões. Simplesmente, em vez de serem encarados e protegidos como tais, são erguidos à digníssima qualidade de empresários para poderem ser desprotegidamente explorados pelos empresários graúdos. Neste, como em muitos outros casos, no campo da luta politico-ideológica quem se engana de adversário é muitas vezes levado a combater-se a si próprio.

sexta-feira, 11 de março de 2011

O REGRESSO DOS MORTOS VIVOS


Os netos dos legionários , os ex-ministros do antigamente, a gente fina da linha, os novos, novíssimos e velhíssimos ricos, os barões, condes e marqueses, os capitães de ex-indústria e os latifundiários, suas eminências e suas emitências, muitos plumitivos, carreiras, crespos e pachecos, pequenos e grandes nóias, voltam em força, para abocanhar tudo o que lhes cheire demasiado a esquerda, demasiado a republicano, demasiado a democrático.

A esquerda bimba abre-lhes caminho.

Mas tenham tento, porque quando a gente fina toma o poder do Estado sem o constrangimento da democracia, mas a bem da nação, não faz discriminações quando se trata de pôr na ordem os recalcitrantes: comem pela medida grande todas as esquerdas, sem excepção.

Lembrem-se disso. Todos.

quinta-feira, 10 de março de 2011

ARREPENDIMENTO PRESIDENCIAL


Se não me faltar a necessária pachorra, talvez até volte a comentar a operação de socorro ao PSD, que generosamente o Presidente da República levou a cabo, no seu discurso de retomada de posse. Mas aqui apenas lhe vou fazer um breve elogio, que uma passagem do seu discurso inequivocamente merece.

O Presidente Cavaco teve a coragem, digo bem, coragem, de fazer uma explícita autocrítica pelo que foi uma das marcas identificadoras do seu longo consulado. Ele acha agora que não se deve fazer qualquer concessão aos favorecimentos partidários. Ou seja, arrependeu-se. E quanto a arrependimentos sinceros, mais vale tarde do que nunca.


Certamente, entre os seus remorsos mais recorrentes, imagino que o mais doloroso tenha sido causado pela célebre nomeação de um industrial de facas para administrador de um hospital, só ultrapassada, em esoterismo, pela nomeação de um esforçado estudante de economia para a administração de outro hospital.

terça-feira, 8 de março de 2011

DECÊNCIA DEMOCRÁTICA


Uma das regras de convivência democrática, que, no essencial, tem sido respeitada em Portugal desde os finais dos anos setenta do século passado, é a de não perturbar com quaisquer espécies de acções ou manifestações de hostilidade as realizações públicas ou privadas de qualquer partido político.

Há uns anos atrás, essa regra de convivência foi quebrada por manifestações promovidas por sindicatos em actos políticos do PS. Ontem , em Viseu, um grupo de jovens intrometeu-se numa realização interna do PS. A comunicação social referiu-se ao episódio apenas como se ele fosse um embaraço para Sócrates, mas em nenhum caso encontrei qualquer reparo crítico a essa provocação desnecessária.

Pode acabar-se de vez com a regra de convivência acima referida. Mas quando isso ocorrer a nossa democracia terá perdido qualidade. E, que não seja esquecido: um clima de respeito mútuo em contexto democrático é fácil de destruir, mas muito difícil de recompor.

E não haja ilusões. Se passar a ser corrente a perturbação de iniciativas partidárias por quem não gostar do respectivo partido, não serão as iniciativas de um único partido as que serão perturbadas. Mais cedo ou mais tarde, todas tenderão a sê-lo.

Que os jovens de Viseu se tenham precipitado ao fazer o que fizeram, não me custa a compreender. Mas que jornalistas adultos e maduros engulam tudo isso sem pestanejar, já me parece absurdo e sintomático.

Muitos têm sido os agentes políticos e os cidadãos apolíticos que têm, nos últimos anos, contaminado o debate democrático pelo reiterado recurso ao insulto e ao enxovalho pessoalizado. Em todos esses casos, esse tipo de agressão verbal apenas revela a mediocridade e a rasteirice dos seus autores, mas infelizmente os seus efeitos podem ser mais extensos. Podem corroer duradouramente a convivência no seio da nossa democracia entre cidadãos com opiniões diferentes, tornando o quotidiano público mais crispado e os diálogos políticos e sociais mais difíceis .

segunda-feira, 7 de março de 2011

O ZERO E O INFINITO


Por amável deferência dos próprios, tive conhecimento de uma intensa polémica espraiada pelo ciberespaço, entre sólidos esteios da candidatura de AFF e da própria COES.

