A derrota trabalhista nas recentes eleições britânicas teve finalmente o seu epílogo com a resignação de Brown e a instituição de um governo de coligação das antigas oposições. Reduzi-la a um simples revés eleitoral, para o qual terá contribuído a aspereza da conjuntura económico-financeira e o défice de carisma de Brown, seria renunciar a um urgente reexame do nascimento, apogeu e declínio da terceira via.
Surgida pela batuta vistosa e astuta de Blair, apostado em libertar os trabalhistas do calvário de uma oposição que parecia interminável, essa terceira via, ao invés de libertar verdadeiramente o trabalhismo britânico de uma exaustão cinzenta, acabou por se limitar a reconduzi-lo ao ponto de partida, desqualificando-o assim como força transformadora da sociedade. Talvez tenham ganho os galões de gestores críveis do tipo de sociedade que temos, mas estiveram sempre longe de se revelarem como antecipadores de um horizonte alternativo. Ganharam algumas eleições sucessivas, mas no essencial deixaram o país tal como o encontraram. A terceira via na Grã-Bretanha não conseguiu ser mais do que um tónico eleitoral passageiro que acabou por se esgotar, revelando-se não como autêntica via de comunicação com o futuro, mas como simples atalho para lado nenhum.
No plano internacional, a sua influência foi mais insidiosa do que explícita, mas cometeu a proeza de ficar ligada a uma das mais degradantes derivas guerreiras das últimas décadas, quando Blair se assumiu como fiel escudeiro de Bush nas tropelias com que a partir do Afeganistão e do Iraque assombrou o mundo, abrindo feridas que estão ainda longe de sarar.
No seio da Internacional Socialista e no Partido Socialista Europeu, a terceira via teve um efeito paralisante. Surgida quando a IS e o PSE penavam num limbo de hesitação política, incapazes de assumirem uma nova atitude histórica que correspondesse adequadamente ao que havia de novo no tempo pós-soviético, a terceira via agravou a sua paralisia. Os que se apaixonaram pela sua novidade superficial não tiveram força para superar as resistências e as desconfianças dos que a olharam com reserva. Mas os que se distanciaram dela não tiveram força ou capacidade para abrirem um caminho claramente distinto.
Deve, no entanto, recordar-se, para que se possam enquadrar devidamente algumas posições cometidas por inesperados pensadores da renovação da IS, que houve uma ambição da terceira via que acabou por se esboroar, não sem que antes tivesse reduzido a escombros a esquerda italiana. Trata-se da diluição da Internacional Socialista num conjunto que a transcendesse, misturando-a principalmente com o Partido Democrático dos USA, numa espécie de conúbio entre Clinton e Blair, que se poderia estender a outras famílias políticas centristas, num ou noutro país. Como disse, só na Itália se enveredou por um tão ínvio caminho, com resultados que estão à vista e cujo último episódio é a ameaça de cisão surgida dentro do jovem Partido Democrático, feita pelo sector internamente vencido, no qual predominam os ex-democratas cristãos de esquerda.
Mas a partilha das posições “blairistas”, ou a sua proximidade, foram também fatais para os partidos polaco e húngaro da IS, para não falar na longa decadência eleitoral por que têm vindo a passar os partidos holandês e dinamarquês dessa mesma IS. Se nos lembrarmos das dificuldades políticas que fizeram sair do poder os partidos sueco, alemão e francês . Se , por fim, recordarmos o que se tem passado com três países em que o governo está entregue a partidos socialistas ( Portugal, Espanha e Grécia), perceberemos que a anemia política da Internacional Socialista e do PSE é realmente grave. Neste último caso, mostrando bem o seu real papel nos destinos da Europa, a IS e o PSE não tiveram sequer um leve vagido audível , em defesa dos seus partidos, colocados debaixo de fogo pela sofreguidão selvagem dos especuladores e pelo conservadorismo tacanho e egoísta dos agentes do PPE nas várias instâncias do poder europeu.
Se os socialistas europeus acordarem, por força deste forte abanão, e se estiverem dispostos a criar condições político-ideológicas, para virem a ter voz activa no contexto europeu, as dificuldades que atravessam podem ser criadoras e estimulantes. Mas se não souberem ir além de umas paradas internacionais de circunstância, temperadas pelos previsíveis “narizes de cera” sobre a crise que atravessamos e enfeitadas por umas tantas pitadas de um modesto assistencialismo, pode acontecer que rapidamente se atolem numa irreversível insignificância política, contribuindo decisivamente para que a Europa venha a cair num pântano de desesperança. Seria um enterro triste, mas dificilmente glorioso.
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