terça-feira, 26 de outubro de 2010

UM CANDIDATO TRISTE


1. O Presidente Cavaco vai recandidatar-se à Presidência da República. O mais conhecido oráculo da direita portuguesa tinha já anunciado o dia e a hora da revelação, quando ambos ainda eram secretos. Mas nem mesmo ele se lembrou de inventar, como novidade, aquilo que toda a gente sabia: Cavaco queria suceder a Cavaco.

Foi em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. Bem vestida, num reluzir de jóias e gravatas, uma plateia solene e sonolenta, ouviu um rosário de palavras previsíveis, com a distância aquiescente de quem está seguro da sua importância. Entusiasmo, era uma discreta ausência. Os aplausos quase melancólicos. Ali, reinou apenas a naftalina da esperança.

2.
O novo candidato, no entanto, assegurou ser honesto e trabalhador. Registamos, embora algo espantados por ele ter sentido necessidade de o dizer.

O novo candidato vai poupar nos gastos de campanha, não ultrapassando metade do montante que a lei autoriza. Numa voz de quase soluço, alega o respeito pelas dificuldades que vivemos como a sua motivação. Aplaudiríamos com todas as mãos, se esse candidato não ocupasse o lugar que ocupa, beneficiando assim de uma exposição mediática que torna insignificante o papel de uns tantos cartazes espalhados pelo país. Um perfume de cinismo ou de hipocrisia pareceu pairar.
O novo candidato tem um único partido: Portugal. E quem não é do mesmo partido que ele, apoiando, por exemplo, um outro candidato, poderá ainda ser considerado como português? Pergunta-se --- com o incómodo de quem surpreende, de novo, a pairar sobre nós, os milhafres do nacionalismo mais reaccionário e a nuvem negra do patrioteirismo mais hipócrita.

O novo candidato fala verdade, não mente. E não mente porquê? Porque, diz ele que foge como o diabo da cruz de ilusões e utopias. Utopias, sim. Foi isso que ele disse. E, talvez sem querer, ele mostrou desse modo o cerne da sua identidade mais funda:
ele é o candidato anti-utópico.

3. Enfim, lá se foi ouvindo uma mistura triste de todos os artefactos ideológicos da direita portuguesa, consubstanciados na aspiração a repetir um mandato, que revelou que o único desígnio prático relevante do candidato, era o de evitar que esteja à frente do Estado português um Presidente da República oriundo da esquerda. Se a relação de forças política lho permitir sem risco, certamente que fará mais, que fará o que puder para conforto da direita. Se assim não for, pelo menos, continuará a fazer o que já fez. E se achar ter chegado um novo momento de conspiração contra o PS, semelhante à intentona das escutas a Belém, terá talvez mais cuidado ou mais engenho; ou talvez apenas mais cuidado na escolha dos artistas que mande para o terreno.

A direita portuguesa e os poderes de facto já salivam abundantemente, atrás de uma aliciante cenoura com que o destino lhes parece acenar: uma maioria, um Governo e um Presidente. Eis o que é um sonho para alguns, mas um pesadelo para o país.
Por isso, o melhor é jogar pelo seguro, evitando desde já que Cavaco seja reeleito, o que só se evita, vencendo-o.

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