quinta-feira, 13 de maio de 2010

Inquisidores

Com a expressa anuência do autor, vou transcrever mais um reflexo do Estranho quotidiano através do qual J.L.Pio Abreu nos conduz, materializado numa crónica intitulada Inquisidores, publicada na semana passada no Destak. Ei-la:


Nalguns lagos da Europa, durante a idade média, quando uma mulher era suspeita de ter um pacto com o diabo, atiravam-na à água. Se flutuasse, era culpada e sentenciada. Se fosse ao fundo, coitada, era inocente. Aliás, a inquisição sempre funcionou assim. Os acusados eram torturados até à morte, ou até se considerarem culpados. Neste caso, cessava a tortura e celebrava-se a execução.

Os inquisidores, apoiados pelo público que apreciava o espectáculo, convenciam-se de que estavam a fazer um trabalho meritório. Eles eram feitos da mesma massa que nós, e não tenho dúvidas de que, se olharemos à nossa volta, encontraremos pessoas dispostas a desempenhar o mesmo papel.

Aliás, nem é preciso olhar à volta, basta ligar a televisão. Os nossos parlamentares, transformados em comissão de inquérito, dão-nos uma imagem do que poderia ser a inquisição moderna. Os seus objectivos – descobrir quem sabia de um negócio que não chegou a existir – são tão imaginários como os pactos com o diabo. Os seus métodos, com desprezo pelo contraditório, servem apenas para justificar as suspeições.

Além disso, boa parte do público aplaude. De facto, ele sente-se aliviado porque pode dirigir a sua zanga contra os bodes expiatórios apresentados como responsáveis por todas os males. A única coisa que falta é o espectáculo da fogueira. Não porque muitos o não desejassem. O problema é que a notícia correria mundo, e o mundo civilizado não deixaria que isso acontecesse na Europa de hoje. [J.L.Pio Abreu]

2 comentários:

aminhapele disse...

E diziam que eu era maluco por me fazer lembrar a Inquisição...

Anónimo disse...

Torquemada, afinal, deixou sementes de veneno.