sábado, 9 de outubro de 2010

Brasil - a esperança à procura de uma cor


Contra o que eram as expectativas dominantes e o que indicavam as sondagens, Marina Silva atingiu quase 20% dos votos na primeira volta das eleições presidenciais brasileiras. Terceira classificada, oriunda do PT, que ajudou a fundar, e onde militou durante décadas, sai desta primeira volta como a arma mais poderosa da direita brasileira para levar Serra à vitória e como a ameaça mais séria a uma possível vitória de Dilma, a candidata da continuidade de Lula, a candidata da esquerda.

Marina saiu do Governo de Lula insatisfeita com o que considerou ser um excesso de descaso pelas preocupações ambientais. Mais perto das actuais eleições, saiu do próprio PT, que notoriamente iria seguir Lula e escolher Dilma como a sua candidata, para ela própria poder ser candidata presidencial. Por isso, se acolheu a um partido (Partido Verde), que teve Ministros nos Governos de Lula, cuja natureza se harmonizava, pelo menos na aparência, com o núcleo central da identidade política de Marina, as preocupações ambientais.

Mesmo beneficiando do efeito-Marina , os Verdes tiveram uma prestação modesta: nenhum Governador eleito, nenhum Senador, 15 deputados ( em mais de 500). Deste modo, parece poder dizer-se que uma boa parte dos votos recebidos pela candidata são muito mais dela do que do PV, aliás, a única força política que a apoiava oficialmente.

Se podemos dizer que os outros dois candidatos eram apoiados por duas coligações que, embora heterogéneas, representavam a dicotomia esquerda – direita, pela marca hegemónica de cada uma delas, também os eleitores de Marina parecem repartir-se entre os que se sentem mais próximos de Serra e os que se sentem mais dentro do universo Lula. O PV irá tomar uma posição, Marina também e pode não ser coincidente. O respectivo candidato à vice-presidência , um empresário “verde”, já declarou neutralidade.

Marina começou por procurar ser uma candidata rebelde dentro do “lulismo”, centrada numa agenda “verde”. Procurou depois ser um antídoto da bipolarização entre os outros dois candidatos, afirmando-se coma personificação de um estranho “nem esquerda-nem direita”. Distanciou-se da campanha suja contra Dilma, promovida pela direita mediática e pelo desespero dos “serristas”, mas terá lucrado com ela. Conseguiu construir uma imagem de quem valoriza o combate de ideias e o debate programático, em detrimento da voragem dos ruídos propagandísticos, que, de algum modo, conseguiu colar às outras candidaturas, ou que elas próprias permitiram que fosse mais evidente.

Uma leitura rápida da marcha das sondagens nos últimos meses, em conjugação com os resultados, sugere que no eleitorado de Marina, quase 20 %, se reparte em três tendências: os que seguirão a posição que a direcção do PV vier a tomar, os que seguirão a posição de Marina e os que tomarão uma posição independente do facto de terem votado em Marina. Três posições estão em cima da mesa: apoiar um dos candidatos, ou não apoiar nenhum. Marina está a tentar transformar o seu dilema eleitoral num debate programático potenciador das suas posições. Cada um dos candidatos que disputa a segunda volta ( Dilma e Serra) está a procurara conquistar os eleitorado de Marina Silva.

Os 14% de vantagem de Dilma sobre Serra são um avanço apreciável, mas não chegam aos 19% de Marina. Não há um vencedor certo, embora Serra dificilmente possa recuperar. Com novos pretextos, a campanha suja contra Dilma continua. O fantasma do golpismo “udenista” paira ainda no espírito da direita brasileira, como uma tentação a que não resiste, quando lhe crescem as aflições, por mais modernos e sinceramente democráticos que possam ser alguns dos os seus actores principais. Lula vai ter que arregaçar as mangas. A derrota da sua candidata congelaria o Brasil e seria, decerto, à escala mundial, um arrepio da esperança.

4 comentários:

Carta a Garcia disse...

Caro Rui,
Fiz link para "A Carta a Garcia".Obrigado.Abraço.
OC

Anónimo disse...

José Serra é o candidato da direita?

Rui Namorado disse...

O sentido que dou,ao considerar Serra o candidato da direita,é o que consta do meu próprio texto:Dilma e Serra são "apoiados por duas coligações que, embora heterogéneas, representavam a dicotomia esquerda – direita, pela marca hegemónica de cada uma delas".

Se olharmos para a preferência dos mais ricos, para a posição dos grupos dominantes da comunicação social, para a posição nuclear na candidatura de Serra do Partido Democrático(antiga ala liberal dos partidos apoiantes da ditadura militar), não poderemos chegar a outra conclusão.

De facto, a direita brasileira, ou não existe, ou se existe apoia Serra. Ora, parecendo-me que existe, parece-me claro que dominantemente apoia Serra.

Aliás, uma parte das críticas que alguns dos seus apoiantes têm feito a Serra vão no sentido dele ter disfarçado excessivamente a sua identidade política.

Rui Namorado disse...

Aceito sem reservas que conste dos comentários a opinião seja de quem for e por maioria de razão a de um socialista de Coimba.

Mas vou apagar o texto da Veja porque não acolho lixo vindo do complexo mediático-reaccionário que desde sempre combateu Lula e a esquerda.

O texto introduzido como comentário é disso um bom exemplo: demgogia e distorção da verdade.