Analisei à lupa os argumentos aduzidos e, numa tergiversação quiçá compreensível, não me inclinei para nenhum dos lados. De facto, não pude deixar de dizer para mim próprio: “Estão todos cobertos de razão!”

Foi então que um provérbio, alegadamente chinês, me assaltou sem cerimónias, dizendo-me, numa surdina cúmplice:

“Por mais que olhes para o teu umbigo, nunca verás o infinito!”

sábado, 5 de março de 2011

ENCONTRAR AS PERGUNTAS CERTAS


O que tem acontecido nos últimos anos, no plano económico e financeiro, sublinha uma verdade que os chamados desfavorecidos (podem chamar-se, com mais propriedade, explorados e oprimidos), sejam eles muito, pouco ou nada jovens, têm vindo a sentir na pele: o modo como está organizada socioeconomicamente a sociedade, faz com que ela não consiga produzir riqueza sem concomitantemente gerar pobreza e exclusão.

Por isso, o que será verdadeiramente decisivo para o aproveitamento da energia política, que já transparece do processo conducente à série de manifestações anunciadas pela geração, alegadamente à rasca, e pode revelar-se ainda muito maior, é a medida em que sejam capazes de colocar na agenda política as perguntas essenciais, abrindo com elas uma nova geração de políticas e sugerindo a possibilidade de um novo ciclo histórico.

Por exemplo, pode colocar-se de novo na ordem do dia um reexame sobre a legitimidade ética e a viabilidade política de se continuar a entregar a entidades privadas as decisões de investimento e de alocação de recursos financeiros, a partir do funcionamento do dogma da propriedade privada dos meios de produção. De facto, não deve esquecer-se que, no essencial, o capital é o trabalho anterior cristalizado, abstracto portanto, e é a ideia de que esse tipo de apropriação é inerente à lógica de mercado, a qual é olhada como a única que pode presidir, eficazmente e com um mínimo de efeitos colaterais perversos, à organização de uma sistema económico complexo numa conjuntura de modernidade. E que, portanto, está na base do tipo dominante de propriedade dos meios de produção actualmente vigente. As pessoas que desempenham o papel de capitalistas são investidas de um poder, cuja lógica está na ideia de que é esse o melhor caminho para beneficiar toda a sociedade e não como um benefício pessoal para quem o detém. É claro que as vantagens pessoais que suscita essa qualidade são um motivo forte para que os seus beneficiários queiram perpetuar esse tipo de estrutura, mas não é essa ambição o cerne da sua legitimidade.

Por isso, seria um enorme avanço na luta por uma sociedade nova se das manifestações saísse ao menos a dúvida quanto ao acerto em se insistir num tipo de sociedade que manifestamente não consegue desatar os nós que ela própria criou. Sonhos passados que se transformaram em pesadelos, caminhos que durante décadas se prometiam virados para o futuro, mas que se revelaram ser atalhos para lado nenhum, não podem ser encarados como certificados de eternidade para o tipo de sociedades em que temos vivido nos últimos séculos, até porque se desenham no horizonte limites objectivos à sua sobrevivência que só o fanatismo conservador, a estupidez mais bronca ou um verdadeiro egoísmo geracional podem ignorar. Pelo contrário, as rotas ilusórias antes percorridas fornecem-nos um vasto catálogo de erros e equívocos que não devem ser repetidos, que só voltarão a ser repetidos se a experiência histórica for desprezada.

O pior que podia acontecer é que destas novas multidões que se prometem ficasse a ilusão de que há algures um déspota esclarecido, ou um grupo maior ou menor de déspotas esclarecidos, capaz de na esteira de uma qualquer alquimia política, de onde resultasse uma panóplia de medidas miraculosas, trazer uma felicidade imediata para todos. Pelo contrário, tudo será diferente se começar a ser compreendido que só numa sociedade nova perderá razão de ser a angústia que os aflige, mas que ela será bem menor logo que realmente estejam a trilhar um caminho que os possa levar até ela; se for compreendido que a mudança que se precisa é um salto de uma dimensão imensa que só pode ser dado se, principalmente, a sociedade se puser em movimento, obrigando o Estado a uma sinergia virtuosa rumo a um mesmo horizonte. Um caminho tão ambicioso e tão necessário não se percorre em pouco tempo, mas quanto mais tarde começar a ser percorrido menos provável é que alguma vez o venha a ser.

