sábado, 16 de outubro de 2010

Dentro do PS


1. Os acontecimentos que vieram a público, a propósito das eleições na Federação de Coimbra do PS, representam um profundo desprestígio para esse partido e reflectem uma grande insalubridade no seu funcionamento interno.

Certamente, se apurará qual o grau de verdade dos factos alegados e qual o grau de acerto quanto ao modo como foram divulgados. Mas nunca deve esquecer-se que a legitimidade, em se discutir o grau de reserva que deve ser respeitado pelos militantes de um partido quanto à revelação pública dos seus problemas internos, não apaga a essencial questão de se saber se tais factos ocorreram ou não.

Do mesmo modo, só um inconveniente recurso a um artifício de humor negro, pode explicar que alguém tente justificar qualquer lesão às regras estatutárias ou à simples decência política, alegando que as vítimas de hoje foram os algozes de ontem.

Está ainda em curso o processo de validação dos resultados. Espera-se que não se some ao problema já existente um novo problema. Ou seja, espera-se que as instâncias internas de validação e de jurisdição actuem com transparência e com total respeito pela legalidade estatutária e para com os princípios da legalidade democrática.

E, tendo-se chegado aonde se chegou, não pode ficar qualquer dúvida sobre o saneamento de todas as eventuais irregularidades e sua superação prática, tal como sobre a avaliação de eventuais ilícitos de uma maior gravidade, pelas instâncias competentes.

2. Se o Partido, no seu todo, assumir a negatividade do conjunto destes acontecimentos, como algo que não se pode repetir, mudando por completo o paradigma que tem impregnado as eleições internas no PS, o prejuízo político sofrido não terá sido em vão.

Num recente texto publicado neste blog, lembrei, quanto a esta matéria, o conteúdo da moção Mudar para Mudar, apresentada no mais recente Congresso Nacional do PS,em 2009, da qual fui um dos subscritores. Hoje, vou recordar , como contributo para a referida mudança de paradigma, o que dizia quanto a esta questão
a moção apresentada pela candidatura ao Congresso da Federação de Coimbra do PS de 2006, encabeçada por Luís Marinho, da qual fui um dos subscritores.

Num tópico intitulado, “Legalidade, limpidez e equidade nas eleições para os órgãos internos”, dizia-se:

“O PS não pode ser o garante da democracia na sociedade portuguesa, orgulhando-se de assumir por completo o significado mais fundo do 25 de Abril, ao mesmo tempo que transige com a fraude e desigualdade nas eleições disputadas no seu interior. Reconhece-se o esforço que a Direcção Nacional vem fazendo para superar praticas inaceitáveis Mas há ainda um longo caminho a percorrer na reforma de vícios que mancham a democraticidade interna e a convivência.
Deste modo, é indispensável que se interrompa a deriva antidemocrática que tem inquinado com preocupante frequência algumas disputas internas ocorridas nesta federação, embora seja desejável que as regras que preconizamos se apliquem em todo o partido.
Assim, a título de exemplo, no quadro da criação de regras que garantam a plena igualdade de oportunidades a todos os candidatos, defendemos: que todas as sessões de esclarecimento, integradas nas campanhas eleitorais internas, tenham obrigatoriamente a presença de todos os candidatos ou de representantes seus; que todos os envios postais dirigidos aos militantes no âmbito das campanhas internas sejam da responsabilidade directa do partido, não sendo admitidos quaisquer outros e sendo garantido tratamento igual a todos os candidatos.
Não pode continuar a depender da fortuna do candidato, ou da sua arte de angariar fundos, a possibilidade de ser candidato dentro do PS, ou de fazer uma campanha em condições iguais às de outros concorrentes.
Por outro lado, é indispensável que os estatutos do Partido sejam revistos, de modo a tornarem expresso que a prática de fraudes eleitorais nas eleições internas do partido, implica necessariamente a mais grave sanção. É preciso finalmente dar autoridade às instâncias jurisdicionais do partido, entregando-lhes na prática, o controle da legalidade estatutária, não fazendo delas, como hoje, meros órgãos de recurso. A não ser assim, em breve a legalidade estatutária, cairá nas mãos dos tribunais comuns, o que sempre afecta a imagem e credibilidade do partido
. »

Medite-se sobre este texto, reflectindo-se sobre o facto de há muito ter havido quem, dentro do PS e nesta Federação, tenha levantado, sem ter sido ouvido, uma prudente voz de alerta.

Será preciso que, em futuros acontecimentos, se vá ainda mais longe na via do desprestígio do PS para que , de uma vez por todas, se arrepie caminho ou a presente lição terá sido suficiente?

Sem comentários: