1. O Expresso de ontem difundiu os resultados e uma sondagem que reflecte já o modo como os portugueses reagiram, pelo que toca às suas intenções de voto, às últimas medidas de contenção, anunciadas pelo Governo do PS.
O PSD fica no 1º lugar com 35% das intenções de voto, logo seguido pelo PS com 33%. Isto significa que o PSD desceu 0,8% em comparação com o mês anterior e o PS, 3%. Em pesquisa feita, também pela Eurosondagem, no mês passado, o PS dispunha de uma vantagem tangencial de 0,2% sobre o PSD.
O CDS, pelo seu lado, ficou em último lugar , entre os cinco partidos parlamentares, com 7%, o que significa um recuo de 1,4%, em face do mês anterior.
A CDU, subindo 2 % , atingiu os 9,7%, enquanto o BE chegou aos 9,3 % por ter subido 2,2 %.
Se olharmos para este conjunto de números, facilmente podemos constatar que a direita (PSD+CDS) chegou aos 42 %. É um número que, em si próprio, não é tão mau como isso, mas que sofre da enorme fragilidade de estarem distribuídos pelos três partidos que lhe são exteriores ( PS+CDU+BE) 52% das intenções de voto.
Basta olharmos para o presente, para vermos que esta maioria, sendo numericamente real, está desprovida de qualquer possibilidade de uma expressão política conjunta que se traduza num exercício de poder estável e dotado de um mínimo de coerência.
Mas também podemos compreender sem esforço, que um governo de direita que tivesse contra ela esses 52% dificilmente seria sequer empossado. De facto, essa hipótese só se poderia colocar se o PSD viesse a desempenhar um papel central no derrube do actual Governo do PS. Ora, nesse caso , será enormemente irrealista pensar-se que depois de ser afastado do Governo pelo impulso determinante do PSD, o PS lhe correspondesse, abrindo-lhe uma porta que poderia manter fechada. E nem seria então caso para se invocar, como condicionante das posições do PS, uma altruísta preocupação com um hipotético interesse nacional, uma vez que só se teria chegado a uma tal dificuldade, se o PSD tivesse antes secundarizado, por completo, esse interesse. Seria, na verdade, o cúmulo da hipocrisia política e do irrealismo que se pedisse ao PS para ajudar o PSD numa dificuldade que só surgira, porque antes o PSD recusara ao PS o que agora lhe vinha pedir.
O PSD tem, portanto, enormes dificuldades tácticas e nenhum sinal positivo em termos estratégicos, perante um xadrez político em que seja esta a relação de forças.
Mas o PS que, no plano táctico, tem o desafogo simétrico do sufoco do PSD, não deixa de ter o ónus da principal responsabilidade em resolver os problemas da governação num contexto difícil, não podendo também ignorar a sombra ameaçadora de importantes dificuldades no plano estratégico.
2. Na verdade, o PS dispõe apenas de pouco mais do que 60% do conjunto das intenções de voto da esquerda, o que significa que os potenciais eleitores dos outros dois partidos rondam os 40 % desse conjunto de eleitores. Se a tendência subjacente à evolução das posições do eleitorado, reveladas pela sondagem acima comentada, se mantiver, as dificuldades sentidas por uma boa parte do povo de esquerda, em face das medidas que são assumidas pelo actual Governo, embora não reforcem a direita , podem reforçar as outras esquerdas.
Ora, se a relação de forças, reflectida pelos resultados que estamos a comentar, já cria enormes dificuldades de manobra ao PS, a subida dos outros partidos de esquerda acima dos 20%, principalmente se for acompanhada por uma descida equivalente do PS, pode criar-lhe dificuldades muito mais severas. Valorizar este risco estratégico, em conjugação com o seu comportamento como partido de um governo que é vítma de condicionamentos e estados de necessidade incontornáveis, no essencial exteriores à sua esfera de poder, é actualmente um imperativo central da sua política.
De facto, o desfasamento continuado entre as necessidades e aspirações estruturantes do interesse social das camadas da população que, vivendo fundamentalmente do seu trabalho, são excluídos, explorados e desfavorecidos, pelo exacerbar da deriva neoliberal ou pelo seu arrastamento, e as práticas institucionais e políticas das forças partidárias em que historicamente essas camadas sociais se reconhecem, é um terreno minado de imprevisíveis consequências.
Uma força política que protagonize na sua acção, continuadamente esse desfasamento, especialmente se o seu protagonismo institucional se traduz no exercício do poder de Estado, corre o risco de romper o elo de identificação histórica estrutural que a une à sua base social, podendo converter-se numa força residual incapaz de desempenhar o papel que antes desempenhava. E nem se está a pretender discutir aqui o acerto ou o erro de medidas tomadas , mas a frustração social continuada dos muitos desfavorecidos que deixem de ver na acção do seu partido um meio para trazer um pouco mais de justiça e desafogo às suas vidas difíceis. Neste plano, o PS tem pela frente um risco estratégico efectivo que seria suicida continuar a menosprezar.
Quanto aos outros partidos de esquerda, eles podem criar a ilusão de que as dificuldades estratégicas do PS se repercutem necessariamente em recursos estratégicos postos ao seu dispor, numa lógica linear de vasos comunicantes. Estão enganados. Se as coisas chegassem ao ponto dramático de um desastre estratégico do PS, ficaria cruamente à luz do dia o facto, hoje ignorado, de que quer o BE, quer o PCP, têm como horizonte um futuro que já não existe ou, quando assim não for, seguem um caminho cujo futuro não sabem imaginar. Reagem muitas vezes às diculdades presentes com decisão, lutam com vigor e denunciam com mérito em muitas circunstâncias, mas caminham verdadeiramente num trajecto sem saída. Vivem, em gande parte, das imperfeições do PS no modo como trilha o seu caminho. Um caminho percorrido com muitas falhas e hesitações, por vezes sem brilho, com lentidão até, mas que é o único que realisticamente nos pode levar ao futuro, se o percorrermos. Todavia, não nos iludamos: se esse caminhante colectivo se afundasse, ficariam de súbito expostos à obrigação de serem esperança identificável os caminhos do BE e do PCP. E então rapidamente ficaria claro que para esses caminhos já não há horizonte.
Por tudo isso, sendo certo que a direita em Portugal só nos pode oferecer futuros de repetição cinzenta das dificuldades presentes, cabe à esquerda ser alavanca para se voltar à esperança. Como? Não sei. Mas sei que o primeiro passo está em todas as esquerdas percebam que têm um difícil problema estratégico para resolver, que os envolve a todas, embora a cada uma de sua maneira; e que sintam que o problema de cada uma delas , embora em menor grau, é também um problemas das outras.
Tudo isto pode ser lido nos resultados da sondagem comentada, talvez porque, no fundo, tudo isto esteja escrito na sociedade em que vivemos.