Enfim, o futuro como horizonte só existirá se os que vivem os actuais presentes não deixarem que lho confisquem. Por isso, em suma, o que de melhor podem oferecer a si próprios os manifestantes que irão para as ruas, a si próprios e a todos nós, é começarem desde já a recuperar o futuro. Um futuro que as sórdidas sociedades actuais tão lamentavelmente têm esvaziado.

quinta-feira, 3 de março de 2011

ÉTICA E POLÍTICA


Procurar falar com simplicidade, mas sem simplismo, de coisas importantes é uma tarefa difícil. Por exemplo, reflectir sobre a relação existente entre a ética e a política.

Hoje, incrustou-se no senso comum a ideia de que é grande a distância entre uma e outra e que seria desejável que ela fosse encurtada. Muitas vezes é sincera a atitude que reflecte essa ideia, mas outras vezes não passa de uma hipocrisia grosseira. Não estamos perante uma excepção, mas não devemos esquecer essa dicotomia.

Dois vectores de raciocínio podem ajudar-nos. Como questão que envolve a maneira de cada indivíduo viver a política, a ética há-de ter uma incidência directa no comportamento de cada um de nós. Obedecerá necessariamente a padrões gerais que têm a ver com a nossa qualidade de seres humanos, natural e socialmente situados, mas também aos padrões de comportamento e motivação inerentes ao tipo específico de actividade que desenvolvemos. Neste último aspecto, a ética dos políticos tem talvez uma natureza diferente da ética das profissões, próxima da ética dos combatentes, nomeadamente, dos militares, mas diferente dela, já que os esses combatentes vivem, por necessidade individual objectiva, uma indesejável ausência de paz, enquanto os políticos vivem um combate que, de algum modo, é um elemento constitutivo e virtuoso do processo de desenvolvimento humano. E pode ainda dizer-se que a partir de um certo nível de qualificação ou de responsabilidade, os cidadãos politicamente activos são destinatários de um acréscimo de exigência.

Pode pois afirmar-se que os cidadãos que se envolvem activa e sistematicamente na política não estão dispensados de uma fidelidade completa aos padrões éticos que se impõem a qualquer indivíduo, mas são onerados por uma exigência mais funda inscrita numa ética de combate e potenciada pelo reconhecimento de que desfrutam junto dos que partilham as suas posições, bem como pela sua representatividade e pelo seu prestígio junto deles, em especial, e da sociedade em geral.

Mas há um outro plano de relacionamento entre a ética e a política que vai muito para além da individualidade pessoal dos protagonistas políticos, e que é a verdadeira pedra de toque para avaliar a legitimidade histórica de uma orientação política. Plano esse, cuja ausência pode esvaziar por completo de qualquer virtude ou utilidade as conquistas alcançadas no plano anterior.

De facto, a política ou é um caminho para uma sociedade livre, justa e fraterna, sempre mais livre, mais justa e mais fraterna, sob a égide da cooperação e da solidariedade, num ambiente de criatividade individual e colectiva, dando corpo a uma ética de efectiva humanização das sociedades, guiada por uma antropologia da esperança, ou pouco mais é do que uma tosca ocultação de práticas continuadas de exploração e de opressão. Ou seja, ou a política se funde com a ética, numa sinergia virtuosa que tenda cada vez mais a inscrever o futuro no modo como se vive o presente, ou é em si verdadeiramente uma prática anti-ética, independentemente da subjectividade dos indivíduos que a protagonizem.

Por isso, não faz sentido procurar envolver na mesma aura virtuosa todas as políticas ou todos os políticos, tal como não faz sentido envolvê-los no mesmo enxovalho. Comecemos por procurar saber se os objectivos de uma política na sua globalidade são qualificáveis positivamente no plano da ética, por visarem objectivos historicamente susceptíveis de serem desejados por todos os seres humanos, ou se são objectivos reconduzíveis a um mundo onde se aceite que convivam para sempre a opulência e a desgraça.

Quanto aos políticos que protagonizem o primeiro caminho, o reconhecimento de que partilham um caminho em que a política e a ética se relacionam numa sinergia virtuosa, apenas se pode sublinhar como é especialmente incongruente, e negativo para os seus próprios objectivos, que no plano do comportamento pessoal não atinjam a excelência ética inscrita no caminho político que escolheram.

