1. O Presidente Cavaco vai recandidatar-se à Presidência da República. O mais conhecido oráculo da direita portuguesa tinha já anunciado o dia e a hora da revelação, quando ambos ainda eram secretos. Mas nem mesmo ele se lembrou de inventar, como novidade, aquilo que toda a gente sabia: Cavaco queria suceder a Cavaco.
Foi em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. Bem vestida, num reluzir de jóias e gravatas, uma plateia solene e sonolenta, ouviu um rosário de palavras previsíveis, com a distância aquiescente de quem está seguro da sua importância. Entusiasmo, era uma discreta ausência. Os aplausos quase melancólicos. Ali, reinou apenas a naftalina da esperança.
2. O novo candidato, no entanto, assegurou ser honesto e trabalhador. Registamos, embora algo espantados por ele ter sentido necessidade de o dizer.
O novo candidato vai poupar nos gastos de campanha, não ultrapassando metade do montante que a lei autoriza. Numa voz de quase soluço, alega o respeito pelas dificuldades que vivemos como a sua motivação. Aplaudiríamos com todas as mãos, se esse candidato não ocupasse o lugar que ocupa, beneficiando assim de uma exposição mediática que torna insignificante o papel de uns tantos cartazes espalhados pelo país. Um perfume de cinismo ou de hipocrisia pareceu pairar.
Foi em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. Bem vestida, num reluzir de jóias e gravatas, uma plateia solene e sonolenta, ouviu um rosário de palavras previsíveis, com a distância aquiescente de quem está seguro da sua importância. Entusiasmo, era uma discreta ausência. Os aplausos quase melancólicos. Ali, reinou apenas a naftalina da esperança.
2. O novo candidato, no entanto, assegurou ser honesto e trabalhador. Registamos, embora algo espantados por ele ter sentido necessidade de o dizer.
O novo candidato vai poupar nos gastos de campanha, não ultrapassando metade do montante que a lei autoriza. Numa voz de quase soluço, alega o respeito pelas dificuldades que vivemos como a sua motivação. Aplaudiríamos com todas as mãos, se esse candidato não ocupasse o lugar que ocupa, beneficiando assim de uma exposição mediática que torna insignificante o papel de uns tantos cartazes espalhados pelo país. Um perfume de cinismo ou de hipocrisia pareceu pairar.
O novo candidato tem um único partido: Portugal. E quem não é do mesmo partido que ele, apoiando, por exemplo, um outro candidato, poderá ainda ser considerado como português? Pergunta-se --- com o incómodo de quem surpreende, de novo, a pairar sobre nós, os milhafres do nacionalismo mais reaccionário e a nuvem negra do patrioteirismo mais hipócrita.
O novo candidato fala verdade, não mente. E não mente porquê? Porque, diz ele que foge como o diabo da cruz de ilusões e utopias. Utopias, sim. Foi isso que ele disse. E, talvez sem querer, ele mostrou desse modo o cerne da sua identidade mais funda: ele é o candidato anti-utópico.
3. Enfim, lá se foi ouvindo uma mistura triste de todos os artefactos ideológicos da direita portuguesa, consubstanciados na aspiração a repetir um mandato, que revelou que o único desígnio prático relevante do candidato, era o de evitar que esteja à frente do Estado português um Presidente da República oriundo da esquerda. Se a relação de forças política lho permitir sem risco, certamente que fará mais, que fará o que puder para conforto da direita. Se assim não for, pelo menos, continuará a fazer o que já fez. E se achar ter chegado um novo momento de conspiração contra o PS, semelhante à intentona das escutas a Belém, terá talvez mais cuidado ou mais engenho; ou talvez apenas mais cuidado na escolha dos artistas que mande para o terreno.
A direita portuguesa e os poderes de facto já salivam abundantemente, atrás de uma aliciante cenoura com que o destino lhes parece acenar: uma maioria, um Governo e um Presidente. Eis o que é um sonho para alguns, mas um pesadelo para o país. Por isso, o melhor é jogar pelo seguro, evitando desde já que Cavaco seja reeleito, o que só se evita, vencendo-o.
O novo candidato fala verdade, não mente. E não mente porquê? Porque, diz ele que foge como o diabo da cruz de ilusões e utopias. Utopias, sim. Foi isso que ele disse. E, talvez sem querer, ele mostrou desse modo o cerne da sua identidade mais funda: ele é o candidato anti-utópico.
3. Enfim, lá se foi ouvindo uma mistura triste de todos os artefactos ideológicos da direita portuguesa, consubstanciados na aspiração a repetir um mandato, que revelou que o único desígnio prático relevante do candidato, era o de evitar que esteja à frente do Estado português um Presidente da República oriundo da esquerda. Se a relação de forças política lho permitir sem risco, certamente que fará mais, que fará o que puder para conforto da direita. Se assim não for, pelo menos, continuará a fazer o que já fez. E se achar ter chegado um novo momento de conspiração contra o PS, semelhante à intentona das escutas a Belém, terá talvez mais cuidado ou mais engenho; ou talvez apenas mais cuidado na escolha dos artistas que mande para o terreno.
A direita portuguesa e os poderes de facto já salivam abundantemente, atrás de uma aliciante cenoura com que o destino lhes parece acenar: uma maioria, um Governo e um Presidente. Eis o que é um sonho para alguns, mas um pesadelo para o país. Por isso, o melhor é jogar pelo seguro, evitando desde já que Cavaco seja reeleito, o que só se evita, vencendo-o.
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