Quanto aos políticos que sigam caminhos que materializam um descaso estrutural da política pela ética, embora se comportem com plena fidelidade aos padrões éticos no plano individual, apenas se pode desejar que a sua qualidade ética individual os conduza a um reexame estratégico das suas opções globais.
Para a política, a ética deve ser pois uma irmã. Mas nos dois planos e não apenas num.

quarta-feira, 2 de março de 2011

CLAREZA E SIMPLICIDADE


Um pensamento melífluo e gordo escorre pelo sistema mediático internacional a propósito dos povos árabes que se têm vindo a espalhar com alegria pelas praças de muitas cidades. Baluartes sólidos, fortemente adulados pelos poderes de facto e de direito, que mandam neste nosso mundo, ruiram como castelos de cartas. A extensão e a profundidade das mutações geopolíticas que se prometem no horizonte como sequência dos acontecimentos em curso, são difíceis de prever.


Por tudo isso, me pareceu extremamente saudável, pela sua simplicidade despretensiosa e por uma clareza sem ambiguidades, o que disse na ONU, Maria do Rosário Nunes que é a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil . Disso nos dá conta o texto que abaixo transcrevo da revista brasleira CartaCapital , cuja qualidade quero mais uma vez sublinhar.

O texto, datado de 1 de Março e assinado por Guilherme de Amorim, tem como título “Nenhum governo se sustentará pela força” e diz o seguinte:


"A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, discursou nesta segunda-feira (28) durante reunião extraordinária no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação do governo líbio e o destino de seu líder, Muammar Khadafi. Ela criticou as Nações Unidas por serem seletivas e atender a interesses políticos em suas diligências sobre as violações dos direitos fundamentais.
Depois de lembrar dos compromissos de defesa dos direitos humanos propostos pela presidenta Dilma Rousseff, a ministra lembrou da ditadura no Brasil e de como a mobilização popular foi responsável pela restauração da democracia. “Nenhum governo se sustentará pela força e pela violência. Nenhum povo suportará, em silêncio, a violação de seus direitos fundamentais”, afirmou Maria do Rosário, em referência a Khadafi.
A ministra lembrou que, por muitos anos, alianças estratégicas entre governos silenciaram as discussões acerca da defesa dos direitos humanos. Ela reforçou a posição do Brasil como favorável às discussões e deliberações do conselho das Nações Unidas sobre o tema. “Estas discussões estiveram ausentes de discussão e deliberação neste Conselho, o Brasil defende que se debatam as violações dos diretos humanos em todos os países, onde quer que elas ocorram, mas é importante que delibere sem seletividade e sem politização”, declarou, para em seguida acrescentar: “O Brasil entende que posições econômicas e sociais não devem servir de pretexto para a violação dos direitos humanos. Todavia, a violação desses direitos tampouco pode ser um pretexto para ações unilaterais, sem o respaldo da comunidade internacional.”
Maria do Rosário
lembrou que é preciso combater estereótipos, e que cada população tem o direito e a capacidade de avaliar e responder aos seus próprios anseios políticos. Ela disse que o problema do mundo árabe não é um embate entre extremos e que cabe à comunidade internacional respeitar as decisões dos manifestantes.
A representante do Brasil destacou a importância de se acolherem as pessoas que deixaram seus países em momentos de crise, e que as ondas migratórias não podem ser reprimidas. “(Essas questões) devem ser tratadas com humanidade, e sem xenofobia”, acrescentou.
A ministra finalizou falando da necessidade de observação permanente nesses locais de conflito, visando à melhoria gradativa e ao restabelecimento da normalidade da vida da população. Ela comentou da importância de impedir que um novo desequilibrio social se instale nessas regiões que passam por um momento de fragilidade.
A situação na Líbia continua instável, mesmo com a pressão internacional para o fim dos conflitos. No sábado (26), o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por unanimidade, uma resolução de embargo à venda de armas para a Líbia e o congelamento dos bens de autoridades do país. Também ficou decidida a proibição de vistos para Khadafi e para pessoas ligadas a ele.
Por recomendação do Conselho de Segurança, o presidente líbio deve ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Ele é acusado de crimes contra a humanidade cometidos durante as manifestações."